MEDALHA CHICO MENDES DE RESISTÊNCIA

Medalha Chico Mendes de Resistência 2012

24ª Medalha Chico Mendes de Resistência


O evento Medalha Chico Mendes de Resistência, que a cada 01 de abril, lembra há 24 anos, as consequências perversas do golpe civil-militar de 1964 no Brasil, se realizou em 2012, na sede da OAB/RJ. Em nome da sociedade brasileira reafirmamos mais uma vez a dignidade e a memória daqueles que dedicam suas vidas a uma sociedade mais justa e fraterna.

Neste ato, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTNM/RJ homenageia pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou internacionais, por suas lutas na defesa dos direitos fundamentais à vida e à liberdade, dos direitos humanos e por uma sociedade plural, fraterna e sem torturas. Esta homenagem está prevista em seu estatuto desde a sua fundação, em 1985, e vem sendo cumprida desde 1989, anualmente, no dia 1º de abril ou em data próxima, com a entrega da Medalha Chico Mendes de Resistência.

No dia 22 de dezembro de 1988 havia sido assassinado Chico Mendes – conhecido ativista das lutas populares. O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, indignado com esse fato e com as homenagens prestadas a antigos torturadores, conferindo-lhes a mais alta comenda do Exército, a Medalha do Pacificador, em solenidade realizada no prédio do antigo Doi-Codi-RJ, localizado no quartel da Polícia do Exército do Rio de Janeiro, conhecido centro de torturas, resolveu criar a sua própria medalha no sentido de homenagear pessoas e entidades que tenham se destacado nas lutas de resistência, na defesa dos direitos humanos e dos povos e no combate a qualquer tipo de ditadura, de violência e de tortura.

Desde 1989, são homenageadas 10 pessoas ou entidades, de diferentes categorias, de acordo com suas áreas de atuação em suas lutas em prol dos direitos humanos. As entidades do Rio de Janeiro que participam da escolha dos candidatos são convidadas previamente pelo GTNM/RJ por sua atuação militante na defesa dos Direitos Humanos. Em 2012, participaram:

Associação Brasileira de Imprensa – ABI, Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos – CEBRASPO, Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional – CEJIL, Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia/RJ, Comitê Chico Mendes, Movimento dos Trabalhadores sem Terra – MST, Nova Democracia, Partido Comunista Brasileiro – PCB e Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência.


Homenageados

Belisário dos Santos Jr.

 

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo – USP, com curso de mestrado em Legislação Penal Especial (USP), é advogado desde 1970. Possui ainda especialização em Direito Administrativo pela PUC/SP.

Foi procurador autárquico do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, de 1972 a 1998. Integrou o Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, representando a OAB-SP. Foi membro da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Ocupou ainda o cargo de Presidente da Associação de Advogados Latino-Americanos pela Defesa dos Direitos Humanos. Foi Secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo (1999/2000) e Secretário da Administração Penitenciária do Estado (1995).

Hoje é membro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Integra o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura) e da Fundação Mário Covas. É membro, representando o Brasil, da Comissão Internacional de Juristas, com sede em Genebra. É diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA).

Foi advogado de diversos perseguidos políticos pelo regime de exceção, de demitidos, cassados, presos, banidos, torturados e mortos. Cidadãos e cidadãs que faziam oposição ao regime militar.

Em maio de 2010, foi testemunha na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, na ação movida pelo Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo contra o Estado brasileiro referente à Guerrilha do Araguaia. Sua participação foi fundamental para esclarecer aos juízes da Corte sobre a Lei de Anistia brasileira aprovada pelo Congresso Nacional, que não foi recíproca, foi fruto de um acordo político do qual a maior parte da oposição não participou. Aliás, aprovada por um Congresso Nacional ilegítimo, bipartidário, ameaçado e intimado pelo regime vigente. Dr. Belisário reforçou a tese que os agentes do Estado que assassinaram e torturaram não podem ser beneficiados pela Lei de Anistia.

Desde 2003, é Membro da Comissão Especial do Estado brasileiro para Mortos e Desaparecidos Políticos, onde tem tido uma atuação corajosa em prol da memória, verdade e justiça. Um grande parceiro dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, em especial do GTNM/RJ, na luta pela localização dos restos mortais e das circunstâncias das mortes de dezenas de opositores do regime civil militar.

Autor de publicações e artigos sobre direitos humanos.
Plantou várias árvores e impediu a derrubada de outras tantas.
É marido da Ia, pai da Marcela, Juliana e Gabriel e avô do Pedrinho.

 

 

Comunidade de Pinheirinho

 

Na madrugada de 22 de janeiro último, a PM de São Paulo invadiu a ocupação de Pinheirinho, expulsando violentamente as cerca de 1.600 famílias e destruindo suas casas. Além de dezenas de feridos e desaparecidos, abusos de todo tipo foram praticados pela autoridade policial, causando um imenso prejuízo para os moradores, que tiveram praticamente todos os seus pertences destruídos e suas casas demolidas.

O Pinheirinho era uma ocupação de grande porte, com cerca de 1.600 famílias oriundas da região conhecida como Campo dos Alemães, em São José dos Campos, estado de São Paulo. Esse movimento teve início em fevereiro de 2004, com algumas centenas de famílias e aos poucos foi se consolidando, contando com cerca de 6 mil moradores em 22 de janeiro de 2012, quando ocorreu a violenta desocupação.

A área com um milhão e duzentos e oitenta mil metros quadrados nunca cumpriu função social antes da ocupação e pertenceria ao mega especulador Naji Nahas, fruto de uma negociata na década de 80, com um conhecido grileiro da cidade.

Sua praça principal chamava-se Quilombo dos Palmares, simbolizando a resistência, e lá o povo se organizava, fazendo reuniões semanais, onde eram deliberadas políticas e atividades. No Pinheirinho não havia esgoto a céu aberto, as moradias contavam com fossas sépticas e as APPs (Áreas de Preservação Permanente), como minas e margens do rio.

Os moradores criaram e legalizaram a Associação Democrática por Moradia e Direitos Sociais de São José dos Campos e resistiram 8 anos para manter a ocupação, lutando contra diversas tentativas de desocupação, que acabaram sendo suspensas pela justiça.

Semanas antes da desocupação, firmou-se um protocolo entre o governo federal e o estadual para compra da área pelo governo federal e construção de casas para as famílias por ambos os governos. Entretanto, a prefeitura, a juíza de São José dos Campos e o TJ do estado não tomaram conhecimento desse acordo e forçaram a desocupação.

Denunciamos que ainda existem cinco pessoas desaparecidas desde o despejo, que seguem sendo procuradas por seus familiares: Josefa de Fátima Jerônimo, Gilmara Costa do Espírito Santo e seu esposo Beto, Lucas Costa do Espírito e Mateus da Silva. Há ainda o caso de Ivo Teles dos Santos, de 75 anos, que ficou desaparecido por nove dias, sendo encontrado na UTI do Hospital Municipal Vila Industrial de São José dos Campos, com traumatismo craniano, devido a agressões. O Sr. Ivo ainda se encontra em estado grave.

