PROJETO MEMÓRIA

 

 

SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – IDH

Brasil é obrigado a investigar e punir os crimes da ditadura militar

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em uma sentença histórica notificada em 14 de dezembro de 2010, determinou a responsabilidade internacional do Brasil pelo desaparecimento forçado de, pelo menos, 70 camponeses e militantes da Guerrilha do Araguaia entre os anos de 1972 a 1974, durante a ditadura militar brasileira. Conforme compromisso assumido internacionalmente, é obrigatório e vinculante o pleno cumprimento desta sentença pelo país.

Esta é a primeira sentença contra o Brasil por crimes cometidos durante a ditadura militar, que permite discutir a herança autoritária do regime ditatorial e contribui para o estabelecimento de uma cultura do "Nunca Mais" no país.

O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP-SP) atuam, desde 1995, em representação aos atingidos e de seus familiares na denúncia internacional perante o sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.

Ao longo do processo comprovaram cabalmente a responsabilidade internacional do Brasil pelo desaparecimento forçado dos afetados, pela total impunidade em relação a estes crimes e pela ausência de procedimentos eficazes para o estabelecimento da verdade no país. Assim, solicitaram diversas medidas de reparação, que abrangiam desde o conceito de reparação integral dos atingidos e seus familiares, até medidas mais amplas, especialmente no que tange ao direito à verdade e à justiça, em relação à sociedade brasileira como um todo. Os fatos, as violações e as reparações mais destacadas que estabelece a sentença são as seguintes:

A Corte Interamericana determinou que os afetadosdo presente caso foram desaparecidas por agentes do Estado. A sentença estabelece que o Brasil violou o direito à justiça, no que se refere à obrigação internacional de investigar, processar e sancionar os responsáveis pelos desaparecimentos forçados em virtude da interpretação prevalecente da Lei de Anistia brasileira, a qual permitiu a total impunidade deste crimes por mais de 30 anos.

A Corte determinou que esta interpretação da Lei de Anistia, reafirmada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, contraria o Direito Internacional. Nas palavras da Corte: "As (aquelas) disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso (Araguaia)".

Assim, a Corte requereu que o Estado remova todos os obstáculos práticos e jurídicos para a investigação dos crimes, esclarecimento da verdade e responsabilização dos envolvidos. Também, o Tribunal reafirmou o alcance geral de sua decisão exigindo que as disposições da Lei de Anistia, que impedem as investigações penais, não possa representar um obstáculo a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos.

Quanto à ausência de informação oficial, a Corte avançou substancialmente os parâmetros exigidos para proteção do direito de acesso à informação, incluindo o princípio da máxima divulgação e a necessidade de justificar qualquer negativa de prestar informação. A Corte também afirmou que é essencial que o Brasil adote as medidas necessárias para adequar sua legislação sobre acesso à informação em conformidade com o estabelecido na Convenção Americana.

Finalmente, no que se refere à negativa do Estado, por mais de três décadas, de garantir o direito à verdade aos familiares dos desaparecidos, a Corte Interamericana determinou que, em virtude do sofrimento causado aos mesmos, o Estado brasileiro é responsável por sua tortura psicológica e, entre outras coisas, determinou como medidas de reparação: a obrigação de investigar os fatos; a obrigação de realizar um ato público de reconhecimento de sua responsabilidade; o desenvolvimento de iniciativas de busca e a continuidade na localização dos restos mortais dos desaparecidos; a sistematização e; a publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia e as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar no Brasil.

Portanto, a sentença da Corte IDH no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) é paradigmática porque permitirá a reconstrução da memória histórica para as gerações futuras, o conhecimento da verdade e, principalmente, a construção, no âmbito da justiça, de novos parâmetros e práticas democráticas. Segundo Vitória Grabois, familiar e vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ: "A falta de informação por mais de 30 anos causou aos familiares dos guerrilheiros do Araguaia angústia, sofrimento e desconfiança nas instituições brasileiras. A sentença da Corte renova nossa esperança na justiça."

