MONUMENTO AOS MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS

Algumas Memórias Brasileiras: Cemitério de Ricardo de Albuquerque, Mortos e Desaparecidos Políticos enterrados como indigentes

Relembrando o dia 26 de junho — Dia Internacional de Luta Contra a Tortura — o GTNM/RJ inaugurará este Memorial em homenagem aos 14 militantes ali enterrados como indigentes e assassinados pelo terrorismo de Estado que se implantou em nosso país, em especial após 1968, com o AI-5. A data da inauguração será em breve anunciada.

“Quando o muro separa/ Uma ponte une./
Se a vingança encara/ O remorso pune./
Você vem me agarra/ Alguém me solta/
Você vai na marra/ Ela um dia volta./
E se a força é tua/ Ela um dia é nossa/
Olha o muro, olha a ponte,/ Olha o dia de
ontem chegando/ Que medo você tem de
nós/ Olha aí!/.

Você corta um verso/ Eu escrevo outro./
Você me prende vivo/ Eu escapo morto/
De repente, olha eu de novo/ Perturbando
a paz/ Exigindo o troco/ Vamos por aí, eu
e meu cachorro/ Olha o verso, olha o moço,
olha o dia chegando/ Que medo você tem de nós/
Olha aí!”

(Pesadelo – Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro)

Há várias maneiras de narrar a história de um país. Uma visão sempre esquecida, conhecida como a “ótica dos vencidos”, é aquela forjada pelas práticas dos movimentos sócias populares, nas suas lutas, no seu cotidiano, nas suas resistências e na sua teimosia em produzir outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outras percepções. Práticas que recusam as normas pré-estabelecidas e instituídas, e que procuram de certa forma construir outros modos de subjetividades, outros modos de relação com o outro, outros modos de sociabilidade.

É desta história que vamos falar um pouco. De uma história onde as subjetividades dominantes — apesar de seu poderio e tentativas — não conseguem silenciar e ocultar a produção de espaços singulares, de práticas diferentes e eliminar a memória histórica de uma outra memória.

A memória histórica “oficial” é um lado perverso de nossa história, produzida pelas práticas dominantes no sentido de apagar os vestígios que os diferentes segmentos populares e os opositores vão deixando ao longo de suas experiências de resistência e luta num esforço contínuo de exclusão destas forças sociais como sujeitos que forjam a história, nunca narrada oficialmente. Pretendem com isso produzir subjetividades que desconhecem, desfiguram e distorcem os embates reais dos “vencidos”, como se estes não estivessem presentes no cenário político.

No sentido de trazer estas outras memórias, diversos grupos organizados em diferentes estados brasileiros, vêm, há quase 30 anos, trazendo ao conhecimento da sociedade acontecimentos até então ocultados: a questão dos mortos e desaparecidos políticos.

A instituição “desaparecido político”, produção macabra forjada pela ditadura militar brasileira, no início dos anos de 1970, foi exportada, na época, para as demais ditaduras latino-americanas do Cone Sul. Instituição perversa, pois é uma forma de continuar a tortura sobre os familiares que até hoje procuram seus desaparecidos.
No passado, o opositor político era sequestrado, torturado, isolado, assassinado, desaparecido e enterrado como indigente, perpetuando assim a tortura sobre seus familiares e amigos. Hoje, a mesma prática se aplica aos que, por sua humilhante miséria, apontam as injustiças sociais, aniquilando-os como simples objetos; daí a indigência. Daí também o extermínio de todos os considerados perigosos sob a justificativa não muito clara, mas entendida por parte da população como necessária "limpeza social”.

Houve e continua havendo uma “cultura do desaparecimento”, uma naturalização da morte, uma aceitação óbvia da pena de morte, dos extermínios, como uma lógica solução penal.

Ao se produzir a figura sinistra do desaparecido, uma série de efeitos aparecem: o desaparecido não está preso, não está morto, não tem túmulo, o que produz um clima de confusão e ambiguidade, determinando a perda do que significa o rito funerário em nossa cultura. Sem a morte, sem um túmulo, se constrói um ser “suspenso” no tempo e no espaço, se destrói o sujeito e se abre uma ferida sempre alimentada pela esperança e por toda uma situação que significa o não saber.

