Dyrce Drach

No dia 26 de setembro, não só o GTNM/RJ faz 25 anos, mas também Dyrce Drach faz 80 anos. Em abril de 2008 ela recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, e hoje, mais uma vez a homenageamos, dedicando-lhe esta página, simples homenagem para quem dedicou toda uma vida à defesa dos direitos humanos.

Nascida no Rio de Janeiro em 26 de setembro de 1930, de origem judaica, Dyrce cedo se interessou pelas ideias socialistas. Desde os 15 anos fez parte da juventude comunista. Ingressou na Faculdade de Direito do Distrito Federal, atual UERJ, formando-se em 1954. Passou a secretariar Jorge Amado por indicação do Movimento da Paz, vinculado ao PCB. Conheceu, entre outros, Apolônio de Carvalho que, em seu livro de memória, lhe dedica as palavras: “Dyrce, a companheira dos mesmos sonhos e esperanças”.

Por concurso público foi trabalhar no Ministério de Educação (MEC) em Brasília, em 1960, como assessora do Professor Darcy Ribeiro, então Ministro da Educação, ligação de amizade e colaboração que se manterá até a morte do educador.

Quando, em 1969, o número de amigos presos pelas forças da repressão se tornou muito grande, Dyrce retomou sua carreira de advogada e tornou-se uma requisitada defensora. Retornou ao Rio de Janeiro em 1970 e foi trabalhar no escritório de Lino Machado Filho, com o qual fez um trato: defenderia os clientes encaminhados por ele, mas o escritório daria cobertura aos amigos que não pudessem pagar.

A partir de 1975 integrou o grupo fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) junto com Dom Mauro Moreli e Dom Adriano Hypólito, entre outros, e passou a atuar em questões agrárias, fundiárias e de direitos humanos. No início dos anos de 1980 atuou na Secretaria de Cultura, no primeiro governo Brizola, voltando a assessorar Darcy Ribeiro na vice-presidência da Funarj.

Em 1992 assumiu a Coordenação do Centro de Defesa Dom Luciano Mendes (CDDLM) da Fundação São Martinho, que objetiva prestar assistência jurídica a crianças e adolescentes pobres, além de formular políticas públicas que garantissem a defesa de seus direitos básicos.

Foi membro da Comissão de Direitos Humanos OAB/RJ e Coordenadora na área de Direitos Humanos do Escritório Modelo da Ordem dos Advogados do Brasil. Integrou o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, representando a Fundação São Martinho.

Por ocasião do recebimento da Medalha Chico Mendes, sua amiga Ana Lúcia Siaines de Castro escreveu:

“Ser amiga da Dyrce é um destes privilégios que se tem que guardar bem fundo no coração, parafraseando o poeta popular. Foi na convivência com ela que tomei conhecimento de seu envolvimento na luta contra a ditadura e pelos direitos humanos.

Na época de sua ação como advogada de presos políticos, eu estava em outra trincheira, dentro do Brasil, acompanhando meu ex-marido em sua luta pela resistência aqui mesmo, pois ele havia desistido de ficar fora do país. Claro, pagou um preço muito alto por isto, ninguém passa por tal situação impunemente.

Atualmente, sou professora da Unirio, mas trabalhei com ela durante o período em que era museóloga e diretora do Museu da Imagem e do Som, na Funarj, e nos governos Brizola quando éramos assessoras do vice-secretário de Cultura, Mércio Gomes, por muitos anos. 

Conheço Dyrce Drach há quase 30 anos e venho acompanhando a dedicação aos clientes, sobretudo aos presos políticos, e como foi sua luta na Coordenação Jurídica da Fundação São Martinho, com aqueles meninos que tinham nela uma âncora como eles nunca sonharam. Creio que quem a teve como advogada sabe melhor do que eu tudo isso que relato.

Bem, nem poderia deixar de comentar seu apurado gosto pela música, cujos concertos ela só falta se estiver muito cansada; caso contrário, ela comparece acompanhada de suas amigas, para as quais sempre consegue convites ou compra com antecedência os ingressos, com a maior disposição.

Ano passado fui prestar homenagens a uma amiga que foi agraciada com a Medalha Chico Mendes, a Dra. Érica Bayer in Roth, em cerimônia de uma emoção que eu não imaginava e, ali, me dei conta que Dyrce Drach deveria ganhar esse reconhecimento.

Não só por tudo que ela já fez como advogada de presos políticos, mas como uma das fundadoras e assessoras da Pastoral da Terra (CPT) e, sobretudo, pelo que ela faz e continuará fazendo, tenho certeza disso.

Não preciso nem dizer que ela, para mim, é como minha segunda mãe, minha e de muitas amigas feitas pela vida afora que ficaram muito contentes com essa homenagem.

Quando preparei o dossiê sobre ela, para encaminhar à comissão do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, pois me pediram um memorial e alguns dados sobre sua atuação, por incrível que pareça, verifiquei que ela não tem um currículo. Claro, quem a conhece não vai estranhar; suas atividades sempre foram de aceitar a questão e trabalhar, trabalhar, sem descanso. Como disse Margarida Pressburger, da OAB, ao parabenizar a advogada – a homenagem é o reconhecimento aos quase 60 anos que Dyrce Drach dedicou à luta em defesa da dignidade e liberdade da pessoa humana.

Assim, eu e alguns amigos mobilizamos ex-clientes, clientes e amigos de longa data a dar um depoimento sobre Dyrce Drach para encaminhar à Comissão do GTNM/RJ.

Os textos, muito deles emocionados, só fazem confirmar o que eu e todos que com ela convivem sabem: foi um reconhecimento mínimo que fez jus à atuação incansável de Dyrce Drach em sua atividade profissional e coerência política, tão rara de se ver.

Atualmente, como coordenadora do Escritório Modelo para Direitos Humanos da OAB/RJ, orienta estagiários que têm o privilégio de conviver com ela, dedicando-se da mesma maneira ao atendimento de famílias e adolescentes que procuram por ajuda e apoio jurídico.

A Medalha Chico Mendes de resistência não poderia estar em melhores mãos.”

Ana Lúcia Siaines de Castro
Museóloga; Professora Adjunta da Unirio;
Autora do livro: “Memórias Clandestinas e sua museificação”