Nas palavras de Beatriz Affonso, diretora do programa do CEJIL para o Brasil: "Esperamos que a administração de Dilma Roussef demonstre que os governos democráticos não podem fechar os olhos aos crimes do passado e que se empenhe em saldar a dívida histórica do país. Já o Poder Judiciário, que é parte do Estado brasileiro, deve cumprir a decisão promovendo a investigação dos crimes cometidos durante a ditadura. Todos os cidadãos brasileiros devem ter certeza de que hoje, na democracia, a lei está ao alcance de todos, inclusive os agentes públicos e privados, civis e militares envolvidos em nome da repressão em crimes contra os cidadãos." Segundo Criméia Schmidt de Almeida, familiar e Presidente da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo: "Essa sentença pode significar um passo importante na verdadeira redemocratização do país, eliminando os entraves ditatoriais que ainda persistem nas práticas dos agentes públicos. Como familiar espero que possa significar um ponto final a tantas incertezas que há quase 40 anos marcam com angústia a nossa vida".

Neste sentido, Viviana Krsticevic, diretora executiva do CEJIL disse: "América Latina tem avançado significativamente na resolução dos crimes contra a humanidade cometidos por governos ditatoriais. O Brasil, no entanto, ainda está em dívida com os familiares e a sociedade no estabelecimento da verdade e da justiça relacionadas a este tema. Esta sentença representa uma oportunidade única para que o Brasil demonstre que é capaz de liderar tanto no âmbito internacional como nacional os temas relacionados aos direitos humanos e democracia. Para isto, o Brasil deve deixar sem efeitos os aspectos da lei de anistia que impedem a justiça frente a crimes contra a humanidade."

 

Rio de Janeiro, São Paulo e Washington DC, 14 de dezembro de 2010
A sentença está disponível no website da Corte Interamericana
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf

Centro pela Justiça e o Direito Internacional
Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo

 

 

Carta aberta aos 3 poderes

CARTA AOS TRÊS PODERES DA REPÚBLICA E AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO CUMPRIMENTO INTEGRAL DA SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS NO CASO GOMES LUND

Os cidadãos, as cidadãs e as entidades abaixo assinadas, diante da sentença condenatória do Estado Brasileiro proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, no dia 24 de novembro de 2010, vêm manifestar à Presidente da República, ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal e ao Procurador-Geral da República que:

  1. O Estado brasileiro não pode se eximir de cumprir nenhuma das obrigações fixadas na sentença. O País, no exercício de sua soberania, aderiu voluntariamente à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e reconheceu como obrigatória a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tais atos foram praticados com estrita observância da Constituição Federal e são decorrência das normas constantes dos seus artigos 4º, inciso II; 5º, §§ 2º e 3º; bem como do artigo 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
  2. Ora, conforme disposto no art. 68 da Convenção Americana de Direitos Humanos, “os Estados-Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”. O Brasil figurou como réu no processo supramencionado, foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, e deve, portanto, cumprir integralmente essa decisão. Para deixar de cumpri-la, deverá denunciar a Convenção, protagonizando com isso o mais grave retrocesso do Continente em matéria de direitos humanos.
  3. A Presidência da República, o Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional e o Ministério Público Federal têm, pois, o dever de dar cumprimento integral e imediato a essa decisão da Justiça Internacional, a fim de evitar que o Brasil se torne um Estado fora-da-lei no concerto mundial das nações.

Portanto, inaugurando um estado de vigília, EXIGIMOS O INTEGRAL E IMEDIATO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, com a investigação dos perpetradores de torturas, homicídios, desaparecimentos forçados e demais crimes contra a humanidade e a identificação e entrega dos restos mortais dos desaparecidos aos seus familiares.