Vergonhosamente, em 9 de fevereiro, menos de 20 dias após o massacre, a PM de São Paulo concedeu ao Coronel Messias, que comandou a operação de despejo do Pinheirinho, a Medalha Paul Balagny, destinada a personalidades que tenham se destacado por relevante contribuição às ciências, letras, artes e cultura.

 

Deize Silva de Carvalho

 

Deize Silva de Carvalho nasceu e cresceu na comunidade do Cantagalo, no Rio de Janeiro, comunidade que seus avós, descendentes de escravos, ajudaram a fundar quando vieram de Minas Gerais. Deize acompanhou a luta cotidiana da avó para conseguir sustentar filhos e netos, enfrentando privações de diversas ordens. A pequena menina do Cantagalo foi crescendo e junto com ela a força de lutar, tendo a vida de sua avó como grande inspiração. Foi do mesmo modo, com muita dificuldade e garra, que conseguiu criar seus quatro filhos, apesar da precariedade imposta pela absoluta ausência do Estado nas favelas do Rio de Janeiro, o que marca a vida de milhares de famílias que vivem nessas comunidades. Hoje, aos 41 anos, continua morando no mesmo local e participando ativamente das diversas lutas no cotidiano de sua comunidade.

No dia 1º de janeiro de 2008, seu filho mais velho, amigo e companheiro, Andreu Luís da Silva de Carvalho, na época com 17 anos, foi barbaramente torturado e assassinado, sob tutela do Estado, nas dependências do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (o DEGASE). Desde então, Deize vem lutando incansavelmente por justiça, junto com seus familiares e diversos movimentos sociais, organizações da sociedade civil e militantes de direitos humanos. Durante esses anos, vem enfrentando inúmeros obstáculos por parte de órgãos do Estado para que a morte de Andreu seja devidamente investigada e esclarecida. 

Logo após a morte de seu filho, a presença e indignação dos jovens de sua comunidade a emocionou e fez perceber que a história de seu filho não era uma história particular ou excepcional e que a luta por justiça no caso de Andreu é uma luta por toda a juventude pobre e criminalizada. Alguns encontros foram fundamentais nesse percurso e a impulsionaram a não desistir e atualmente constituem vínculos de amizade e de luta, como é o caso do Cebraspo e da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência. A partir destes, Deize foi conhecendo outros companheiros e organizações, e os diversos atos públicos realizados em memória de Andreu vêm ganhando cada vez mais força.

Hoje a luta de Deize não é uma luta isolada: é a luta de muitos coletivos militantes e familiares de vítimas de violência do Estado. A força da presença e das palavras de Deize emociona e desperta grande admiração em quem a conhece.

No dia 08 de fevereiro de 2012, foi realizada a primeira Audiência de Instrução e Julgamento dos agentes de disciplina do DEGASE acusados de torturarem e matarem Andreu. Ao final da audiência, enquanto recebia os cumprimentos de seus familiares e companheiros, Deize declarou: “Fui forte por você, meu filho”. Após quatro anos de luta, Deize afirma que apesar de toda dor e indignação, conseguiu fazer de sua revolta uma razão para lutar.

Persistente na denúncia da violência, dos constrangimentos e das humilhações vividas por milhares de adolescentes e seus familiares no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro, a luta de Deize por justiça no caso de Andreu é um repúdio à violência, à tortura e ao extermínio da juventude pobre e um grito potente de mãe pelo direito à vida.

 

Gabriel Sales Pimenta

Nasceu em 20 de novembro de 1954, em Juiz de Fora – MG, tem 6 irmãos. Pouco depois de formado em Direito, foi aprovado em concurso do Banco do Brasil indo para Brasília. Descontente, renunciou e foi para Conceição do Araguaia; logo depois para Marabá, onde, com apenas 27 anos, foi assassinado no dia 18 de julho de 1982.

Na cidade de Marabá, Gabriel realizou um trabalho incansável de defesa e organização de entidades de trabalhadores. Colaborou na criação e reestruturação de sindicatos. No Sindicato dos Trabalhadores Rurais, assessorou a criação de delegacias sindicais e encaminhou os posseiros pela legalização de suas terras. Também ajudou a criar associações de diversas categorias. Passou a ser advogado de causas populares. Organizou reuniões e palestras naquele estado para denunciar o entreguismo das nossas riquezas. Gabriel era mais que isto, era revolucionário e comunista que lutava não só contra aquele regime militar, defendia a revolução, por uma democracia popular e pelo socialismo.

Gabriel Pimenta é mais um mártir na luta dos camponeses contra o latifúndio. Seu covarde assassinato aconteceu durante a luta dos camponeses da Vila Pau Seco, próximo a Marabá, pela posse da terra. No início do ano de 82, Gabriel encaminhou ação na justiça pela permanência de 260 famílias naquela área, onde já moravam há mais de 20 anos.

Diante da pressão do povo de Marabá, após o assassinato de Gabriel, foi instaurado inquérito policial ainda em 1982. Mas a denúncia só foi apresentada em agosto de 1983, e as audiências de qualificação e interrogatório ocorreram mais de 5 anos depois. A sentença de pronúncia só foi proferida em agosto de 2000, 17 anos após a instauração do processo; 21 anos após o crime, foi expedido o decreto de prisão contra Manoel Cardoso Neto, conhecido como Nelito, o mandante do crime e José Manoel Nóbrega, o assassino. No entanto, a polícia paraense não fez qualquer esforço em prendê-lo.

Recentemente, em decisão inédita da juíza Maria Aldecy, em sentença de primeiro grau condenou e responsabilizou o estado do Pará pela morte de Gabriel.  É o primeiro caso de condenação do Estado do Pará por não punir responsáveis por crimes no campo. Devido à morosidade da justiça sobre o caso, o governo brasileiro responde ainda a um processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), proposta pela CPT e pelo CEJIL.

Após seu covarde assassinato, os camponeses da Vila Pau Seco pediram à sua família que ele fosse enterrado em Marabá, para que permanecesse junto deles. No seu funeral, os camponeses escreveram uma faixa muito significativa: "Gabriel Pimenta, ao te matarem te multiplicaram e agora seremos milhões", porque, como disseram também, "quem morre pelo povo, no povo viverá".

Anos depois de sua morte, a história e o exemplo de Gabriel Pimenta seguem impulsionando a dura luta dos camponeses pobres no sul do Pará. Hoje uma grande área ocupada no sul do Pará por camponeses que se organizam na LCP – Liga dos Camponeses Pobres, tem o nome de Gabriel Pimenta. No Brasil, seu nome é a referência maior da ABRAPO (Associação dos Advogados do Povo), que o tem como norte ético e profissional, na sua luta em defesa dos direitos do povo.

Gabriel Pimenta, PRESENTE!

