EDITORIAL

 

 

 

A banalização da tortura e a comissão consentida

Recente pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP) aponta a plena aceitação da prática da tortura por mais de 40% dos entrevistados. As poucas notícias veiculadas sobre o tema nos grandes meios de comunicação mostram uma análise pobre e um estranho espanto por parte de alguns articulistas. Espanto que para nós torna-se estranho e, até mesmo, inacreditável, tendo em vista o próprio papel desempenhado por esta mídia hegemônica no sentido de naturalizar/banalizar as práticas de violência que se espalham e fazem parte do nosso cotidiano.

A aceitação da tortura e de outras práticas humilhantes, degradantes e cruéis estão presentes não só na forma como as notícias são veiculadas, mas encontram-se cada vez mais nas novelas, nos seriados, em especial os enlatados norte-americanos, nos filmes sucessos de bilheteria, nos programas infantis e em todas as esferas deste mundo capitalista.

Aliada a esta banalização/naturalização da tortura assistimos a uma encenação de “processo reparatório” às violações cometidas durante o período da ditadura em nosso país através de uma Comissão Consentida.

A Comissão Nacional da Verdade recentemente instalada, em pouco tempo vem mostrando seus reais objetivos, seus perversos limites, já apontados pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

Estamos assistindo nos grandes meios de comunicação argumentações sobre as “vantagens” de ser esta uma Comissão que não tem poder para remeter à justiça provas para a responsabilização dos crimes cometidos durante o período da ditadura civil-militar, o que poderia estimular agentes da repressão a falarem. E, por isto mesmo, tem poder para tornar sigilosas as informações e depoimentos, se assim considerar necessário.

Recentemente, por exemplo, A Comissão ouviu o ex-delegado do DOPS/ES que, além de confirmar as informações de seu livro “Memória de uma Guerra Suja”, entregou sete nomes de pessoas que podem dar detalhes do que ocorreu nos “porões do regime”. Quem são? Não sabemos! Todas as informações e nomes que chegam à Comissão têm sido mantidos sob sigilo. Ou seja, conhecidos torturadores são convidados a dar depoimentos com a garantia de que não têm o que temer, pois suas identidades e depoimentos continuarão sob sigilo. Não se estaria, com isto, acobertando crimes contra a humanidade e seus perpetradores?

Muitos, ingenuamente, são levados a acreditar que talvez assim os torturadores comecem a falar sobre os horrores praticados naquele período de terrorismo de Estado. E os arquivos? Onde estão? Para que servem?

Estamos há muitos anos lutando pela abertura dos arquivos da ditadura e, de repente, recebemos como resposta a criação de novos arquivos sigilosos.

Conhecemos a produção do silenciamento, do esquecimento, do sigilo desde o golpe civil-militar de 1964. Nossa luta aposta na fala, na transparência, na publicização e responsabilização de todos que cometeram crimes contra humanidade.

“Pode-se enganar algumas pessoas todo o tempo
Pode-se enganar todas as pessoas durante algum tempo
Mas, não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo”.
(A. Lincoln)

Por uma Comissão da Verdade, Memória e Justiça transparente e efetivamente pública!

Pela abertura ampla, geral e irrestrita de todos os arquivos da ditadura!

Pela imediata implementação da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA!

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!

Rio de Janeiro, 16 de julho de 2012
Diretoria do GTNM/RJ