EDITORIAL

Desafinando o Coro dos Contentes*

Sem ter maiores informações, tendo-as metade ou mesmo sendo apresentadas em envelopes sofisticados, ditos democráticos e participativos, muitos segmentos da população brasileira aplaudem e apoiam a criação da Comissão Nacional da Verdade votada na Câmara Federal em setembro último.

Além da matéria aqui publicada sobre este tema, há que lembrá-lo neste Editorial.

Há que lembrar a proposta de uma Comissão Nacional da Verdade, Memória e Justiça que foi feita pelo Instituto Helena Grecco de Direitos Humanos e Cidadania, na última Conferência Nacional de Direitos Humanos, ocorrida em 2008, em Brasília.

Há que lembrar que, por pressão dos movimentos sociais, apesar de ocorrerem algumas mudanças na proposta original, um novo projeto de Comissão da Verdade foi apresentado no corpo do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, em dezembro de 2009. Este 3º Plano de Direitos Humanos, portanto, em muito de seus aspectos, refletia as demandas apresentadas pelos movimentos sociais naquela última Conferência Nacional.

Há que lembrar das reações conservadoras e, mesmo, fascistas que responderam a tal Plano, naquele mesmo dezembro de 2009 — em pleno período de festas de final de ano —, quando o então Ministro da Defesa, Nelson Jobim e os três Comandantes Militares colocaram seus cargos à disposição por discordarem da proposta da criação de uma Comissão Nacional da Verdade.

Há que lembrar que a chantagem venceu. O Executivo recuou, mais uma vez, em nome da governabilidade. As forças políticas conservadoras, que apoiaram e respaldaram a ditadura civil-militar de 1964 a 1985, presentes no cenário político brasileiro, ainda continuam interferindo em muitas ações governamentais.

Ganharam, neste momento, tais forças que apostam no esquecimento, no silenciamento e que permitem que se conte nossa história até certo ponto, dentro de certos limites.

“É o possível” dizem alguns. Entretanto, é um possível extremamente limitado e, mesmo, perverso. Um possível que apenas irá contar uma parte da história, uma verdade.

Queremos, sim, muitas outras partes dessa história através dos testemunhos de todos aqueles que foram atingidos pela repressão política e pelo terrorismo de Estado então implantado, através dessas memórias marcadas a ferro e fogo em seus corpos e seus corações.

Queremos, sim, afirmar para as novas gerações essas memórias!

Queremos, sim, que todos os envolvidos naqueles terríveis e perversos atos sejam ouvidos publicamente!

Queremos, sim, que todos os arquivos da ditadura, ainda fechados a sete chaves, sejam abertos para toda a sociedade!

Queremos, sim, que todos esses atos criminosos sejam do conhecimento público!

Queremos, sim, que seus autores sejam eticamente responsabilizados!

Queremos, sim, um outro projeto de Comissão da Verdade, Memória e Justiça!

Por tudo isto, desafinamos da maioria.

Afirmamos, sabemos bem, uma posição minoritária. Uma posição que, ética e politicamente, quer pensar este presente ainda encharcado de forças conservadoras. Uma posição que entende ser possível inventar outros possíveis!

Há 26 anos, no dia 27 de setembro, surgia o GTNM/RJ. Há 26 anos estamos sendo desafiados cotidianamente a não aceitarmos tutelas, cooptações, a não darmos ouvidos aos sedutores cantos de sereia.

Tem sido, sem dúvida, uma caminhada difícil, mas afirmativa de novos modos de se fazer política sem o respaldo estatal.

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!
Diretoria do GTNM/RJ
Setembro 2011


* Frase dita por Robson Lima de Souza, militante do GTNM/RJ em uma plenária.