 

 

Márcia Honorato

Furacão: “Tudo o que tem força para derrubar”, “Grande perturbação: furacão político”, “Entrar como um furacão, chegar impetuosamente”. Quem conhece a Márcia Honorato certamente identificará algumas destas imagens. Na definição oficial dos dicionários, tal fenômeno natural produzido pelos ventos também é significado de força e destruição. Mas, se entendermos esta última palavra a partir de seu antônimo, construção, compreenderemos que, no caso de Márcia, destruir significa construir algo novo. Quem já teve a oportunidade de ver Márcia entrando em alguma reunião em secretarias de governo, no Ministério Público, na OAB, em delegacias para registrar denúncias e outros tantos espaços institucionais, seguramente entenderá que destruir é construir.

Por que tanta impetuosidade? Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que não se trata de raiva, o que seria uma reação emocional muito comum diante de algo com que se está incomodado. Não é disso que se trata. Márcia, quando entra como um furacão em algum lugar, está tomada de um sentimento de injustiça profundo. Quando vai a alguma delegacia, ao MP, ou a outros tantos espaços como esses, tenham certeza que muitos agentes públicos criminosos ficam apreensivos.

Nascida no Rio de Janeiro em 1970, começou a atuar em 1986 junto a pastorais da igreja em campanhas contra a fome e a miséria. Foi morar na Baixada Fluminense em 1993, e foi como moradora de Queimados que começou sua luta no movimento de Direitos Humanos, após a chacina da Baixada de 31 de março de 2005, quando 29 pessoas foram assassinadas brutalmente por policiais militares.

Márcia é uma daquelas raras militantes que são capazes de enfrentar o status quo com uma força e disposição que dificilmente se encontra, mesmo quando este é representado por grupos de extermínio formados por policiais militares. Se uma das características de nosso mundo atual, e especialmente no caso do Rio de Janeiro, é o medo, que regula e organiza nossas vidas, tal palavra parece não existir no dicionário de Márcia. Formando uma dupla imbatível com outra lutadora importante, ambas integrantes da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, sobe e desce os morros do Rio de Janeiro, mesmo após a invasão violenta e truculenta destas pelas forças de segurança. Em cada contato feito com moradores das favelas que visita, a possibilidade de registrar e ajudar a denunciar o que poucos têm coragem de fazer: a violência organizada de Estado, que vitima milhares de brasileiros moradores de nossas comunidades.

Entretanto, se isso são gestos de imensa grandiosidade moral e política, reconhecidos por outros movimentos sociais, organizações de direitos humanos internacionais e inclusive pelo próprio Estado brasileiro, assim não o são para aqueles que conhecem sua impetuosidade contra a injustiça, a violência contra os mais pobres e a violação de direitos humanos rotineira em nossas periferias. Policiais militares que ela denunciou e ajudou a colocar na prisão em função de crimes cometidos contra moradores de comunidades, fizeram-lhe diversas ameaças ao longo dos últimos anos, chegando ao ápice em 2011, quando sofreu o último atentado. Desde as primeiras ameaças ate hoje, Márcia vive uma espécie de “clandestinidade oficial”.

Formalmente, em 2008, passou a fazer parte de um programa federal de proteção à militantes ameaçados. Contudo, tal programa jamais foi capaz de lhe garantir a segurança necessária para fazer o trabalho que poucos se interessam e têm coragem para fazer. Mais ameaças vieram. Ela e sua família foram obrigados a deixar tudo para trás na Baixada Fluminense (moradia, trabalho, escola) para permanecerem vivos. Sua qualidade de vida e de sua família foi reduzida à quase indigência. Mesmo assim, apesar da extrema vulnerabilidade, continuou sua atuação militante.

Mas, perguntariam aqueles incrédulos e céticos: por que insistir diante de tantas ameaças?  Ela acredita que um mundo sem injustiças e violência é possível. Furacão. Fenômeno raro no Brasil, como todos sabem. Mas, diferente dos furacões formados pelos ventos, portanto, por definição, fugazes, Márcia permanecerá de pé, firme como uma rocha e ninguém será capaz de deter sua voracidade por justiça.

 

 

Maria Augusta Tibiriçá Miranda

Filha do engenheiro João Tibiriçá Neto e de Alice de Toledo Ribas Tibiriçá, nasceu em São Paulo a 6 de maio de 1917. Casou-se com Henrique Baptista Aranha Miranda com quem teve quatro filhos. Cursou a Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil (hoje UFRJ), diplomando-se em 1941. Aqui exerceu sua profissão, como clínica geral e psiquiatra, até aposentar-se em 1992.

Participou da luta pelo voto da mulher, dos movimentos femininos do País, até a década de 60 e após a Ditadura, quando os movimentos femininos se desenvolveram com vigor.

Em 1948, foi sócia fundadora do Centro Nacional de Estudos e Defesa do Petróleo, sendo Vice-Presidente. Durante todo o decorrer da Campanha “O Petróleo é Nosso!” Maria Augusta atuou ativamente. Representou o Centro em atos públicos, Congressos e Comícios. O movimento foi vitorioso em 1953, com a criação do monopólio estatal do petróleo e de sua executora, a Petrobras. Na Ditadura, surgiram os “contratos de risco”. Tudo isso está narrado no seu livro “O Petróleo é Nosso! – A luta contra o entreguismo, pelo monopólio estatal”, de 1983.

A partir de 1961, Maria Augusta iniciou a campanha pela nacionalização dos medicamentos e da indústria química de base, criando, com outros dignos brasileiros, a Comissão de Defesa e Desenvolvimento da Indústria Farmacêutica Nacional, e ocupando a secretaria da Comissão. Em 1963, Maria Augusta lança o livro: “Vamos Nacionalizar a Indústria Farmacêutica?”. Outro livro que escreveu é a biografia de sua mãe, “Alice Tibiriçá, Lutas e Ideais”.

Foi membro de direção da Associação Médica do Rio de Janeiro e participou, por vários anos, do Conselho da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Representou a Associação Médica do Estado do Rio de Janeiro no Congresso Internacional de Mulheres, em 1963, em Moscou, sob o patrocínio da Federação Democrática Internacional de Mulheres, que reuniu cerca de duas mil mulheres do mundo inteiro. Escreveu artigos para revistas médicas e muitos outros, de conteúdo cívico.

Durante a Constituinte, integrou a Comissão em Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo e contra os contratos-de-risco. Dessa atuante Comissão resultou a inclusão, na Constituição de 1988, do monopólio estatal do petróleo, a proibição dos contratos-de-risco, além de outros itens de interesse nacional.

Pela sua atuação consequente nos movimentos nacionalistas, progressistas e democráticos, Maria Augusta sofreu coações e prisões durante a ditadura de 1964.

Maria Augusta é sócia fundadora e foi Vice-Presidente executiva, desde sua fundação em 1989, do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON). Nele, Maria Augusta vem desenvolvendo destacada atividade contra as privatizações indiscriminadas, a concessão de patentes a produtos químicos e produtos e processos farmacêuticos, bem como contra o patenteamento da vida, por motivos éticos e em defesa da nossa biodiversidade.

