REUNIÃO DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE COM FAMILIARES

Reunião da Comissão Nacional da Verdade com Familiares de
Mortos e Desaparecidos Políticos

 

No último dia 11 de maio, os seguintes integrantes da Comissão Nacional da Verdade: Gilson Dipp, Paulo Sérgio Pinheiro, Antônio Carlos Dias, Rosa Cardoso e Maria Rita Kell se reuniram, em São Paulo, com cerca de 49 famílias de mortos e desaparecidos do eixo Rio-São Paulo.

Na ocasião, os familiares, por unanimidade, questionaram sobre o funcionamento da Comissão da Verdade nos seguintes aspectos: as reuniões da referida Comissão não poderão ser sigilosas; faz-se necessário elaborar uma metodologia de trabalho; abertura dos arquivos da ditadura; e o posicionamento dos comissionados em relação à entrevistas concedidas à mídia que destacam que serão investigados os dois lados.

Os familiares se surpreendem que, passados 27 anos do fim do regime militar, todos os governos civis tenham se recusado a abrir os arquivos da ditadura e punir os torturadores. Por que os arquivos da ditadura não são abertos? Por que os torturadores, coronéis e generais de pijama, não são denunciados e processados? Por que em outros países da América Latina, como Argentina, Chile e Uruguai, generais, ex-presidentes, responsáveis por tortura e desaparecimentos políticos são processados e condenados e no Brasil alguns chegam até a ser promovidos?

O ato da criação da Comissão Nacional da Verdade parte de uma interpretação errônea, de que a Lei da Anistia foi produzida por um acordo entre o regime militar e seus opositores. A tese do acordo foi reprisada pelo perito Gilson Dipp na Corte Interamericana de Direitos Humanos, durante a audiência da Sentença do caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia) versus Estado brasileiro. Deve-se ressaltar que o Congresso Nacional funcionava com os dois únicos partidos consentidos pela ditadura (ARENA e MDB), com a presença de senadores biônicos, nomeados pelo governo militar, sem voto popular. Não existia autonomia sindical e a mídia era censurada. Que acordo seria possível nessa correlação de forças? Não se pode esquecer que o projeto de lei da anistia do governo Figueiredo foi aprovado no Congresso por 203 votos a 201. Perdemos por dois votos.

Não bastasse a falsificação histórica dos “dois lados” usada como argumento para a não punição dos torturadores e como defesa do governo brasileiro para escapar de condenação pelos organismos internacionais de direitos humanos, a tese que de um lado, o Estado, defende a ordem legal contra aqueles que queriam implantar a ditadura do proletariado e, do outro, terroristas que devem ter seus crimes investigados. É bom lembrar que o próprio direito burguês garante o direito à insurreição. Equiparar a resistência à ditadura aos torturadores tem sido a tática favorita para garantir a impunidade dos crimes da ditadura.  Importante enfatizar que os opositores foram julgados – muitos já estão mortos – sequestrados, presos ilegalmente, torturados, assassinados e desaparecidos.

 

 

 

Arquivos sobre mortes somem em Petrópolis

Boletins de Delegacia e IML poderiam esclarecer crimes em centro de tortura

Boletins de ocorrência envolvendo mortes violentas entre 1973 e 1978, nos quais poderiam constar informações sobre militantes políticos que passaram pela Casa da Morte de Petrópolis – aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) – desapareceram dos arquivos da extinta 67ª DP (Centro de Petrópolis). Os livros do Instituto Médico-Legal (IML) do município, com registros de óbitos e enterros nos cemitérios do Centro e do distrito de Itaipava entre 1970 e 1974, tiveram o mesmo destino.

A falta de documentação nos arquivos da 67ª DP foi identificada por uma equipe de pesquisadores da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que promoveu uma inspeção recente no material. O grupo também constatou escassez de documentos sobre mortes violentas referentes ao período de 1970 a 1972, e aos anos de 1979 e 1980.