 

Esta carta está sendo assinada por familiares de mortos e desaparecidos políticos,
ex-presos e perseguidos políticos, entidades da sociedade civil,
juristas, intelectuais, artistas, defensores dos direitos humanos
e qualquer
cidadão que se indigna contra a violação dos direitos humanos

Para assiná-la envie um e-mail para
cumprimentoaraguaia@gmail.com

 

 

Direitos Humanos e Abertura dos Arquivos

Parece que tudo nos impede de chegar ao fundo da questão: abertura dos arquivos da ditadura militar (1964 – 1985). Na verdade o Brasil é o mais atrasado na questão dos Direitos Humanos. Argentina, Chile e Uruguai já condenaram centenas de agentes da repressão. E nós... nada.

Sabemos que política se faz com alianças, mas existem “alianças” e “alianças”. Os empresários que financiaram a Ditadura são, na verdade, o grande obstáculo para que tudo fique esclarecido, aliado à direita mais reacionária e retrógrada. O governo fez essa aliança. E agora?

O que nós observamos por trás dos planos é: manter a mesma política de “empurrar com a barriga”. Formou-se uma comissão que, na verdade, está condenada ao fracasso e que a nosso ver planeja uma nova história oficial “maquiada” para mostrar à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA que estão cumprindo a sentença.

Nossa luta é que a sentença seja cumprida de verdade e que a Ministra dos Direitos Humanos não tenha medo de enfrentar as posições do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, que é o grande articulador e inventor da possibilidade de guerrilheiros estarem ainda vivos, sob nova identidade, com trabalho e residência (os mortos vivos, como são chamados). Hoje, com o avanço da tecnologia, seria possível identificá-los, caso isso fosse verdade.

Que dor enorme para os parentes que querem esclarecimentos e enterrar dignamente os seus mortos. Parece que tudo fica envolvido numa cortina de fumaça para atrapalhar a verificação e esclarecimentos dos casos.

O grupo de trabalho montado pelo Ministro Jobim não identificou um único cadáver.
Será que a Presidente e a Ministra Maria do Rosário, a primeira atingida pela ditadura, terão coragem de desmascarar toda essa “mise an cene” e cumprir a sentença da Corte de forma verdadeira e clara. Terão coragem?

Jane Quintanilha
Revista Caros Amigos, Ano XIV – nº 167 – fevereiro de 2011 – p. 32

 

SAUDADES

Morre madre Maurina, torturada no regime militar

A madre Maurina Borges da Silveira, torturada no Brasil durante a ditadura militar, morreu no dia 5 de março de 2011 em Araraquara, aos 87 anos, por falência múltipla dos órgãos. A religiosa foi presa em Ribeirão Preto em outubro de 1969 acusada de envolvimento com militantes das Faln (Forças Armadas de Libertação Nacional).
A tese da polícia na época era a de que a madre permitiu que membros da Faln se reunissem no Lar Santana, instituição onde vivia. Ela era membro da Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição.

"Alguns de nós éramos do movimento de evangelização, mas usávamos o porão para guardar material e imprimir o nosso jornal, "O Berro'", disse o advogado Vanderley Caixe, 66. De acordo com Caixe, a irmã não sabia das reuniões. Quando alguns membros foram presos, conta, ela abriu o porão, viu o material e mandou queimar tudo.

No prédio onde atualmente funciona a Delegacia Seccional, a madre foi torturada com choque elétrico por pelo menos duas horas. A tortura da religiosa provocou uma mobilização na Igreja Católica na época. O então arcebispo dom Felício da Cunha levou o caso à cúpula da instituição e excomungou dois delegados, Renato Ribeiro Soares e Miguel Lamano. O caso em Ribeirão inspirou religiosos como dom Paulo Evaristo Arns a se engajar na luta social.

A irmã ficou um ano detida em São Paulo até ser trocada pelo cônsul japonês Nobuo Okuchi. Exilada no México, viveu 14 anos e voltou ao Brasil em 1984. Mineira de Perdizes, atuou no México, em Santa Catarina e em São Paulo, sempre ajudando os mais pobres.