Entretanto, há sempre singularidades sendo forjadas, há movimentos instituintes que apontam, mostram o que até então era inabordável pelas palavras. Movimentos que se convertem, assim, numa instância de esclarecimento e ocupam o lugar oposto ao não dito, ao horror, ao não sabido.

Os trabalhos de pesquisa desenvolvidos, desde meados dos anos de 1980, pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo e pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, tentam o esclarecimento das mortes e desaparecimentos forçados de pessoas por motivos políticos, durante o período da ditadura civil-militar no Brasil.


Coleta de restos mortais no cemitério de Ricardo de Albuquerque - setembro de 1991
No Rio de Janeiro, o Grupo Tortura Nunca Mais, através de uma pesquisa iniciada em maio de 1991, no Instituto Médico Legal, no Instituto de Criminalística Carlos Éboli e na Santa Casa de Misericórdia, apontou a existência de uma vala clandestina no Cemitério de Ricardo de Albuquerque (periferia do Rio de Janeiro) contendo as ossadas de quatorze militantes políticos, sendo dois desaparecidos políticos, são eles: Ramirez Maranhão do Vale e Vitorino Alves Moitinho (desaparecidos políticos),  José Bartolomeu Rodrigues da Costa, José Silton Pinheiro, Ranúsia Alves Rodrigues, Almir Custódio de Lima, Getúlio D’Oliveira Cabral, José Gomes Teixeira, José Raimundo da Costa, Lurdes Maria Wanderley Pontes, Wilton Ferreira, Mário de Souza Prata, Merival Araújo e Luiz Ghillardini (mortos oficiais), todos enterrados como indigentes. Também foram localizados mais dois militantes enterrados como indigentes em valas comuns nos Cemitérios de Cacuia e Santa Cruz. São eles: Severino Viana Calou e Roberto Cietto (mortos oficiais).

Aí fica claramente comprovado o respaldo técnico dado por este estabelecimento — o Instituto Médico Legal — ao aparato de repressão através da legalização de mortes e desaparecimentos ocorridos durante o período da ditadura civil-militar. Um exemplo é a saída como indigente de muitos desses militantes que, apesar de constarem como desconhecidos, têm ao lado a palavra “subversivo”.

Em setembro do mesmo ano, foi iniciado o trabalho de exumação de cerca de 2.100 ossadas contidas na vala de Ricardo de Albuquerque com a ajuda de dois médicos legistas indicados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro – CREMERJ. Drs. Gilson Souza Lima e Maria Cristina Menezes e da Professora Nancy Vieira, antropóloga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Este trabalho, assim como a catalogação dos ossos do crânio e arcadas dentárias, foram executados sob a supervisão da Equipe Argentina de Antropologia Forense, nas pessoas dos Drs. Luiz Fondebrider, Mercedes Doretti e Silvana Turner que estiveram no Rio de Janeiro em duas ocasiões.


Reconhecimento de ossadas de desaparecidos políticos no IML de Campo Grande/Rio - outubro de 1991 - Drs Luiz Fondekrider e Mercedes Doretti da Equipe Argentina de Antropologia Forense

A exumação continuou até março de 1993, quando, com a presença dos companheiros da Equipe Argentina de Antropologia Forense, resolveu-se encerrá-la. Isto se deu pelo fato de, naquele momento, mesmo com testes de DNA, ser impossível a identificação desses 14 opositores dentre as cerca de 2.100 ossadas. As que foram retiradas foram separadas e catalogadas e estão guardadas no Hospital Geral de Bonsucesso; o local da vala continuou sendo resguardado até a construção de um Memorial para onde essas ossadas serão levadas.

Ainda no Instituto de Criminalística Carlos Éboli conseguiu-se, através de longas pesquisas, dezenas de fotografias de perícias de local que mostram claramente torturas sofridas pelos militantes mortos desmentindo, assim, as versões oficiais da repressão: mortos em tiroteio, atropelamentos ou suicídios.