O pouco que sobrou do acervo da 67ª DP foi entregue ao Museu Imperial e está reunido em 80 caixas de documentos, parte proveniente do Serviço Nacional de Informações (SNI) e com dados sobre militantes políticos. Há ainda boletins de fichamentos de suspeitos de crimes contra a segurança nacional e um livro com relação de nomes de comunistas. Segundo pesquisadores da comissão, há vestígios de queima de documentos.

As vítimas da Casa da Morte teriam sido enterradas como indigentes ou identificadas com nomes falsos nos cemitérios do Centro e de Itaipava. Há ainda a hipótese de sepultamentos em cemitérios da zona rural de Petrópolis nos bairros de Rio Bonito, Brejal e Vale das Videiras.


Casa da Morte

A prefeitura de Petrópolis disponibilizou uma relação dos nomes de pessoas enterradas na década de 1970 no primeiro e segundo distritos. O material está microfilmado e guardado no acervo do Arquivo Público Municipal. No entanto, faltam dados sobre o motivo das mortes. A lista, por estar em ordem alfabética, dificulta a identificação do ano do enterro. Livros do município com registros dos sepultamentos, que funcionariam como cópias do arquivo do IML, foram destruídos. Somente foram preservadas as listagens de enterros ocorridos até 1969.

 

Protesto expõe legista acusado de encobrir tortura durante a ditadura militar

Postes, muros e pontos de ônibus dos bairros da Vila Madalena e Pinheiros amanheceram com centenas de cartazes de protesto contra Harry Shibata, médico legista e ex-diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo. Acusado de ser responsável por falsos atestados de óbito usados para acobertar assassinatos de opositores pela ditadura militar, ele teria ignorado marcas deixadas por sessões de tortura produzindo laudos de acordo com as necessidades dos militares. Os cartazes foram colados por um grupo de manifestantes na madrugada deste sábado.

Shibata é acusado de, sem ter visto o corpo e atestar como suicídio a morte de Vladimir Herzog, então diretor da TV Cultura, que fora convocado para “prestar esclarecimentos” no Doi-Codi, em outubro de 1975. O órgão, ligado ao regime, tinha o objetivo de reprimir opositores e se transformou em um dos principais centros de tortura do país.

A morte do jornalista após sessão de tortura tornou-se um símbolo na luta contra a ditadura. E o culto ecumênico realizado em sua homenagem, em dezembro daquele ano, na Catedral da Sé, foi o primeiro grande ato da sociedade civil contra as atrocidades cometidas pelos militares.

 

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em 1992, entrou com solicitação de investigações contra 66 médicos legistas ao CREMERJ. Entre esses médicos encontra-se Harry Shibata que, à época, entrou com um mandato de segurança e conseguiu na Justiça a suspensão de seu processo.

Nos dias 31 de março e 1º de abril, manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo reuniram centenas de pessoas para lembrar o aniversário do golpe de 1964. Elas exigiram que os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura civil-militar sejam esclarecidos e os envolvidos em casos de tortura responsabilizados por crime contra a humanidade.

Como parte dos protestos, residências de militares acusados de envolvimento em tortura foram marcadas. Da mesma forma, parte dos cartazes fornece o endereço do médico legista Harry Shibata, em uma rua de classe média alta.

Leonardo Sakamoto

Atentado ao Riocentro

Ao examinar uma das clássicas fotos do frustrado atentado ao show do dia do trabalhador no Riocentro, em 1981, o ex-delegado Claudio Guerra do DOPS/ES, reconheceu dois militares do Doi-Codi/RJ que, segundo ele, também estavam encarregados de explodir outras bombas no palco do show do Riocentro. O primeiro, de calça jeans e camisa branca, era, na época, o parceiro e amigo do Sargento Rosário, agente Guarani, codinome do sargento paraquedista Magno Cantarino Motta. O outro: “Lembro dele, mas não consigo recordar o nome… nenhum civil pôde se aproximar do carro quando retomamos o controle da situação.”


