EDITORIAL

Memória Para Uso Diário

“O passado não se constitui
depois de ter sido presente, ele
coexiste consigo como presente.”
(Gilles Deleuze)

Esta pequena e complexa frase de Deleuze nos fala sobre como o passado como força se atualiza constantemente no presente e permite a invenção do futuro. Ela nos mostra como tais forças que trazem o novo, o impossível, a liberdade se presentificam nos mais diversos acontecimentos através das mais diversas formas. Formas que dão passagem, que atualizam e fortalecem essas forças de afirmação da vida. Forças que bradam por liberdade, por formas ainda impensáveis, pela invenção de outros mundos. Forças que há 40 anos atrás, por exemplo, atravessavam e se faziam presentes nos atos de resistência contra o terrorismo de Estado que se implantara em nosso país com o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964.

Forças que, em seu constante processo de diferenciação, estiveram nos atos generosos de uma geração que, nos anos de 1960 e 1970, lutou por mais liberdade e pela possibilidade de inventar. Forças que, nos dias de hoje, se fazem também presentes em pequenos e, muitas vezes, invisibilizados acontecimentos.

No dia 18 de março último, por exemplo, descobrimos espantados um enorme grafite, em uma das pilastras do Viaduto Paulo de Frontin (RJ), que mostra o rosto do desaparecido político Carlos Alberto Soares de Freitas com a seguinte inscrição: "mártir da democracia brasileira”. Jovens grafiteiros atualizam, 40 anos após o desaparecimento de Carlos Alberto (preso em 15 de fevereiro de 1971 e levado para a Casa da Morte, em Petrópolis) as forças presentes neste guerrilheiro à época.

Ou seja, a memória vaza, escorre, se afirma das mais diversas formas, por mais que queiram cristalizá-la, aprisioná-la em uma história oficial dita como a verdadeira.

As forças que levaram diferentes gerações a questionar o já dado, o instituído e percebido/produzido como natural, eterno e ahistórico se fazem presentes no grafite que lembra as resistências de 40 anos atrás.

As mesmas forças que estão nos homenageados desta 23ª Medalha Chico Mendes de Resistência. Forças que nos empurram para afirmar que queremos uma outra “Comissão Nacional da Verdade”, pois estas memórias não podem ser tamponadas e ignoradas. Não podem ser negociadas!

Por isto, não há como pensar o presente e inventar o futuro ignorando o que aconteceu e o que acontece neste mundo de controle globalizado. Neste mundo que acena com o “está tudo dominado” e exige a adesão e a passividade de todos.

Diferentemente, estas forças que sempre escapam apontam para a possibilidade de novos olhares, novas percepções, novos modos de estar e inventar cotidianamente nossas vidas. É o desafio que temos!

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!

Diretoria do GTNM/RJ
Rio de Janeiro, 1º de abril de 2011