Foi concedida, a Maria Augusta, a Medalha Pedro Ernesto pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Recebeu homenagem da Câmara Municipal de São Paulo, e também a primeira Medalha do Mérito Cremerj, do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, instituida a partir do ano 2000.

 

 

Maria Célia Corrêa

 

Militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B), desaparecida, na Guerrilha do Araguaia, aos 29 anos.

Nasceu em 31 de março de 1945, na cidade do Rio de Janeiro, filha de Edgar Corrêa e Irene Creder Corrêa. Era bancária e estudante do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (IFCS), no Rio de Janeiro.

Em 1971, foi viver na região do Araguaia, onde já se encontrava seu irmão Elmo e sua cunhada Telma, ambos também desaparecidos. Pertenceu ao Destacamento A – Helenira Resende, da Guerrilha do Araguaia. Foi vista pela última vez por seus companheiros no dia 2 de janeiro de 1974. Ela estava com Nelson Lima Piauhy Dourado, Jana Moroni e Carretel (todos guerrilheiros desaparecidos), quando houve um tiroteio contra os mesmos.

Os moradores de São Domingos viram quando Maria Célia foi levada presa, com outros guerrilheiros. Segundo o depoimento de Maria Raimundo Rocha Veloso, moradora na Região, Maria Célia foi presa por “Manezinho das Duas” que a amarrou e levou com a ajuda de outro homem para o acampamento do Exército em Bacaba (Transamazônica).

Esse depoimento foi confirmado por Geraldo Martins de Souza, delegado de São Domingos, na época dos acontecimentos, o qual recebeu uma medalha do Comando do Exército na região por serviços prestados. Geraldo disse que “Rosinha”, nome como era conhecida na região, foi presa no local chamado Açaizal.

Santinho, vereador pelo PSDB, em 1991, da Câmara de São Domingos e genro de Geraldo Martins de Souza, diz que eram duas as mulheres guerrilheiras levadas para Bacaba por seu sogro, e que uma delas era Maria Célia. Em todos estes depoimentos as pessoas são unânimes em afirmar que Célia estava viva e sem ferimentos de arma de fogo, em meados de 1974.

Seu irmão entrou com processo, juntamente com familiares de outros desaparecidos, na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH). Seguindo a determinação da Corte, o Ministério Público Federal, no dia 13 de março último, ajuizou uma ação judicial contra o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió, acusado de sequestrar militantes políticos durante a guerrilha do Araguaia (1972-1975), no Pará. É a primeira ação criminal contra agentes da ditadura no país.

De acordo com a denúncia, assinada por procuradores da República do Pará, do Rio Grande do Sul e de São Paulo, Curió foi responsável pelo desaparecimento de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia). A ação acontece um ano após a CIDH determinar que o Brasil apure e puna os crimes cometidos na época.

Infelizmente, o juiz federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Marabá/PA rejeitou a denúncia. O magistrado voltou à surrada e falsa alegação de que a lei da anistia foi fruto de “um grande esforço de reconciliação nacional”. O Brasil é o único país do Cone Sul em que os responsáveis pelas violências que se sucederam a golpes militares não foram punidos. Argentinos, chilenos e uruguaios não tiveram medo de processar até generais-presidentes, que foram presos, julgados e condenados. É por isso que a ONU aplaudiu a tentativa do MPF de processar um dos mais violentos carrascos da ditadura, o coronel Sebastião de Moura Curió.

O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro lamenta profundamente a recusa do juiz João César Otoni de Matos em rejeitar a denuncia criminal encaminhada pelos Procuradores e os parabeniza pela corajosa atitude.

Maria Célia Corrêa, PRESENTE!

 

 

Mário Augusto Jakobskind

 

Jornalista e escritor. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 16/10/1943. Após ter concluído o curso de História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), ingressou no jornalismo. É veterano profissional barrado das redações da mídia de mercado.

Como jornalista, foi editor em língua portuguesa da revista Prisma, publicação mensal da agência Prensa Latina, correspondente na América Latina da agência de notícias Cono Sur Press, então com sede em Malmö, Suécia, e redator na agência France Press. Atuou também como repórter da Folha de S.Paulo (sucursal Rio); colaborador de O Pasquim; redator e editor no Rio de Janeiro da revista Versus, a primeira publicação de caráter latino-americano do Brasil; e editor de Internacional do jornal Tribuna da Imprensa (Rio).

Atualmente é correspondente no Brasil do jornal Brecha, do Uruguai (www.brecha.com.uy), membro do Conselho Editorial do jornal Brasil de Fato, colaborador do Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br), e do Direto da Redação (www.diretodaredacao.com), e de diversos órgãos da imprensa sindical como O Jornalista, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro e, também, escreve a coluna “Reflexões da Semana”, no site do Sindicato dos Cirurgiões-Dentistas do Rio de Janeiro (www.scdrj.org.br.).

Além de sua atuação jornalística, exerce a função de conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na qual participa da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos, e é representante da mesma instituição no Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). É também membro da diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro (SJPERJ).

Em outubro de 2009, foi agraciado pela Prefeitura de Montevidéu com o título de Visitante Ilustre, tendo como justificativa desagravo à sua expulsão, ocorrida em setembro de 1981, pela ditadura da época, e ainda pelo reconhecimento pela ajuda prestada a refugiados políticos uruguaios no período da ditadura de 1973 a 1984. A expulsão se deu com base em informações prestadas pelos órgãos de informação da ditadura brasileira, segundo pôde constatar por ocasião dos interrogatórios prestados aos agentes uruguaios, o que se confirmou posteriormente em seu habeas data.

È autor dos seguintes livros:

Violência, política & corrupção – coautor
A hora do Terceiro Mundo
América Latina: histórias de dominação e libertação
Cuba: apesar do bloqueio – um repórter carioca em Cuba
Iugoslávia: laboratório de uma nova ordem mundial
Parla! As entrevistas que não foram feitas
Dossiê Tim Lopes – Fantástico/Ibope
A América que não está na mídia – v. 1
A América que não está na mídia – v. 2
Cuba, apesar do bloqueio, 2ª edição
Líbia, barrados na fronteira: o que não saiu na mídia sobre a invasão da Líbia

 

Moema Eulália Toscano

Nasceu em Garibaldi/RS, em 03 de janeiro de 1927. Filha de funcionários públicos. Antes de completar a idade para se alfabetizar, foi com os pais para outra cidadezinha. Não existia jardim de infância em Veranópolis e a menina Moema ficava no colégio em que sua irmã mais velha estudava, e ia acompanhando as maiores. Assim, aprendeu a ler sozinha. Nessa ocasião, ganhou uma medalha de honra ao mérito pelo feito.  A homenagem que, hoje, aqui, recebe, lhe traz a segunda medalha de sua vida.