"Ela era tranquila. Sobre isso [tortura], dizia que já perdoou a todos", disse a irmã Maria Eunice Vilela. Sobre ela foi feito o livro: “Sombras da Repressão, o outono de Maurina Borges”, de 1998.

Sobre ela escreve Rose Nogueira:
“Madre Maurina era clarinha, tão branquinha e sua pele tão rosada que, mesmo naquela situação, a gente prestava atenção.

Ocupei sua cela, a 4 do Fundão do corredor do Dops.Levaram-na para o presídio Tiradentes naquele mesmo dia para que a cela fosse ocupada por mim, pela Ana Vilma Penafiel e por Tiana, uma professora que gritava ter sido presa por engano. À noite trouxeram Makiko Kishi, presa por ter fotografado o grande Carlos Marighella logo depois de ter sido assassinado pelo Esquadrão da Morte.

Tiana estava agressiva, inconformada. Quando parou de gritar na pequena janela da porta, disse-nos mais ou menos o seguinte: "Por que vocês não são como a Madre Maurina, que falava comigo e me acalmava? Ela era o meu remédio!" E voltou a gritar: "Cadê a Madre Maurina, cadê a Madre Maurina?". Como esquecer daquela noite, em que os gritos de Tiana foram abafados por outra gritaria que se seguiu, quando os assassinos desceram para o corredor das celas festejando seu crime? Nós não éramos a Madre Maurina, a doce pessoa descrita nervosamente por Tiana. Não tínhamos a sabedoria e o poder para, numa situação daquelas, ser o remédio, o bálsamo necesário para alguém que sofria com seu próprio transtorno.

Nas vésperas do Natal, ao chegar ao presídio Tiradentes, subir a Torre e ser levada para a cela da direita, vi dois rostos na cela em frente, a maior, observando quem chegava. Um deles o da Dulce Maia querida, que eu ainda não conhecia. O outro, eu reconheci pela descrição constante de Tiana: era clarinha, muito rosada, já tinha idade, de óculos, a bondade percebida à distância. A Madre Maurina.

Ficamos juntas poucos dias, pela minha lembrança. Logo depois abriram as celas porque a cada dia chegavam mais meninas e ela foi transferida para Ribeirão Preto, se não me engano. Ocupei de novo o lugar da Madre Maurina: fui para a cela grande, a celona, que a Dulce ocupava com a Madre. Sabíamos que tinha sido barbaramente torturada. Havia rumores que teria sido violentada. Acho que nunca houve quem lhe perguntasse isso, não sei. Lembro-me dela com um roupão florido, comprido, e para mim perguntou apenas do meu bebê, que tinha um mês na época da prisão. Contei-lhe que havia tomado uma injeção à força para cortar o leite. Ela me disse: "Foi uma descarga de estrógeno". E mais: "massageie os seios, use soutien, tenha cuidado que um dia podem aparecer nódulos...", enquanto segurava minha mão. Esse foi nosso único contato. Ela foi embora, para uma outra prisão.

Acompanhamos, tensas, meses depois, a troca da Madre e de outros companheiros pelo embaixador. O mundo todo falou nela, a freira presa pela ditadura. Foi banida, perdeu seus direitos políticos e sua cidadania, não podia voltar ao país. Mas voltou.

Em 1979, quando era repórter do Jornal Nacional, fui escalada para cobrir o julgamento dela, que insistiu em voltar ao Brasil apesar de ter sido banida. Pedi para não ir. Gostaria de ter ido como companheira e não como profissional. Mas o chefe foi irredutível. E ainda ouvi: "sem emoção, hem, sem emoção... postura profissional!". Ele estava me pedindo o impossível.

Na auditoria militar, o mesmo lugar onde eu tinha sido julgada, anos antes, revi Madre Maurina, ao lado de dom Paulo Evaristo Arns. Dessa vez, ela ocupava uma cadeira daquelas, como a que tinha sido minha: a de ré, na segunda fila – acho que a primeira estava vazia; é assim na minha lembrança.

