CARTAS

 

CARTAS DA MÃE

 

Olá, amigos do Grupo Tortura Nunca Mais
Envio esse e-mail, para convidá-los a ler uma crônica de minha autoria, publicada na revista O Viés. A revista O Viés é um periódico online e independente produzido por 10 jovens de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Com novas edições todos os sábados, temos também uma edição impressa comemorativa de nosso 1º aniversário. A linha editorial da revista, eu defino, de forma resumida, em uma palavra: liberdade. Lá escrevemos sobre o que nos interessa, sem amarras ideológicas ou técnicas.

Dessa forma, na edição do sábado, véspera do dia das mães, publiquei crônica chamada "Cartas da Mãe", inspirada na coluna que o cartunista Henfil manteve na revista Isto é, durante os anos 80. Nessa "carta" escrevo a partir do ponto de vista de um desaparecido político em diálogo com sua mãe.

Sei que talvez meu texto seja forte e isso se evidencie pela falta de liberdade que, quem sabe, eu tenha para falar do assunto. Mesmo assim, e espero que isso fique claro no texto, minha intenção jamais foi ofender. O maior de meus objetivos era, através da linguagem literária, chamar a atenção das pessoas com a emoção comum do dia das mães e apresentar um outro ponto de vista. Afinal, se todos ficam "sentimentais" no dia das mães, procurei mostrar que existem diferentes motivos para essa emoção.

Desde já agradeço a atenção.
Podem contar comigo e toda a redação da revista O Viés pela abertura dos arquivos e por todos aqueles que lutaram pelo Brasil.

Um abraço
Rafael Balbueno

 

Mãe,

Antes de qualquer palavra, vem aqui um pedido de desculpas. Eu sei, faz tempo que abandonei as cartas e não as produzo nem para trocarmos poucas, meras e vagas palavras. Mas hoje, não sei por quê, um surto febril saudosista tomou conta de mim, de uma maneira gostosa e incômoda ao mesmo tempo, que só vi aqui possibilidade de remediar essa coisa que me remoía por dentro igual a cólica que vinha quando eu, ainda criança, exagerava nas delícias que só suas mãos sabem fazer.

Infelizmente, mãe, não venho aqui trazer boas novas. Na verdade, esta carta só vai conter o mais do mesmo, tudo aquilo que já branqueou seus cabelos, a mesma velha história. Espero, sinceramente, não a magoar pelo fato de eu sempre retornar com meus problemas. Eu sei, sou assim desde pequeno e agora não será diferente, mas, toda vez que me flagro sendo egoísta, penso que não existe pessoa no mundo que ame mais o meu egoísmo que a senhora.

Eu ainda não voltei, mãe. Isso é fato, não preciso de quinhentas páginas para explicar justo para a senhora, que, até hoje, espera ansiosa por notícias.  Na contramão, imagino que nem mil e quinhentas páginas seriam suficientes para a senhora descrever o que sente pelo filho que não voltou. Não lhe deram o direito de beijar minha testa uma última vez em um caixão. Direito cruel, mas ainda menos pior que essa espera que a cada dia agrava ainda mais os traços da sua idade já avançada. É engraçado que, sempre que penso nisso, percebo como as coisas se colocaram às avessas em nossa vida. Tem gente que gosta de dizer “o correto na vida é um filho enterrar uma mãe”. Concordo. É assim que as coisas acontecem no meu mundo, aquele pelo qual lutei. As pessoas morrem de velhas e por nenhum outro motivo. Só de velhice e depois de terem vivido muitos anos podendo saborear o que há de bom no mundo. Sem gosto azedo. Aí eu penso que, para nós, a história foi tão ingrata que inverteu tudo e ainda colocou agravantes. Eu sumi, como eles gostam de dizer, e nem lhe deram o direito de beijar minha testa branca e fria.