Começa a trabalhar aos 17 anos, desde então passa a ser responsável por seu próprio sustento. Forma-se em 1945, pela Escola Normal de S. José Montenegro. Alfabetizadora, foi professora na área rural do Rio Grande do Sul. Em busca de novas oportunidades continua os estudos e os concursos. Em Porto Alegre, faz o curso de especialização em Educação Física. Ganha bolsa de estudos e vem para o Rio, em 1951. É licenciada em Educação Física, e em Ciências Sociais, pela UFRJ (antiga Universidade do Brasil).

Em 1959, assume o cargo de professora universitária de Sociologia, na Faculdade Nacional de Filosofia, antiga FNFi, da Universidade do Brasil. Em 1975, recebe o diploma de Bacharel em Direito pela UERJ.  Conquista a livre docência em Sociologia, na PUC-RJ.

Perseguida pela ditadura, ficou impedida de exercer o magistério por muitos anos. Cortavam-lhes, assim, os meios de sobrevivência. Anos depois, ficou sabendo que em sua ficha no DOPS constava apenas: “amiga de notórios comunistas”, segundo depoimento do Deputado Rubens Berardo. Disse Moema: “Eu me recusei a receber a indenização pecuniária que ofereceram. Não aceito converter a anistia em pacto pecuniário. Não perdoei o pecado que cometeram comigo.”

Amiga de notórias personalidades, a mestra querida e admirada por seus alunos, sofre a experiência constrangedora da exclusão das salas de aula, situação que deixou marcantes cicatrizes no meio acadêmico. Moema cita colegas, professores, seus amigos que não resistiram ao arbítrio, e morreram de pesar. Impedida de lecionar na Universidade Federal, durante a ditadura, foi professora de inúmeros colégios, na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias.

A feminista, em 1975, na segunda onda do movimento mundial de mulheres, e juntando-se as celebrações do Dia Internacional da Mulher, no México, participa da mobilização da sociedade, para o tema. É uma das fundadoras do Centro da Mulher Brasileira – CMB. Participa das muitas lutas da sociedade civil, nos anos 70 e 80, em que as minorias sociais buscavam expressão, e o movimento feminista desenvolvia ação na causa específica de reconhecimento e transformação do papel da mulher, no século XX. Para ela, o movimento social mais importante no século passado foi o das mulheres. O feminismo mudou a vida de todos. 

Professora, ativista política e escritora participou em Congressos Nacionais e Internacionais e viagens representando a mulher feminista. Realizou pesquisas, participou da formação de novas propostas das mulheres, para a luta por seus direitos sociais e políticos. Sua vida profissional esteve sempre ligada ao magistério. Da jovem professora à experiente profissional, da pós-graduação à aposentadoria atual.

Livros Publicados:

  • “Introdução à Sociologia Educacional”, 17ª edição. Editora Vozes
  •  “Teoria da Educação Física Brasileira”
  • “Mulher, Trabalho e Política – Caminhos cruzados do feminismo”, com Fanny Tabac, 1976. 
  • “A Revolução das Mulheres” – Um Balanço do Feminismo no Brasil, coautoria com Mirian Goldenberg. 1992
  • “Estereótipos Sexuais na Educação – Um manual para o educador”. 2000

 

 

 

Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão)

 

Militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Nasceu em 27 de abril de 1938, em Passa Quatro, Minas Gerais. Filho de José Orlando da Costa e Rita Orlando dos Santos. Está desaparecido desde abril de 1974.

Entre 1952 e 1954 morou na cidade de São Paulo, estudando na Escola Técnica, onde fez o Curso Industrial Básico de Cerâmica, o que lhe assegurou a condição de artífice em cerâmica. Mudou-se para o Rio de Janeiro, matriculando-se na Escola Técnica Federal, onde se diplomou em Técnico de Construção de Máquinas e Motores, em 1958. Também estudou Engenharia de Minas em Praga, na Tchecoslováquia. Como atleta, vinculou-se ao Botafogo de Futebol e Regatas, por ele competindo como lutador de box. Tornou-se oficial da reserva do Exército, após servir no CPOR/RJ.

Por sua militância política foi obrigado a viver na clandestinidade logo depois do golpe militar de 1964. Foi dos primeiros a chegar à região do Araguaia – Tocantins, por volta de 66-67. Entrou na mata como garimpeiro e mariscador. Era o maior conhecedor da área, tanto da guerrilha como das circunvizinhanças. No ano de 1969, fixou sua residência numa posse que adquiriu às margens do Rio Gameleira, onde mais tarde a ele se juntaram outros companheiros.

Era muito querido e respeitado tanto pela população como pelos companheiros. . Negro, forte, com quase dois metros de altura, era uma figura inconfundível. No entanto, seu físico contrastava com sua meiguice e afetividade. Há inúmeras histórias sobre sua bondade, sua força, sua coragem e também sobre sua pontaria.

Conta-se a história que, estando de passagem em casa de uma família camponesa, encontrou a mulher desesperada porque não tinha dinheiro para comprar comida para os filhos. Era uma casa pobre. Não tinham nada. Osvaldo perguntou-lhe se queria vender o cachorro. A mulher, sem outra alternativa, disse que sim. Tanto ela como Osvaldo sabiam o que significava a perda do cão: mais fome, pois na região, sem cachorro e arma era difícil conseguir caça. Osvaldão pagou-lhe o preço do cão e, a seguir, disse-lhe: guarde-o para mim que eu não poderei levá-lo para casa agora.

Foi comandante do Destacamento B, onde participou com êxito de vários combates. Foi, ao lado de Dina, o mais conhecido combatente entre a população do Araguaia. Estava entre os que foram atacados por grande contingente das Forças Armadas em 25 de dezembro de 1973, conseguindo escapar. Segundo depoimentos de moradores da região, foi morto em abril de 1974, perto de São Domingos. Foi ferido com um tiro de espingarda 22 na barriga, disparado por Piauí, um bate-pau que fez isto por dinheiro. Em seguida, foi fuzilado pelos militares. Seu corpo foi dependurado por cordas em um helicóptero que o levou de Saranzal, até o acampamento militar de Bacaba e de lá para Xambioá. Posteriormente, sua cabeça foi decepada e exposta em público. Na base militar de Xambioá, seu cadáver foi mutilado por chutes, pedradas e pauladas dadas pelos militares e, finalmente, queimado e jogado no buraco, também chamado de “Vietnam” – vala situada ao final da pista de aterrizagem da Base Militar de Xambioá onde eram jogados os mortos e os moribundos. Com o término das operações militares nesta área, foi feita uma grande terraplanagem, que descaracterizou o local.

Usava os nomes falsos de Armando Borges, Armando Pinto e Jorge Ferreira.

Osvaldão, PRESENTE!

SAUDADES


Maria Dolores Perez Gonzalez
26.10.1923 - 30/12/2011

Maria Dolores Perez Gonzalez, nossa querida Lola, uma das fundadoras do GTNM/RJ, faleceu na madrugada do dia 30/12/2011. O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, junto com sua família, realizou um evento no dia 7 de março, no Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro – SINPRO/Rio, onde houve muitas manifestaçõe de amizade e homenagens a essa grande guerreira.