A imprensa só podia ficar em pé ao lado daquele pequeno auditório. Fui até a frente, queria vê-la, dei um adeus rápido com a mão, mas mandaram-me voltar para trás. Ela me olhou e sorriu.

Isso foi um pouco antes da lei da Anistia. Estava nas ruas, em todo lado, a campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Dom Paulo estava certo: era preciso furar as leis da ditadura. A vinda da Madre Maurina, para ser julgada, foi uma exigência dela e acho que um acordo dele.

Na calçada da avenida Brigadeiro Luiz Antonio todos se abraçavam. Ela fora absolvida. Mas queria voltar para o México, onde vivia num convento – explicou no microfone, à minha pergunta sobre o exílio. Depois me olhou nos olhos, sorriu, pegou minha mão e perguntou: "E o nenê, como é que está o nenê?". Nos abraçamos longamente, chorei na hora e choro agora. Voltei pro jornal, levei a maior bronca por ter me emocionado e pedi demissão – mas isso é uma outra história, que continua com o Carlito, irmão da Dulce, a dona do outro rosto da celona, que me fez voltar atrás um mês ou dois depois. Madre Maurina foi para o México, disse que ia tranquila e não pensava voltar tão cedo. Agora está no céu.”

Rose Nogueira
Presidente do GTNM-São Paulo

Sebastião Bezerra da Silva
Militante de Direitos Humanos é torturado e assassinado no TO

NOTA DA COMISSÃO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS


É com o mais profundo pesar e a mais profunda consternação que o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) registra o assassinato, no Estado de Tocantins, do advogado Sebastião Bezerra da Silva, coordenador do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia (TO) e secretário do Regional Centro-Oeste do MNDH.
O corpo de Sebastião Bezerra da Silva, 40 anos, foi encontrado na madrugada de 28 de fevereiro, na fazenda Caridade, em Dueré, sul do Estado. Sebastião Bezerra da Silva foi torturado antes de ser morto e o assassino ou os assassinos tentaram enterrar apressadamente seu corpo.
Neste momento de dor e de pesar, o Movimento Nacional de Direitos Humanos vem solidarizar-se com a família de Sebastião Bezerra da Silva e com todos os seus companheiros do Regional Centro-Oeste do MNDH.
Desde o momento em que soube do acontecido, o MNDH vem acompanhando pormenorizada e intensivamente as informações a respeito do assassinato. Confiamos que as autoridades policiais do Estado de Tocantins realizem um trabalho diligente na apuração dos fatos, e confiamos, igualmente, na transparência das investigações para que este crime contra um defensor dos Direitos Humanos não fique impune.

 

NOTA DA COMISSÃO JUSTIÇA E PAZ DOMINICANA


Tomamos conhecimento, ontem à noite, do assassinato de nosso irmão e companheiro de luta, Sebastião Bezerra Silva, residente na cidade de Paraíso, TO, casado com Iolanda, pai de duas filhas, promotor e defensor dos Direitos Humanos, Secretário Executivo do Movimento Nacional de Direitos Humanos – Regional Centro Oeste e do Centro de Direitos Humanos de Cristalândia. Sebastião integrou a 1ª Turma do Curso de Especialização em Direitos Humanos, promovido pela Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil e estava entre os missionários inscritos ao Mutirão Dominicano junto às comunidades da Diocese de Conceição do Araguaia.

O que podemos afirmar, até o momento, é que ele foi visto pela última vez com vida na madrugada de 28 de fevereiroe, finalmente, seu corpo foi identificado no IML de Gurupi. De acordo com o advogado Sávio Barbalho, Sebastião estava retornando de Goiânia na madrugada do dia 28. Sávio, contatado pela família, procurou a PM e foi informado que um corpo foi achado semi-enterrado, em Dueré, na Fazenda Caridade, a 40 km de Gurupi, e que estava sem identificação no IML. Ainda conforme o advogado, “Sebastião foi torturado e assassinado com requinte de crueldade. Em torno do pescoço dele foi encontrada uma corda. Ele foi asfixiado”.

