TORTURA ONTEM E HOJE

 

“Falar do passado recente e de sua incrível capacidade de não passar (...). Mostrar (...) a maneira insidiosa que a ditadura militar brasileira encontrou de não passar, de permanecer em nossa estrutura jurídica, em nossas práticas políticas, em nossa violência cotidiana (...)”.
(Edson Teles e Vladimir Safatle)



Estes importantes alertas contidos no livro “O que Resta da Ditadura” (Boitempo, 2010) nos remetem não somente à questão das memórias, da história daquele terrível período que continuam tamponadas, silenciadas e execradas. Apontam também e, especialmente, para práticas que foram fortalecidas pela ditadura civil-militar e que estão hoje, no cotidiano, não somente no Estado, em seus agentes e equipamentos ditos de segurança social, em suas políticas ditas públicas, mas em nós também através das massivas produções de certos modos de pensar, sentir, perceber e agir no mundo. Produções que nos levam a acreditar em poderes transcendentes e em práticas de “limpeza social” que irão nos salvar dos “perigosos” que enchem nossos campos e cidades. Aplaudimos entusiasticamente, ações e leis duras e rigorosas, mais lei, ordem e, se necessário, mais repressão. Vide o apoio ao “choque de ordem”, política que vem sendo implementada no estado do Rio de Janeiro.

Neste 26 de junho, Dia Internacional de Luta Contra a Tortura, temos um panorama cada vez mais perverso: a prática da tortura se banaliza, naturaliza-se, sendo aceita por muitos como necessária, em certos momentos, para certas pessoas. Defende-se, via Estados Unidos, a tortura light, a tortura científica executada pelos técnicos treinados por alguns profissionais como psicólogos e assistentes sociais.

Retrocede-se a passos largos. Uma grande onda conservadora nos atravessa e constitui. O fascismo social e o Estado de Exceção com seus matáveis e seus campos de concentração se tornam uma realidade cada vez mais contundente.

Entretanto, apesar de algumas “derrotas” parciais – decisão do STF sobre a Lei de Anistia, revisão vergonhosa do PNDH-3, mis-em-scènes midiáticas eleitoreiras, acordos espúreos, poderio da mídia hegemônica em produzir/fortalecer certos modos de perceber e estar no mundo –, apesar do controle quase que total sobre a vida, esta sempre escapa, sempre vaza.

É, sem dúvida, fortalecendo tais escapes e vazamentos que poderemos com nossas ações cotidianas afirmar outras memórias, outras histórias, não permitindo que o período de ditadura civil-militar desapareça de nossa história, que as torturas de ontem e de hoje continuem escondidas e, mesmo, naturalizadas e aceitas.

Daí, a importância de pensar e problematizar “por que o legado da ditadura teima em não terminar, porque os corpos de seus mortos ainda não foram acolhidos pela memória”, nos lembram Teles e Safatle em seu belíssimo livro.

Por tudo isto, continuamos nossa luta: Pela abertura ampla, geral e irrestrita de todos os arquivos da ditadura civil-militar!
Que todos possam saber como, onde, quando e por que foram assassinados centenas de opositores políticos no período de 1964 a 1985 e, ainda hoje, como a chamada violência urbana executa e desaparece com os considerados dispensáveis, com os considerados perigosos para este sistema.

Pela Vida, Pela Paz
Tortura Nunca Mais!

Rio de Janeiro, 30 de maio de 2010
Diretoria do GTNM/RJ