A ela e a seus familiares as homenagens e o carinho do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!
Lola Presente!

Durante a entrega da Medalha Chico Mendes de Resistência/2007, foi lida a sua biografia:

Mais conhecida como Lola, nasceu em Araraquara/SP, em 26 de outubro de 1923. Formou-se em Biologia pela Universidade de São Paulo e, em 1949, fez doutorado em Fisiologia Animal pela mesma universidade. Após publicação de diversos trabalhos nesta especialidade, durante o ano de 1956 e, como bolsista do Rockefeller Institute, fez curso de pós-doutorado na Harvard University, em Cambridge, no estado de Masschussets nos Estados Unidos. Fez também estágio, nos três primeiros meses de 1957, no Laboratório de Biologia Marinha de Miami, Flórida.

Em 1976, em São Paulo, já professora da Universidade de São Paulo, entrou em contato com o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) e tornou-se sua militante. Lola que não teve nenhum familiar preso ou desaparecido e não foi perseguida política, assim mesmo foi uma intransigente defensora dos direitos humanos, participando ativamente das atividades do CBA de São Paulo até se aposentar na USP, quando veio morar no Rio de Janeiro. Aqui, continuou participando das atividades do CBA do Rio até o encerramento de seus trabalhos no início dos anos de 1980. Em abril de 1985, participou das primeiras reuniões do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, que aconteciam no Sindicato dos Jornalistas. Lolinha foi uma de suas fundadoras e, algum tempo depois, tornou-se secretária da entidade. Durante mais de 20 anos foi responsável por toda a correspondência do GTNM-RJ, incluindo aí as denúncias de violações de direitos humanos que se fazia em nível nacional e internacional, os conhecidos "Alertas Urgentes". Era também responsável por responder às inúmeras denúncias que se recebia de violações no Brasil e na América Latina. Incansável, permaneceu militando no Grupo até a idade de 80 anos, quando por questões de saúde foi se afastando.

Para você, querida Lola, o nosso muito obrigado. Não só por sua militância e solidariedade, mas também por sua presença sorridente, tranquila e sempre companheira.

 

Recebemos inúmeras mensagens via e-mail que atestam a tristeza que sua ausência deixou:


Acabo de ler o e-mail  sobre o falecimento de nossa querida Lolinha. A primeira coisa que me veio à cabeça foram aqueles mutirões que fazíamos para dobrar os jornais do Grupo para  serem emnviados via postal. Lolinha sempre representou a pureza na luta em defesa dos direitos humanos e por um mundo justo.   O afastamento dela das reuniões já foi uma grande perda para o Grupo e para todos nós


Delson Plácido

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Um beijo em vocês. Que a doçura e a garra da Lola nos embale nesse novo ano...

Suzana Lisboa

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Sinto muito pela grande perda da Dona Maria Dolores...
Um grande abraço,

Natália do Cejil

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Foi com profunda tristeza que recebemos, ontem, a notícia do falecimento de nossa grande companheira Lola.  Nosso grande abraço de solidariedade ao Eládio e às companheiras e companheiros do GTNM-RJ.  Companheira Lola, presente, sempre!  Saudações libertárias, beijão,

Bizoca

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Com pesar e a nossa eterna saudade da Lola.

União de Mulheres de São Paulo

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Meus sentimentos pela perda. Essas pessoas realmente farão falta na vida...
Beijo carinhoso,

Lidia

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Lamento el fallecimiento de Lola, te ruego que trasmitas mis condolencias y pesar a su familia. Igualmente a las y los compañeros de GTNMRJ. A pesar de ello hay que seguir la vida, deseo para ti y tu familia lo mejor este 2012. Un abrazo

Loyola Guzmán

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Transmito sentimentos por enorme perda, que não seja esquecida na história de nosso povo. Não estou próxima, por isto não poderei estar presente.
Solidariedade ao Grupo neste momento


Marlise Maria Gomes Medeiros

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El grupo de apoyo de FEDEFAM Argentina queremos trasmitir nuestro pesar por el fallecimiento de Maria Dolores Perez Gonzalez una de las fundadoras del Grupo de Tortura Nunca Mas. Que su ejemplo sirva para la búsqueda de Memoria, Verdad y Justicia.

 Alicia Albino – Coordinadora

xxx

Artigo escrito por sua filha Ana Perez, para o livro "20 Anos da Medalha Chico Mendes de Resistência":

Lola, uma grande companheira!
Como filha, posso dizer que o interesse da minha mãe pelos outros sempre esteve presente. Desde pequena vi minha mãe ajudando, colaborando, participando, seja de grandes causas, como nos anos 70, na luta contra a ditadura, seja de causas menores, mas nem por isso menos importantes, como o problema de algum colega de faculdade, algum amigo, vizinho ou mesmo um mendigo da rua.

Algumas lembranças da minha infância ilustram bem o seu caráter: morávamos no Butantã em São Paulo, num bairro perto da USP, onde minha mãe foi professora por mais de 30 anos, ainda meio deserto e com poucas casas na rua, cheio de terrenos baldios. Um mendigo que perambulava pelas ruas do bairro, do qual todas as crianças fugiam em grande gritaria, orientadas por suas mães para dele não se aproximarem em hipótese alguma, tocava a campainha lá em casa, todas as tardes, e recebia um prato de comida quentinha. Ordens da d. Lola!

No início dos anos 70, foram muitas as manhãs, ao me levantar para ir à escola, em que eu encontrei minha mãe no corredor, com o dedo na boca, em sinal de silêncio, por que tinha gente dormindo no chão da sala lá de casa. Só mais tarde, já adolescente, fui entender que minha mãe acolhia estudantes procurados pela ditadura. Minha mãe nunca foi vanguarda, mas fez sempre um trabalho sólido e consistente de retaguarda e apoio, muitas vezes imprescindível! E foi com esse tipo de postura, movida muito mais por um "sonho de amor por um mundo ideal, que acolhesse a todos" do que por sólidas convicções ideológicas, que vi minha mãe ingressar no Comitê Brasileiro pela Anistia, lá em São Paulo e seguir numa longa trajetória pelo CBA do Rio e depois pelo Grupo Tortura Nunca Mais, do qual foi secretária por muitos anos.

Como filha, muitas vezes busquei entender as motivações de minha mãe para participar tão ativamente dessas lutas todas, uma vez que Lola nunca teve nenhum parente desaparecido, nunca foi presa ou torturada. O que Lola teve sempre foi uma imensa capacidade de se solidarizar com o sofrimento alheio. Quando criança, dentro de uma educação católica, sonhou ser filha de Maria. Seu nome: Maria Dolores! Foi sempre a filha, entre seis irmãos, mais preocupada com as causas sociais.