Pesquisas foram também realizadas nos Arquivos da Polícia Civil do estado do Rio de Janeiro, e, desde agosto de 1992, nos Arquivos do Departamento de Ordem Políticas e Social do Rio de Janeiro (DOPS/RJ), que foi passado para a responsabilidade do governo deste estado pela Polícia Federal, após inúmeras pressões de vários movimentos sociais como o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

 

Nestes arquivos alguns documentos importantes foram encontrados, principalmente os que dizem espeito a cinco desaparecidos políticos que, comprovadamente, estiveram presos nos órgãos de repressão. São eles: Rui Carlos Vieira Berbert e Virgílio Gomes da Silva (cujos nomes já haviam sido encontrados pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, em pesquisas no Arquivo do DOPS do Paraná), Joel Vasconcelos dos Santos, Celso Gilberto de Oliveira e Davi Capistrano da Costa.

Assim, a partir da documentação de órgãos da própria repressão — o DOPS — e de outros estabelecimentos que foram agentes importantes no respaldo e apoio técnico às atrocidades cometidas contra os militantes de esquerda e oposicionistas em geral — como o Instituto Médico Legal — começa-se a levantar, ainda que timidamente, o véu de uma outra história. Começa a ser revelada a história das violências cometidas com o carimbo oficial e que estão escondidas sob algumas pás de terra ou impregnadas de teias de aranhas. Segredos que estão longe de ser totalmente revelados, trazidos à luz, pois todos os arquivos dos diferentes aparatos militares (CISA, CENIMAR, CIE, SNI, DOI-CODIs, DOPS, etc) estão ainda guardados a “sete chaves”, ainda são matérias consideradas confidenciais e sigilosas.

Assim, 20 anos depois, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ irá inaugurar um Memorial no Cemitério Ricardo de Albuquerque que guardará as ossadas retiradas e resguardará o local de vala clandestina onde ainda se encontram quase 2000 ossadas.

 

NOTAS

Organização Mundial contra a Tortura

OMCT Logo

 

Criação do Relator da Comissão de Direitos Humanos sobre a
situação dos direitos humanos e defensores dos direitos humanos

O Observatório para a Protecção dos Defensores dos Direitos Humanos, um programa conjunto da Organização Mundial Contra a Tortura (OMCT) e da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) saúda a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para a criação de um relator sobre a situação dos direitos humanos e de seus defensores.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), concluiu a sessão regular em 1 de abril de 2011, durante a qual anunciou a decisão de estabelecer um Relator Especial sobre a situação dos direitos humanos e de seus defensores.

Várias organizações de direitos humanos já haviam pedido à Comissão que criasse um mecanismo efetivo para assegurar a protecção dos defensores dos direitos humanos.

O relator procurará dar maior suporte e visibilidade ao trabalho realizado pelos advogados e defensores dos direitos humanos e oficiais de justiça, que são também abrangidos pelo mandato.

A Comissão considera fundamental as denúncias sobre a situação dos defensores dos direitos humanos em diversos países da América Latina. De acordo com as informações fornecidas durante as audiências em Washington DC, os múltiplos ataques e perseguição contra os defensores dos direitos humanos perpetrados ou tolerados por agentes dos Estados americanos. Aumentaram também as ações de inteligência por parte desses Estados, bem como o surgimento de novas formas de perseguição contra os defensores dos direitos humanos através do crime organizado e das empresas com interesses econômicos na região.

O Observatório também tem documentado assassinatos, assédios, ameaças, detenções arbitrárias, ataques à integridade física e psicológica, roubo de informações, processos e outros ataques contra os defensores e seus familiares na América.

Genebra, Paris, 07 abril de 2011

 

ANISTIA INTERNACIONAL

Declaração Pública sobre Belo Monte

Considerar os direitos humanos em nome do desenvolvimento econômico

A  Anistia Internacional expressou sua profunda preocupação pelo fcto de o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, em uma entrevista à BBC no Brasil, ter sugerido que os direitos humanos dos povos indígenas não devem ser tratados com a mesma importância ou gravidade que a tortura, os desaparecimentos forçados e outras violações dos direitos humanos ocorridas no passado.

