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- 27 de março de 2015

Comissão Nacional da Verdade: acordos e limites

Cecilia Coimbra*
Victória Grabois**

Desde a Anistia de 1978 até os dias de hoje, acordos foram feitos entre as forças político-econômicas que financiaram a tortura, apoiaram/respaldaram a ditadura civil-militar e os diferentes governos civis que se sucederam após 1985.

Estes acordos — entre forças civis e militares — continuam dos mais diversos modos presentes na história do Brasil. Impõem, com isto, uma certa visão da história, mantendo e fortalecendo a história que nos é permitido conhecer: a história narrada em função dos acordos e concessões mútuas que retira de cena as inúmeras memórias de resistência daquele tempo e o terror então implantado.

Atravessada por todas essas tensões e acordos, a Comissão Nacional da Verdade foi votada, em novembro de 2011, como “aquilo que é o possível hoje”.

É importante ressaltar que, em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA condenou o Estado brasileiro a investigar, esclarecer e responsabilizar seus agentes que participaram do desaparecimento de mais de 70 opositores na repressão contra a Guerrilha do Araguaia. Esta sentença foi ampliada para os cerca de 500 mortos e desaparecidos políticos, afirmando que a interpretação oficial da Lei da Anistia não é empecilho para tais atos reparatórios. No bojo de tais questões, foi votada a “toque de caixa” a Comissão do Possível como forma de visibilizar para a OEA alguma ação reparatória. Entretanto, em novembro de 2014, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA emitiu nova Resolução informando que o Estado brasileiro não cumpriu até hoje a Sentença condenatória de 2010.

A Comissão Nacional da Verdade manteve muitos de seus trabalho sem sigilo, especialmente a tomada de depoimentos de alguns membros da repressão. A maioria dos casos tornados oficiais já haviam sido levantados há anos, sem qualquer apoio governamental, por movimentos como os Tortura Nunca Mais e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, totalmente ignorados no Relatório Final. Trabalhos e pesquisas de quase 30 anos foram retirados de nossa história.

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ entende que falar dos crimes cometidos pela ditadura civil-militar é afirmar que a tortura foi instrumento oficial do Estado brasileiro e não que ocorreram “graves violações de direitos humanos”. É, além de responsabilizar os torturadores, responder onde, quando e como aconteceram tais crimes, especialmente no que se refere aos desaparecidos. É apontar para continuidade nos dias de hoje da tortura, dos sequestros, das prisões arbitrárias, das mortes e desaparecimentos.

“É preciso não ter medo; é preciso ter a coragem de dizer”, nos alertava Carlos Marighella. Há muito ainda para dizer, há muito ainda para contar. Há que não entrar na chantagem do “possível” em nome de uma dita governabilidade.

Mini currículos:
Cecilia Coimbra, 73 anos, Psicóloga, Professora do Programa de Pós-graduação da UFF, ex-presa política, Fundadora e atual vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ

Victória Grabois, 71 anos, Professora, Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, integrante do Fórum Feminista do Rio de Janeiro e familiar de três desaparecidos políticos, na Guerrilha do Araguaia.

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