Descrição: agente guarani
Atentado ao Riocentro
Pedro Estevam da Rocha Pomar

 

SAUDADES

Iramaya de Queiroz Benjamin

 

Descrição: http://www.cecac.org.br/Imagens%20Utiliz%E1veis/Tonico_passeataAnistia.jpg

Iramaya de Queiroz Benjamin morreu no dia 26 de junho últimjo, aos 88 anos, no Rio de Janeiro. Ela foi uma das fundadoras do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), junto com um grupo de familiares de presos e exilados, em 1978. O movimento pela anistia multiplicou-se em pouco tempo e tornou-se a luta de um país pela liberdade.

Dois filhos de Iramaya foram presos, torturados e exilados durante a ditadura civil-militar implantada em 64. Ela transformou sua vida na luta pela anistia para os presos políticos e perseguidos pelo regime do período.

À frente do Comitê pela Anistia – CBA, ela liderou passeatas, manifestações e realizou palestras contra a ditadura.

Descrição: http://www.blogdosereno.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/06/507974.jpg

A Lei da Anistia, embora não tenha atendido plenamente às reivindicações dos militantes – não tendo sido ampla, geral e irrestrita – foi aprovada pelo Congresso Nacional em 28 de agosto de 1979, depois de pressões dentro e fora do país, apenas com 4 votos de diferença. Os exilados podiam finalmente retornar e tentarem dar prosseguimento às suas vidas depois de anos de truculência e horror, que poderiam ser superados, mas nunca esquecidos. A ditadura manchou de sangue e dor décadas da história do Brasil. A lista de desaparecidos políticos ainda é grande e as cicatrizes não desapareceram. Mas graças a Iramaya, de quem pesarosamente tivemos de nos despedir, e muitos outros, a luta não foi em vão e nunca conseguiram nos calar de fato.

Muitas homenagens foram prestadas a Iramaya Benjamin. Do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência –1999.

Iramaya, PRESENTE!

Maria Alice Braz

Querida Maria Alice, Presente!


Foto: José Antônio Simões

Com tristeza, registramos o falecimento de nossa querida companheira Maria Alice Braz, ocorrido em 25 de maio de 2012. É difícil não nos emocionarmos ao relembrá-la.

Maria, uma das fundadoras do GTNM/RJ, era uma pessoa tão doce, tão cheia de vida, de carinho e solidariedade, de coragem, de uma espontânea e contagiante alegria que sua partida deixa um enorme vazio, sem substituição.

Nasceu no interior da Paraíba, em Sapé, em 19 de março de 1935. Trabalhou no campo e depois como operária tecelã em uma fábrica em Tibiri, Santa Rita (PB), cidade vizinha. Com 20 anos mudou-se para o Rio de Janeiro onde, em Vicente de Carvalho, conheceu Sebastião Braz, seu inseparável companheiro. Com ele inicialmente integrou a Juventude Comunista e depois, em 1956, ingressou no PCB. Desligou-se do partido em 1964, após o golpe, continuando a participar de atividades de resistência mais gerais e as organizadas pelo PCB.

Maria era daquelas pessoas imprescindíveis de que falou Brecht: lutou toda uma vida. E no anonimato, sem holofotes e sem sentir a necessidade deles para a sua luta. Uma pessoa à frente de seu tempo, de uma sabedoria incrível, “das maiores que conheci”, nas palavras do amigo e vizinho Simões. Sabedoria adquirida não no meio acadêmico, mas sim na riqueza de desafios impostos pela vida, pela luta. O amigo lhe dedicou um belo texto e um emocionante programa de rádio em Araruama, cidade onde morava ultimamente.

... Maria Alice, ao lado de seu companheiro Sebastião Braz, participou das lutas contra a ditadura militar. Ela lutou bravamente, enfrentando as forças golpistas que derrubaram o governo constitucional de João Goulart, no dia 31 de março de 1964. Ela era uma militante comunista autêntica. Cidadã integra que jamais, em tempo algum, abandonou suas ideias revolucionárias. Lutou, até os momentos finais, pela construção de uma sociedade justa, fraterna, igualitária, libertária e solidária.