A Anistia Internacional apresentou sua preocupação com essas declarações que parecem sugerir à Comissão a revisão das medidas tomadas no caso contra o Brasil em Belo Monte, o que representaria uma interferência perturbadora de um órgão político da OEA, na autonomia e independência do sistema de direitos humanos ..

A nota da Anistia mostra que mega-projetos de desenvolvimento como a barragem de Belo Monte, no Brasil e da Mina de Marlin na Guatemala podem afetar profundamente os direitos humanos de indivíduos e comunidades. Esse impacto pode ser positivo – por exemplo, criando empregos e receitas fiscais mais elevadas, podndo contribuir para o desenvolvimento social. No entanto, os mega-projetos levam a violações de direitos humanos, incluindo danos ambientais, que geralmente afetam desproporcionalmente os pobres e marginalizados. Em muitos países, os povos indígenas da região foram forçados a deixar suas terras, perderam seus meios de subsistência e caíram na pobreza como resultado direto de projetos relacionados a petróleo, gás e mineração. A este risco é adicionado a influência crescente de empresas interessadas na execução desses projetos e na tomada de decisões dos Estados.

Por esta razão, a lei internacional dos direitos humanos tem desenvolvido um conjunto de normas e mecanismos para proteger os direitos humanos das comunidades locais e povos indígenas, especialmente. Em 2007, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Este instrumento complementa a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.

O Relator Especial da Convenção da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, James Anaya, deu especial atenção a esta questão, documentando violações dos direitos humanos contra os povos indígenas, recomendando medidas para evitá-las no futuro. Estas medidas incluem a obrigação dos Estados de consultar os povos indígenas antes da aprovação de um projeto no sentido de obter seu consentimento livre, prévio e informado sobre o projeto.

A liminar expedida pela CIDH no caso de Belo Monte é consistente com a tendência do direito internacional e lembra que o Brasil deve parar de trabalhar até que as informações sejam adequadas. A Anistia Internacional está preocupada pelo fato de o Brasil descrever as medidas como "injustificadas e precipitadas" retirando seu candidato na Comissão para as próximas eleições. É igualmente preocupante que o Secretário-Geral da OEA não só condene a atitude do Brasil, mas também porque sugere que uma proposta de desenvolvimento importante em um país como o Brasil, a Comissão deverá levar a situação com "mais calma", mesmo se a subsistência e outros direitos dos povos indígenas possam estar em risco.

A  Anistia Internacional finaliza sua nota mostrando sua preocupação para com aqueles que sacrificam os direitos humanos dos povos indígenas e outros grupos, em nome do desenvolvimento econômico. A Anistia Internacional apela a todos os governos da região, e aos funcionários nomeados por estes governos para atuar no sistema regional, em um compromisso público no sentido de proteger todos os direitos humanos, especialmente no contexto de projetos de desenvolvimento.

06 de maio de 2011

 

 

NOTA PÚBLICA DO CRP/RJ

Carta de Apoio do Conselho Regional de Psicologia do
Rio de Janeiro à II Marcha Nacional Contra Homofobia.

O Sistema Conselhos de Psicologia tem em sua missão institucional o compromisso com o desenvolvimento da Psicologia. Este processo não se dá separado do compromisso com a transformação social e a redução das desigualdades.

Em 1999, o Conselho Federal de Psicologia, após consultas aos movimentos sociais e debates políticos e teóricos, promulgou a Resolução nº 001/99, que dá as diretrizes éticas para o trabalho do psicólogo em relação à diversidade sexual, considerando que a homossexualidade é uma expressão da sexualidade como qualquer outra, não devendo ser patologizada ou criminalizada.

Mais do que isso, todas as psicólogas e os psicólogos “deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas” [artigo 2º, Resolução CFP 001/99].

