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- 21 de setembro de 2015

Guerreira da Vida: Inês Etienne Romeu Presente!

Cecilia Maria Bouças Coimbra*

Victória Lavínia Grabois Olímpio**

Julgamento no auditório do Exército. Rio de Janeiro, 1972.

Julgamento no auditório do Exército. Rio de Janeiro, 1972.

“Quando não me submetiam a torturas físicas, destroçavam-me mentalmente (…). Colocavam-me completamente nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura estava baixissíma (…). Fui várias vezes espancada e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios (…). Eu já fora condenada à morte que seria a mais lenta e cruel possível (…). Fui estuprada duas vezes e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua (…). Durante o tempo de meu cativeiro, tentei o suicídio quatro vezes (…)”.

(Depoimento à OAB/Federal).

Falar de Inês Etienne Romeu é falar de muitas outras mulheres que resistiram à barbárie e que pouco são conhecidas em nossa história oficial. Inês simboliza não só esta resistência ao terror, mas nos traz uma face ética e política de compromisso com a memória de nosso país. Iniciou sua militância em Minas Gerais, no início dos anos de 1960. Pertenceu a algumas organizações revolucionárias como POLOP (Política Operária), VPR (Vanguarda Armada Revolucionária) e VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares). Como tantos outros jovens de sua geração, contestou, pela força das armas, o regime de terror imposto pelo golpe civil-militar de 1964. Foi presa em abril de 1971, em São Paulo e levada para o DEOPS onde foi brutalmente torturada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Tinha, então, 29 anos de idade. Transferida para o Rio de Janeiro, sofreu, em um aparelho clandestino vinculado ao Centro de Informações do Exército, violentas e torpes torturas, inimagináveis sevícias e suplícios por 96 dias ininterruptos. Foi a única presa política que sobreviveu àquele inferno: a conhecida Casa da Morte, em Petrópolis. Foi condenada à prisão perpétua e, após passar por vários quartéis no Rio de Janeiro, permaneceu na Penitenciária de Bangu de 1973 a 1979, quando ocorreu a anistia.

Seu depoimento dado, em setembro de 1979, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, perante seu presidente Dr. Eduardo Seabra Fagundes, é estarrecedor. Além de descrever os horrores passados na Casa da Morte, listou vários presos que lá estiveram, todos desaparecidos até hoje. Descreve, ainda, dezenove torturadores que atuavam naquele centro clandestino, citando seus codinomes.

Sua afirmação da vida foi ferrenha. Seus carrascos tentaram cravar-lhe o medo mais terrível, quebrar seu corpo e sua alma, mata-la mil vezes. E, mil vezes Inês se levantou. Mil vezes Inês afirmou seu compromisso ético e político com a vida e com sua luta. Mil vezes Inês continuou trazendo uma parte de nossa história através dos horrores que sofreu.

Inês nos deixou em 27 de abril deste ano, após 12 anos de sofrimento. Em 2003, foi agredida – episódio até hoje não esclarecido – o que lhe provocou fratura de crânio e lesão cerebral irreversível, deixando-a parcialmente incapacitada com dificuldades de locomoção e fala. Apesar disso, com seus olhos vivos e seu sorriso aberto Inês aos poucos foi reconhecendo seus velhos e queridos companheiros e reafirmando suas memórias.

Que sua coragem, sua insistência em viver e contar o que experimentou a ferro e fogo inspire as novas gerações.



* Psicóloga, Fundadora e atual Vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

** Professora, Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

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