Maria Alice se desdobrou como mãe de quatro filhos, quando passou a ser provedora do lar, durante o período em que Sebastião Braz, também comunista, com marcante atuação sindical, foi preso pelo regime militar. Na quase clandestinidade em que viveu, nunca perdeu a dimensão humana de suas lutas, amparando e dando apoio aos que enfrentavam a brutalidade do regime opressor...

A trajetória de Maria nos remete a outro poema de Brecht, menos conhecido: “Elogio do trabalho clandestino”:


É bonito
usar da palavra na luta de classes.
Clamar alto e bom som pela luta das massas.
Pisar os opressores, libertar os oprimidos.

Árdua e útil é a pequena tarefa de cada dia
que secreta e tenaz tece
a rede do Partido sob
os fuzis apontados dos capitalistas.

Falar, mas
escondendo o orador.
Vencer, mas
escondendo o vencedor.
Morrer, mas
dissimulando a morte.

Pela glória quem não faria grandes coisas?
Mas quem as faz pelo esquecimento?
E a glória busca em vão
os autores do grande feito.

Sai da sombra por um momento
rostos anônimos, encobertos,
e aceitai
o nosso agradecimento.

 


Corajosa, nos tempos mais sombrios da ditadura militar apoiou revolucionários que integravam a resistência armada ao regime. Por questões de segurança, não conhecia a identidade desses companheiros. Apenas mais tarde veio saber que recebeu em sua casa Stuart Angel Jones por mais de um ano, que praticamente se integrou à sua família; por alguns dias conviveu com Carlos Lamarca, um dos dirigentes revolucionários mais procurados pela repressão.

Maria só pode identificar que “Pedro” era Stuart no I Encontro Nacional de Atingidos [pela ditadura], realizado em 11 e 12 de agosto de 1979, no Colégio Bennett, organizado pela companheira Iramaya Benjamin (do Comitê Brasileiro pela Anistia) e que “João” era Lamarca ao ver notícias sobre seu assassinato na Bahia.

Nesse Encontro em 1979, Braz e Maria levaram uma foto de Sônia Moraes, que Stuart deixara em sua casa. Alguém a identificou e pediu para que conversassem com o professor Moraes (pai de Sônia) que provavelmente poderia conhecer o “Pedro” a quem se referiam. Foi uma emoção recíproca: Moraes ao conhecer o casal que apoiou o esposo de sua filha em momentos tão difíceis e Braz e Maria ao identificarem “Pedro” – ou Stuart, o jovem revolucionário que morreu depois de ter sido torturado, de “cheirar fumaça de óleo diesel” sem fornecer a seus algozes o paradeiro de Lamarca.

Maria participou ativamente da luta pela Anistia, integrando o Movimento Feminino pela Anistia (criado inicialmente em São Paulo em 1975 e que se espalhou por várias cidades brasileiras) e depois o Comitê Brasileiro pela Anistia. Fez também muitos “panelões” de comida para levar aos domingos aos presos políticos do Presídio Frei Caneca. Posteriormente, em 1985, foi uma das fundadoras do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, onde atuou em várias lutas de nossa entidade.

Seu companheiro Braz ressalta a capacidade que Maria adquiriu em identificar os males sociais, conquistando na luta uma imensa cultura política. E ela colocava em prática seus ideais, sua consciência, transpirando fraternidade, coragem e solidariedade, com atenção especial aos perseguidos, oprimidos e explorados. Assim foi por toda uma vida, por isso uma pessoa tão querida.

Lembramos de Maria também com a música de Fernando Brant e Milton Nascimento, entoada em seu sepultamento que, em certa medida, expressa a força de sua figura.


 Maria, Maria
É um dom, uma certa magia Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
 
Maria, Maria

É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte, lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
 
Mas, é preciso ter força

É preciso ter raça
É preciso ter gana, sempre
Quem traz no corpo uma marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria  
Mas, é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho, sempre

Quem traz na pele essa marca

Possui a estranha mania de ter fé na vida

Maria, PRESENTE!