Doze anos depois, o Conselho Regional de Psicologia do Rio de janeiro [CRP-RJ] continua a receber denúncias de práticas profissionais que infringem a referida resolução. Isso porque uma normativa não dá conta de processos de desqualificação [e eliminação] das diferenças, que vigoram em nossa sociedade.

Apostamos, pois, em outras estratégias de valorização da vida. Defendemos a garantia de direitos sociais para todos, cidadãs e cidadãos, dentre os quais a liberdade de expressão e vivência das orientações sexuais e identidades de gênero. Através do acompanhamento na implementação de políticas públicas, bem como o diálogo e a construção coletiva com movimentos sociais, nos colocamos contra qualquer forma de violência e discriminação.

Diferentes pautas se atravessam em nosso fazer. Defender uma saúde pública de qualidade para todos é também discutir a restrição de acesso às travestis e transexuais no SUS. Discutir educação é também denunciar a exclusão sofrida por todos aqueles que rompem as normas, as rotinas, os uniformes, as expectativas. Denunciar a violência de invasões policiais em comunidades pobres é dar visibilidade a processos de criminalização da pobreza.

A II Marcha Nacional Contra a Homofobia aposta na visibilidade de desejos e sofrimentos para transformação social. O CRP-RJ apóia esta manifestação e estará presente, pelo respeito aos direitos humanos e à equidade na execução de políticas públicas.

Lembramos que nessa data também temos manifestações em todo país por conta do Dia Nacional da Luta Antimanicomial e do Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. São atos de enfrentamento a situações instituídas de violência e opressão, o que faz das nossas bandeiras cada vez mais compartilhadas, posto que são diferentes efeitos de uma mesma máquina que domina e massacra corpos e, consequentemente, modos de existir.

Além disso, gostaríamos de destacar a importância do debate sobre o PLC 122/06 (Projeto de Lei de Criminalização da Homofobia), que tem dado visibilidade a uma série de violências e opressões que acontecem cotidianamente contra aqueles ‘diferentes’, que não se enquadram nas normas de sexualidade e gênero. Precisamos enfrentar essa discussão com força, assim como com ética e criticidade. O CRP-RJ, bem como a psicologia brasileira, é contra qualquer tipo de discriminação, e entende que nenhuma forma de violência vale à pena.

Queremos, assim, colocar em análise diferentes mecanismos punitivos operando em nossa sociedade. Por um lado, aqueles já descritos ou propostos para o código penal, que sempre recaem sobre uma parcela determinada da população. Não por acaso a prisão parece ter uma cor, um gênero, uma idade, um local de moradia e uma faixa de renda, todos bem delimitados.

Vivemos um recrudescimento de políticas de eliminação de grupos pobres de nossa população através de invasões e extermínios, combinados com um aparato de criminalização penal da pobreza, tudo “Em defesa da sociedade”. Entretanto, há outros dispositivos punitivos que não estão escritos em lugar nenhum, e atingem a todos, como as normas (e consequentes punições) sobre sexualidade e gênero. São processos de aprisionamento – em cadeias, em ‘armários´, em manicômios – daqueles sujeitos considerados perigosos, desordeiros, anormais. Atendem aos mesmos efeitos: políticas de medo da diferença, do outro, de si próprio.
Apostamos, então, no enfrentamento a todas as violências e opressões por uma ética da vida, em suas múltiplas formas. E precisamos inventar novas estratégias coletivamente, que possam romper com o modelo dicotômico e punitivo.

Dessa forma, o CRP-RJ manifesta seu apoio para a II Marcha Nacional Contra a Homofobia, a ser realizada no dia 18/05/2011 em Brasília, por uma sociedade mais justa, igualitária e democrática de fato.

Leia o manifesto da ABGLT sobre a II Marcha Nacional Contra a Homofobia aqui:
http://www.eloslgbt.org.br/2011/03/manifesto-da-ii-marcha-nacional-contra.html

(via e-mail)

NOTA PÚBLICA do CRP-RJ acerca da Resolução sobre Abordagem Social

O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro vem a público manifestar seu repúdio à Resolução nº 20 da SMAS da PCRJ, de 27 de Maio de 2011, Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social, visto a mesma ferir direitos fundamentais de crianças e adolescentes, conquistados através de intensos debates e disputas, e que asseguraram a condição de sujeitos de direitos para crianças e adolescentes.

