O OVO DA SERPENTE E O DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

“O conservadorismo moderado absorveu os alternativos em seu fortalecido fluxo movido pela democracia pluralista como valor universal. Numa era de democracia planetária, paradoxalmente, vivemos sob uma crescente quantidade de leis e
normas punitivas rodeadas de medidas de exceção”.
(Núcleo de Sociabilidade Libertária – Hypomnemata, 126, PUC/SP).

Neste 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, nada há para comemorar. Planetariamente vivemos o fortalecimento do fascismo social. No Brasil tais forças também encontram-se presentes, sendo adubadas pelas políticas chamadas de “segurança pública”.

Com a justificativa de “defesa da sociedade” temos, em especial, no Rio de Janeiro, a escalada vertiginosa de práticas terroristas por parte do Estado que, em nome da ordem e da lei, estão produzindo o apoio massivo da população a tais medidas. Medidas que, em nome da “segurança pública” produzem medo, insegurança e pavor, trazendo o óbvio apoio a elas.

Em nome desta “segurança pública” alguns precisam morrer; alguns precisam ter suas casas invadidas; alguns precisam ser revistados, monitorados, presos e, se necessário, eliminados. Pedem-se leis mais duras, rígidas e repressivas. Já temos assistido a este filme em muitos momentos de nossa história.

O “Ovo da Serpente” germina, fortalece-se, em especial, nos períodos que antecedem à implantação de lógicas totalitárias. Foi assim com a ascensão do nazi-fascismo, com os golpes civis-militares em toda a América Latina.

O Estado brasileiro, em especial o do Rio de Janeiro, em ação conjunta com os grandes meios de comunicação, tem sido capaz de criar um clima de terror, de medo, de insegurança e, com isso, conseguido o apoio em massa a essas medidas fascistas. Medidas essas que incidem e agridem com maior força principalmente sobre os amplos segmentos marginalizados e empobrecidos da população brasileira. Assim, pedimos controle maior sobre os “perigosos sociais” e, em realidade, não percebemos que estamos pedindo mais tutela, mais repressão sobre todos nós.

O medo justifica tais ações e não nos damos conta de que ficamos à mercê de tais políticas; não nos damos conta de que nossa vida vai sendo invadida, vasculhada, monitorada em nome da própria Vida, em nome dos direitos humanos. Há que estranhar e não naturalizar as encenações midiáticas que, em tempo real, nos levam para o terreno da guerra, lugar onde “vale tudo”.

É neste quadro onde mais se fala de paz, de liberdade, de direitos. É neste quadro que se dá a expansão do sistema penal, o aumento da vigilância e a inculcação do dogma da pena. Para se pensar este poder penal-punitivo-repressivo que se espalha por todo o planeta, há que se colocar em análise as estratégias que vêm sendo produzidas para se ter o apoio de vastos segmentos da população no sentido de conseguir um bom e azeitado funcionamento desse poder.

Neste tipo de sociedade as grades, celas e muros visíveis e invisíveis se fazem cada vez mais presentes, aliando-se a vigilâncias eletrônicas e a tecnologias avançadas de informática de última geração.

Tais lógicas estão presentes em todo o tecido social, nos atravessando e nos constituindo em algum grau, nos fazendo vibrar com as cenas de violência, a cada movimentação policial, nos fazendo entendê-las como necessárias, desejáveis, senão como um bem, ao menos como um mal menor. Fortalecem subjetividades acuadas, amedrontadas, tementes, despotencializadas, extremamente interessantes para um Estado que passa a tutelar cada aspecto da nossa vida. Esses processos de subjetivação são produzidos, fortalecidos e apresentados como os únicos e melhores modos de estar e viver neste mundo.

Clarice Linspector, em um lindo texto, aponta como funcionam essas produções de subjetividades: Recrutam-nos sem que nos demos conta disso. Marchamos como bons “soldados-cidadãos”. Diz ela:

“Os passos estão se tornando mais nítidos. Um pouco mais próximos. Agora soam quase perto. Ainda mais. Agora mais perto do que poderiam estar de mim. No entanto, continuam a se aproximar. Agora não estão mais perto, estão em mim. Vai me ultrapassar e prosseguir? É a minha esperança. Não sei mais em que sentido percebo distâncias. É que os passos agora não estão apenas próximos e pesados. Já não estão apenas em mim. Eu marcho com eles.” (Recrutamento, 1999:84).

 

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!

Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2010
Diretoria do GTNM/RJ