Estou em viagem e, é da estrada deste imenso país cheio de contradições, que escrevo esta Nota. Algumas pessoas de nossa Comissão, que moram no Estado do Tocantins participarão da celebração pascal e plantio de Sebastião no campo santo da cidade de Araguaçu, TO.

A dor é grande, a esperança é maior. Esperança de uma sociedade alicerçada na Justiça e na Paz, gerando mulheres, homens, famílias e sociedade não violentas. Pessoas e entidades que desejarem enviar mensagens à família de Sebastião podem fazer através de nosso e-mail: justpazdominicanos.org.br
Indignados pela crescente violência e, na certeza que o grão de trigo que morre, ao ser plantado na terra, produz frutos (cf. Jo 12, 24) e solidários com a família de Sebastião e com a família nacional dos/as defensores/as dos Direitos Humanos, enviamos o nosso fraterno abraço, no silêncio da dor.

 

Um réquiem para Oderfla

Quem o conheceu não esquecerá jamais. Oderfla Silva Almeida, OSA, Flafá, Fifa, nome estranho e apelidos idem. Nunca ligou para este nome, um anagrama de Alfredo, que soava feminino para quem não o conhecia. Viveu com ele 75 anos de muita agitação. Foi-se agora, em fevereiro deste ano, depois de uma longa internação em consequência de três sucessivos acidentes vasculares cerebrais, que o calaram e derrubaram. Sequelas de uma vida vivida e celebrada num ritmo acelerado e intenso.

Dotado de uma enorme sensibilidade artística e social, Oderfla militou simultaneamente em diversas frentes, da política estudantil na brava Faculdade Nacional de Filosofia, a Fenefi, nos tempos da ditadura, ao jornalismo, carregando a vocação musical na base de seu temperamento, com a boemia fazendo o contraponto de todos os movimentos. Era num boteco em pé com o cotovelo no balcão ou na mesa de um bar, em companhia dos amigos que ele se realizava, relatando com humor suas histórias, sempre gesticulando com exagero e falando muito. Nestas rondas de bares, rabiscados em guardanapos, deixou esboços de crônicas e contos, que ia espalhando e largando para trás.

Oderfla veio do morro do Coco, pequeno distrito de Campos e morava em Niterói. Primeiro tentou a medicina e depois mudou para o jornalismo, onde o encontrei no cursinho pré-vestibular da Fenefi. Integrou o diretório acadêmico presidido por Sérgio Campos e passou pelas redações dos finados Correio da Manhã e Jornal do Brasil, trabalhou na sucursal Rio da Editora Abril, fez frilas, ficou pela estrada em diversos momentos e terminou sua labuta profissional na assessoria de imprensa do BNDES, onde se aposentou.

 Vascaíno do tempo do Expresso da Vitória, que imortalizou Barbosa, o príncipe Danilo e Ademir “queixada”, com o massagista Mário Américo na foto do time, turfista amador, transformava sonhos em milhares do jogo de bicho. Cantou, amou e desejou todas as mulheres do mundo, independente da cor dos olhos e da tendência política, fosse ela bolchevique, reformista ou alienada.

Foi antes de tudo um ser musical, seu corpo emitia sons, um senhor percussionista no manejo do atabaque e do bongô, no pandeiro, na bateria ou na caixa de fósforos. Um temperamento musical múltiplo, amante e profundo conhecedor da música clássica. Possuía um ouvido soberbo, capaz de reproduzir os acordes de uma sinfonia ou de uma sonata de cada um dos seus compositores eleitos. Levou pela primeira vez ao Teatro Municipal vários de seus amigos, ensinando-os a ouvir.

Um tipo franzino, inquiteto, irreverente, desprendido e bem humorado, um verdadeiro clown, sempre pronto a transgredir, que precisávamos ter do nosso lado. Difícil esquecer este Oderfla.

Álvaro Caldas, escritor e jornalista, foi amigo de Oderfla