Também lamentamos que no desmonte de tais conquistas, haja a participação de autoridades que deveriam auxiliar na sua garantia; que têm como parte de suas atribuições cobrar do poder público a efetivação destes direitos através de políticas sociais, mas que, costumeiramente, tendem a individualizar situações derivadas de problemas sociais e culpabilizar famílias, discurso que vem sendo repetido em suas falas na mídia sobre o tema.

É também nosso desejo externar nosso compromisso com todos aqueles que realmente defendam formas de convivência política em que as questões sociais e de saúde presentes no momento histórico atual possam ser debatidos pelo conjunto da sociedade, sem medos, intolerância, violência ou opressão.

À comunidade de psicólogos atuantes da cidade do Rio de Janeiro envolvidos de alguma forma com práticas derivadas da citada Resolução, e aos demais interessados no tema, colocamos a disponibilidade do CRP para discussão de questões vinculadas a tais procedimentos. Ressaltamos que a observância e defesa de nosso Código de Ética coloca-se como fundamental para nortear a prática do psicólogo.

Entendemos que com a referida resolução, a Assistência Social do Rio de Janeiro vem se distanciando do SUAS, demitindo-se de suas funções socioassistenciais e posicionando-se como agência policialesca, prestando-se à segregação e aumentando a apartação social que deveria trabalhar para reduzir. O que assistimos hoje é a incorporação da metodologia do choque de ordem pela Secretaria de Assistência Social, colocando em marcha uma política de ordem pública travestida de assistência. O que se revela, desta forma, é a orquestração de todos os órgãos e secretarias do estado para implementação de uma ação higienista de limpeza urbana, rumo ao projeto de cidade global que sediará nos próximos anos os jogos olímpicos e a copa do mundo.

Os procedimentos vigentes foram deliberados sem a participação do controle social, ignorando-se a Política Municipal de Atendimento às Crianças e Adolescentes em Situação de Rua deliberada pelo CMCDA em 2009 e nunca efetivada. Percebe-se, também, que as práticas de recolhimento compulsório da PCRJ vão a contrapelo da Política Nacional para a População em Situação de Rua, a situação sendo imensamente agravada pela inadequação dos serviços de acolhimento do município à Tipificação de Serviços Socioassistenciais.

É, portanto, urgente debater esta política que elege a internação como único tratamento possível para a questão do uso prejudicial de drogas; o como se está realizando a indicação clínica de internação; o projeto institucional e funcionamento de abrigos especializados para dependência química; o esclarecimento sobre a dinâmica do recolhimento de adultos, crianças e adolescentes com o uso de força e auxílio policial; a falta de protagonismo de crianças, adolescentes e suas famílias no processo de tratamento; o encaminhamento de adolescentes em situação de rua à DPCA sem flagrante ou mandado judicial; o mesmo encaminhamento de adultos para a delegacia visando “sarqueamento”, entre diversas outras questões advindas de práticas que entram em conflito com o marco legal da Saúde/Saúde Mental, da Assistência Social e da Política para Infância e Adolescência.

Entendemos que as políticas públicas devem proporcionar a crianças e adolescentes o acesso a direitos como saúde, convivência familiar e comunitária, educação, profissionalização, lazer, esporte e cultura, sem que para isto paguem o preço da restrição de seus direitos à dignidade, à liberdade, ao respeito, à autonomia, de participação na elaboração de políticas públicas, devendo-se levar em consideração os modos de existir criados por quem teve de se haver com o histórico desinvestimento e desinteresse do poder público por sua situação.

Desta forma, defendemos a revisão das atuais práticas que objetivam a população em situação de rua, adulta ou infanto-juvenil, visando a garantia dos direitos desta população e de suas famílias, afirmando que em políticas públicas é necessária a construção participativa da sociedade, não havendo espaço para “Salvadores da Pátria”.