Com certeza vêm desta numerosa família suas primeiras experiências de fraternidade e solidariedade. Até hoje, única sobrevivente dos seis irmãos, Lola guarda com imenso carinho as lembranças de sua infância em Araraquara, interior de São Paulo. E depois a mudança pra capital, os tempos difíceis, a família já sem dinheiro, o sustento vindo dos irmãos mais velhos, para que ela pudesse estudar e se formar em História Natural. Poucos sabem que Lola foi uma pesquisadora competente, com trabalhos publicados nos Estados Unidos.

Quando olho pra minha mãe agora, com seus 85 anos, sentada na sua cadeira de balanço, linda na sua simplicidade, vejo que para ela, muito mais do que certezas ideológicas, eram os desdobramentos de seus atos que a interessavam; o sentido deles para ela e para quem ela estava ajudando. Sei da imensa gratidão e do imenso carinho que muitos colegas e companheiros de luta sentem por ela. Sei também que sem ela, sem o seu apoio, meu pai não seria o profissional bem-sucedido que é hoje, nem o bom companheiro de mais de 60 anos de casamento; sem o seu carinho infinito, nem eu, nem meu irmão teríamos crescido e nos desenvolvido e também construído famílias sólidas e felizes, das quais ela também participou como avó carinhosa e sempre presente. Por tudo isso, eu afirmo: Lola é mesmo uma grande companheira.

 

 

Beatriz Bandeira Riff
08.11.1909 – 02.01.2012

Com pesar comunicamos o falecimento da querida brasileira, amiga e incansável lutadora pelas causas dos direitos humanos, do pleno exercício da democracia em nosso país, e em qualquer lugar onde houvesse opressão política, econômica e social.

A ativista política, Beatriz, era a última sobrevivente dos cárceres da Era Vargas. Em cento e dois anos de vida, manteve-se fiel aos princípios ideológicos e éticos que nortearam sua luta por um mundo de igualdade e justiça social. Era poetisa e professora, do antigo Conservatório Nacional de Teatro.

Sobre ela, escreveu seu neto Luiz Antonio Riff:

Última sobrevivente da cela 4

Morreu, aos 102 anos, Beatriz Bandeira, a última sobrevivente da famosa cela 4 – onde foram presas, na Casa de Detenção, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, as poucas mulheres que participaram da revolta comunista de 1935 no Brasil.

Foi na cela 4 que ficaram confinadas Olga Benário (esposa do líder da intentona, Luiz Carlos Prestes), a futura psicanalista Nise da Silveira, a advogada Maria Werneck de Castro e as jornalistas Eneida de Moraes e Eugênia Álvaro Moreyra.

Por conta dessa passagem, Beatriz virou personagem de livros como “Memórias do Cárcere”, o relato biográfico de Graciliano Ramos, que também esteve preso por causa da revolta.

Pouco antes, como militante comunista e da Aliança Nacional Libertadora (ANL), Beatriz conheceu seu marido, Raul, que viria a ser jornalista e secretário de Imprensa do governo João Goulart (1961-1964). Com ele se casou três vezes.

Os dois foram exilados duas vezes. Em 1936, depois da libertação, foram expulsos para o Uruguai. Em 1964, após o golpe militar, receberam abrigo na Iugoslávia e, posteriormente, na França.

Ao regressar ao Brasil, Beatriz continuou a militância política nos anos 70 e 80. Foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia e Liberdades Democráticas, que lutou pelo fim da ditadura no País.

Beatriz nasceu em uma família positivista. Seu pai, o coronel do exército Alípio Bandeira, foi abolicionista. Como militar, trabalhou no Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e ajudou o Marechal Cândido Rondon na instalação de linhas telegráficas no interior do País e no contato com tribos isoladas – Alípio liderou o encontro com os Waimiri Atroari, em 1911, por exemplo.

Além de militante política, Beatriz foi poeta (publicou “Roteiro” e “Profissão de Fé”) e professora (foi demitida pelo regime militar da cadeira de Técnica Vocal do Conservatório Nacional de Teatro). Também escreveu crônicas e colaborou para o jornal A Manhã e as revistas Leitura e Momento Feminino. Há dez anos ela contou um pouco de sua história em uma entrevista à TV Câmara.

Beatriz morreu na noite de segunda (dia 2) após um AVC. Foi enterrada no final da tarde de hoje (dia 3) no Cemitério São João Batista, em Botafogo.

Uma nota pessoal
Beatriz Bandeira Ryff era minha avó. Nos últimos anos de sua vida centenária, a senilidade tinha lhe tirado totalmente a visão. Ela quase não falava e mal se comunicava com o mundo.

Há uns dez dias, fui visitá-la levado pelo meu filho de 8 anos que queria dar um beijo na “bisa”. Encontramos ela mais presente do que em todas as visitas nos anos anteriores. Chegou a cantarolar algumas músicas que costumava embalar o sono dos netos quando pequenos, como os hinos revolucionários “Internacional”, “A Marselhesa” (embora ela também cantasse obras não políticas, entre elas a “Berceuse”, de Brahms).

Ao me despedir, perguntei-lhe se lembrava o trecho do poema “Canção do Tamoio”, de Gonçalves Dias, que ela costumava recitar. Ela assentiu levemente com a cabeça e começou, puxando do fundo da memória. Foram suas últimas palavras para mim.

“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.”

(“Canção do Tamoio”, Gonçalves Dias)

Luiz Sérgio Dias

Em 20 de março de 2012, o magistério carioca perdeu um de seus mais significativos representantes, o professor de História Luiz Sérgio Dias, que partilhou seus sonhos e amores com sua companheira Lúcia e suas filhas, Carolina, Mariana e Juliana.

Sobre ele, escreveu Marcelo Nicolau, diretor do GTNM:

 

Tristeza das gerações sem “mestre”

Conheci o professor Luiz Sérgio Dias ainda no ensino fundamental. Ele subiu ao palco do teatro do Colégio São Vicente de Paulo e cantou um samba do Paulinho da Viola. Ocorria uma gincana na festa junina dos alunos, e os professores eram convidados pelas turmas a participarem de provas. Essa apresentação me impressionou pela segurança com que cantava, a desenvoltura e tranquilidade, diante de um auditório lotado. As maiorias dos professores deslocados de sua função se atrapalhavam. Ele não. O segundo contato foi durante uma sessão do filme Central do Brasil, em que os professores de História do colégio acompanharam os estudantes. Lembro do seu comentário com outro colega: “Eu identifiquei vários elementos africanos no filme, mas preciso rever para mapear melhor. Você reparou?”.

Anos depois tive o privilégio de tê-lo como professor, no segundo ano do Ensino Médio, mas o contato foi abreviado por causa de uma hérnia de disco na coluna, que o obrigou a reduzir sua carga horária. No terceiro ano sim, o encontro tão adiado foi feito. Um encontro tão poderoso que me marcou profundamente, e de forma irremediável: se era possível ensinar daquela forma, era isso que eu queria fazer. A aula era clara e sem pressão. O quadro impecável. De tal forma que a qualquer momento se poderia retornar a algum ponto da aula acompanhando os apontamentos. Mais que aulas, tínhamos a plena noção de que era a vida humana em sociedade se desenrolando ao longo do tempo. A crítica social aparecia a cada momento, na forma de denúncia, na forma de humor, na forma de indignação, tudo isso em conjunto formava uma lição.