Mesmo sabendo que é o mais provável, espero não te fazer chorar, mãe. Mas, da mesma forma, espero que a senhora entenda que a vida foi, e segue sendo, tão cruel, que aqui nesta carta não cabem palavras bonitas, paraísos ou coisas do tipo. A vida, definitivamente, não foi justa. Quando me tiraram a vida abaixo de tortura, de humilhação e de crueldade, pensei que não existisse dor comparável a essa. Aí entra governo, sai governo e ninguém faz nada por nós. Quando convém, sempre aparece gente se promovendo às custas de quem morreu. “Eles lutaram para que tivéssemos o direito de estar aqui”. Sim. Mas, então, seria pedir demais que punissem nossos assassinos e nos oferecessem o direito de morrer dignamente? Isso dói muito. Compramos a briga por um Brasil diferente e ninguém comprou a briga por nós. O sopro de esperança que tivemos quando o país elegeu um ex-operário se desfez mais fácil do que esperávamos. Agora, com uma ex-guerrilheira, as coisas para nós, até então, não andaram e, para piorar, assistimos a uma enxurrada de medidas perversas indignas da antiga atuação da presidenta, quando, assim como nós, lutou, foi presa e torturada. Não lutamos por um Brasil privatizado para atender aos desejos de uma copa do mundo, mãe. O que me entristece muito. Sim, é fato que algumas coisas melhoraram. Mas definitivamente não foi por um governo meia-boca, negociador e de alianças vergonhosas que pegamos em armas e nos embrenhamos no mato. Tampouco fizemos isso para que os patrões voltassem a governar este país. Eu não entendo o que acontece, mãe. Muito menos imagino o que podemos fazer para sair dessa situação. Parece que as siglas, que, em nossos tempos, eram muitas e ilegais, não servem mais para nada. Passa governo, entra governo e, quando pensamos que havíamos votado em algo diferente, está lá – a mesma coisa.


Certa vez, referindo-se à Nova República, o jornalista Wilson Figueiredo disse que o Brasil era reconstruído com material histórico das demolições passadas e os mesmos mestres de obra. A senhora, mãe, do alto da sua experiência, sabe que tudo que construímos com coisas antigas e do mesmo jeito está fadado a ruir. Pois é, mãe, as coisas não parecem caminhar bem, pois, como se não bastasse, o povo brasileiro dá uma mãozinha, ficando sentado, entretido e satisfeito. Não podemos negar que existem algumas pequenas fagulhas de mudança, como esses operários do PAC que agora resolveram mostrar sua cara. Lindo de ver, afinal, a cara de um operário é a cara do país. Mesmo assim, são apenas poucas demonstrações, o que nos coloca novamente ao chão. É um individualismo que assusta, mãe. Não podemos pensar em andar a passos de tartaruga quando podemos voar.

Desculpe, mãe. Na correria de minhas amarguras, esqueci de perguntar como a senhora estava. Aliás, tenho que dizer antes que me esqueça: seus cabelos brancos são, para mim, sinônimo de tudo de bom que há no mundo. Eles são lindos, os mais lindos do mundo. E o cansaço? E as pernas? Eu sei que sua idade já não mais permite que faça tudo o que quer. Mesmo assim, peço que a senhora, junto com as outras mães do Brasil, não enfraqueçam a luta por nós. Neste mundo bizarro, muito diferente de tudo pelo qual lutamos e sonhamos, temos que nos agarrar em vocês, nossas mãezinhas, o lugar mais seguro do mundo.  É só o que nos resta: nosso amor e vocês. O que hoje parece não sensibilizar mais ninguém.

Um beijo do seu filho,
Adriano, Aluísio, Ana, André, Antônio, Arildo, Armando, Áurea, Aylton, Bergson, Caiupy, Carlos, Celso, Cilon, Ciro, Custódio, Daniel, Davi, Dênis, Dermeval, Dinaelza, Dinalva, Divino, Durvalino, Edgar, Edmur, Eduardo, Elmo, Elson, Enrique, Ezequias, Félix, Fernando, Francisco, Gilberto, Guilherme, Heleni, Helenira, Hélio, Hiran, Honestino, Idalísio, Ieda, Isis, Issami, Ivan, Jaime, Jana…


Rafael Balbueno
rafaelbalbueno@revistaovies.com
(Via e-mail)

 

 

CHACINA EM CAJAZEIRAS – 7 ANOS SE PASSARAM

O CRDH/UFPB – Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba – constituído a partir da parceria entre a referida Instituição Federal de Ensino Superior e a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH/PR) consiste em um espaço de defesa e promoção dos Direitos Humanos. O CRDH desenvolve o acompanhamento e monitoramento de violações de direitos humanos narrados e documentados nos Relatórios sobre a situação dos Direitos Humanos no Estado da Paraíba 2009 e no documento elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados/as a partir de audiência pública no ano de 2009, dentre os temas acompanhados, destaca-se o caso Chacina dos Adolescentes de Cajazeiras ocorrida no ano de 2004.

A presente nota pública do CRDH/UFPB vem solidarizar-se com as famílias dos adolescentes, J.F (14 anos), D.C. (17 anos) e C.R. (17 anos) executados no dia 9 de maio de 2004 (domingo, Dia das mães daquele ano). São 07 anos de impunidade, sofrimento e medo. Nesse sentido a nota também tem por objetivo solicitar que as autoridades públicas envolvidas no caso possam chegar aos mandantes e executores diminuindo o sentimento de injustiça que assola a cidade.