Como era de se esperar, as aulas se transbordaram para fora de sala, em conversas que transbordavam para fora das aulas. Na verdade, olhando agora com mais cuidado eram as aulas que transbordam para a vida, para a minha vida, me contaminando com vontade de conhecer mais. De que era preciso conhecer mais, de que o nosso sofrimento era coletivo, e que tínhamos de dar uma resposta coletiva para ele. Lembro da sala dos professores em que ele chegou perguntando sobre a reunião do sindicato dos professores, que decidiria uma possível greve, e uma outra professora interrompeu a conversa perguntando sobre um reality show. Ele respondeu: “Por favor, fulana, tudo tem limites. Você pode não querer participar do sindicato, e só pensar em você mesma, mas respeite uma discussão política de quem acredita que ainda podemos mudar alguma coisa nesse mundo de merda.”

Lembro ainda que eu perguntei se ele tinha chorado na morte de Getúlio Vargas e ele me respondeu: “Eurico, eu só chorei na morte do meu pai. E jamais choraria pela morte de um ditador”. Eurico era o apelido carinhoso e provocador que ele me deu nas nossas discussões sobre futebol, eu vascaíno doente e ele igualmente doente pelo Flamengo.

Concluído o colégio ingressei na faculdade de História da UFF, ou um “um poço de vaidades” como ele mesmo definiu. E bem definiu. E continuei estudando com o meu mestre que nos anos seguintes, passou a oferecer cursos no sindicato dos professores. “Capoeira e política na Belle Époque”, “Samba: uma história política” e um dedicado aos subúrbios cariocas. Quando entrei para o mestrado em Psicologia ele me perguntou: “Quem é a sua orientadora?” Eu respondi “Cecília Coimbra, conhece?” E ele: “Se conheço, somos grandes amigos e ficamos hospedados juntos um bom tempo no DOPS”.

Depois vieram os lançamentos de livros, os aniversários, os aniversários de amigos, as suas exposições de desenhos e aquarelas. Estranhamente sempre nos encontrávamos em feiras de livros. E as conversas, interrompidas por maiores ou menores espaços de tempo, mas nunca silenciadas. Nunca silenciadas. Até hoje, quando entro em sala de aula, penso que se conseguir parecer um pouco com ele, já terei feito um grande trabalho. Tristeza da geração sem “mestres”. Ele foi meu mestre1 e de muitos outros. 

1- Referência ao texto de Giles Deleuze “Ele foi meu mestre”, sobre Sartre publicado em “A ilha Deserta”.

Anamaria de Moraes:
Entre boas risadas e lições de vida

 

Ela sempre teve muito orgulho do seu nome. E não dava a ninguém a chance de escrevê-lo errado. Dizia: “é Anamaria, tudo junto; Moraes, com e”. Um nome destinado a se destacar. Não necessariamente o de uma celebridade – mas um nome conhecido, reconhecido, referência em determinados círculos e ambientes. Que variaram bastante, ao longo de sua vida, subitamente encerrada em 16 de fevereiro último, trazendo uma ausência a que seus parentes, amigos, colegas e centenas de alunos e ex-alunos ainda estão tentando se acostumar.

Um desses ambientes foi a Faculdade Nacional de Filosofia, onde ela se formou em História. Lá ela era Aninha, militante de esquerda, membro de partido político, alguém de quem eu ouvia falar mesmo antes do meu ingresso no curso de Jornalismo. Outras pessoas terão depoimentos mais detalhados dessa fase de sua vida: sei que foi vivida intensamente, com paixão, veemência e experiências que a marcaram fundamente e cujo saldo mais valioso foram, sem dúvida, os inúmeros amigos que fez.

Eu e ela nos conhecemos em algum momento de 1965. Éramos professoras primárias, formadas com um ano de diferença – eu, um ano mais velha. Ainda assim, ela é que era a minha referência. Não só porque já era casada, com uma filha, mas porque tinha uma formação mais sólida e, ao contrário de mim, era muito ligada nas questões que afetavam a sociedade brasileira. Além de ter uma segurança espantosa para alguém com pouco mais de um metro e meio! Passamos um tempo numa escola “emprestada”, porque a escola para onde havíamos sido designadas estava em obras. Conversávamos a tarde inteira e, com sua voz forte e pronúncia impecável – teria sido bem sucedida também como advogada, tenho certeza – Ana ia diminuindo a minha ignorância da vida.

Naquela época, eu corava se ouvia um palavrão. E era incapaz de dizer o mais simples, tão forte era o tabu. Já Ana os usava a torto e a direito, numa linguagem liberada, pouco comum mesmo entre as universitárias. Pois no dia em que, ao lhe contar um caso dentro de um ônibus, eu disse que alguém era “porra louca”, Ana me estendeu a mão, falando bem alto: “parabéns pelo porra louca!” Várias pessoas nos olharam, mas eu nem liguei. Estava curada!

Como amigas de fé, passamos juntas por muitas situações. Boas e difíceis. Prefiro me lembrar dos momentos engraçados. Nós duas adorávamos cinema, e continuamos fiéis ao cineminha semanal, mesmo se, ultimamente, eu e ela tínhamos outras pessoas como companhia. Mais jovens, não perdíamos um “filme de autor” – fosse romântico, político ou comédia. E  assistir a uma comédia com a Ana era experiência única! Sua gargalhada era acompanhada de uma expressão corporal toda particular. Ela se levantava da cadeira... jogava a cabeça para trás... balançava o corpo e, só então, saía o som da gargalhada, altíssimo, de quase interromper o filme! O cinema inteiro nos olhava e minha vontade era sumir debaixo da cadeira!

Anamaria deixou lembranças, ensinamentos, um denso legado para todos que convivemos com ela. Não sei falar da sua contribuição à ciência do design (e afinal, design é ciência ou linguagem? Ela adorava discorrer sobre esse tema). Mas sempre cito sua experiência como exemplo em duas situações: quando diante de mim está alguém que detesta o que faz, mas não tem coragem de mudar. Anamaria não sossegou até encontrar sua verdadeira vocação, depois de tentar cinco profissões diferentes. E encerrou a última no topo do ranking profissional. Outro exemplo que também gosto de lembrar: sua autodisciplina. Se precisava fazer algo, por mais desagradável que fosse, ela fazia. Sempre tive orgulho de dizer às minhas outras amigas, um tanto displicentes com a saúde: “A Ana levanta da cama e faz ginástica. Recebe a personal trainer ainda de camisola!”.

 

Gloria Nogueira
Jornalista e amiga de Anamaria de Moraes
Março de 2012