Apontamos que a atuação do Comitê de Apoio às Famílias dos Adolescentes Chacinados de Cajazeiras/PB e da defensora de direitos humanos Andréa Coutinho vem sendo fundamental para que o caso não fique no esquecimento e deve contar com apoio de toda sociedade e representantes do Estado.

Nesse sentido, demonstramos nosso apoio às manifestações que se seguem neste 09 de maio 2011, na cidade de Cajazeiras, no intuito de preservar a memória da violação de direitos humanos na Paraíba, assim como dar visibilidade local, estadual, nacional e internacional do caso, para que o mesmo não sejam esquecido e os criminosos não seja responsabilizados.

Centro de Referência em Direitos Humanos – UFPB
João Pessoa, 09 de maio de 2011
via e-mail

 

 

DESAPROPRIADOS

Companheiros
Indignada com a perversidade vivida tão claramente em nosso estado nos últimos dias, segue nota como "um mais de força" em nossas lutas cotidianas. Pessoas foram baleadas, mortas, e tiveram suas casas destruídas com todos os pertences em Barra do Riacho, distrito de Aracruz, município capixaba, numa ação de desapropriação capitaneada pela Prefeitura.

Barra do Riacho, distrito de Aracruz, Espírito Santo, cenário atual. Em pleno discurso democrático, nada mais claro do que o extermínio de uma determinada parcela da população. As figuras do “inimigo interno” da democracia perambulando, baleadas, pelos confrontos da desapropriação violenta – em todos os sentidos –. Desapropriados de “si” e alvos de armas letais ou ditas não letais, mas que mataram assim mesmo. A morte direta ou a morte política, a morte por rejeição ou a exposição à morte, como colocou Foucault acerca do Racismo que, inserido nos mecanismos do Estado, autoriza a matar em nome da “defesa da sociedade”. Enquanto isso os “subversivos”, que agora não mais se opõem ao regime militar, têm as armas que visam a defesa da população miradas para suas cabeças. As pernas não eram alvo. A eliminação “dos ninguéns” estava clara. Mais do que nunca. E eram vistos justamente no momento da caçada. Antes, invisíveis em suas lutas por terra e moradia. Os tiros, os mortos e feridos, as bombas de efeito moral, as balas de borracha, as armas e a resposta: “verificaremos se houve algum excesso”. Quando se trata dos desqualificados, dos ninguéns, a morte nem sempre é um excesso. Nada mais claro do que a violação dos direitos humanos em nosso estado sendo autorizada e naturalizada. E também vira alvo quem se mete em ouvir “o grito dos excluídos”: o Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos também foi atingido. Em essência, porque sua luta representa além dos que lá estavam, maltrapilhos, machucados, encarados como bárbaros, os que em suas lutas diárias ainda acreditam que um mundo melhor e mais justo pode ser construído. Agora, resta a força e a potência por transformação – que também foi baleada e destruída como as casas, corpos e corações – reerguer sua morada.

Patrícia Peterli, ES
21 de maio de 2011
Segue vídeo sobre o fato:
http://www.youtube.com/watch?v=DQ7gM8rpzxU
(via e-mail)

 

 

MEMÓRIA DE INFÂNCIA

Boa Tarde

Me chamo Eulando S Azevedo, paulista, 49 anos...
Tenho um fato a relatar, fato este da minha infancia.

Em meados 1972, morávamos no bairro Jardim Bonfiglioli aqui em Sao Paulo, estudava na escola municipal Julio de Mesquita, creio que estava na 2ª série. Um determinado dia, a nossa professora foi chamada à Direção. Após a saída da professora, um homem negro, mais ou menos 1,70m de altura, forte e de terno (terno alinhado) adentrou à nossa sala e, olhando para todos, com o dedo indicador fez o sinal do silêncio, para que ficássemos calados... Após cerca de 3 a 5 minutos, a nossa professora retornou, pálida, assustada. Ela não disse absolutamente nada.

De todos os fatos na minha da infância, este é o que mais me recordo... O homem negro, forte, de terno e gravata, expressão de mau, mandando ficarmos em silêncio, e a nossa professora, que era jovem, retornando à sala de aula, com uma expressão de medo.

Hoje acredito que o pessoal da repressão fez uma visita à nossa escola, atrás de alguém, talvez uma das nossas professoras...

Abraço fraterno
Eulando
via e-mail