Corte Interamericana de Direitos Humanos – OEA julga Governo Brasileiro

Representantes brasileiros das famílias dos mortos e desaparecidos na
Guerrilha do Araguaia, presentes à audiência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos – OEA, em São José da Costa Rica,
nos dias 20 e 21 de maio de 2010.




HISTÓRICO


Caso Araguaia x Estado Brasileiro

“A única luta que se perde é a que se abandona

Entre os anos de 1972 e 1975, período de ditadura civil-militar, as Forças Armadas brasileiras realizaram uma série de operações militares na região sul do estado do Pará, na divisa com os estados do Maranhão e Tocantins, que compreendia uma área de aproximadamente 7.000km2, com o objetivo de erradicar a chamada Guerrilha do Araguaia. Tratava-se de um agrupamento de homens e mulheres, membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e camponeses locais, que haviam implantado uma guerrilha de oposição ao regime militar na região. Durante as operações, os agentes da ditadura foram autores de graves violações aos direitos humanos – como detenções ilegais e arbitrárias, torturas das mais cruéis (muitos tiveram mãos e cabeças cortadas), execuções sumárias e desaparecimentos forçados – perpetradas contra os militantes do PCdoB e os camponeses da região. 70 guerrilheiros estão desaparecidos desde então.

Devido a esses fatos, em 19 de fevereiro de 1982, foi ajuizada uma ação de responsabilidade da União, perante a Justiça Federal, no Distrito Federal, na qual 22 familiares de desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia solicitavam o esclarecimento das circunstâncias das mortes, bem como a localização dos restos mortais e os respectivos atestados de óbitos daqueles militantes.

Decorridos sete anos, em 27 de março de 1989, o juiz Vicente Leal Araújo expediu uma sentença em que julgava extinto o referido processo sem julgamento do mérito. Os autores apelaram dessa sentença, em 18 de setembro de 1989, ao Tribunal Regional Federal que, somente em 17 de agosto de 1993, deferiu o recurso por unanimidade.

No entanto, a União recorreu ao Superior Tribunal de Justiça e o processo se arrastou durante vinte e um anos quando, somente em 30 de junho de 2003, foi assinada a sentença 307/2003 pela juíza titular da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dra. Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, determinando a quebra do sigilo das informações militares de todas as operações referentes à Guerrilha do Araguaia.

Devido à morosidade da justiça brasileira, as famílias dos desaparecidos representadas pelo Centro pela Justiça e Direito Internacional (Cejil), pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ (GTNM/RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos/Desaparecidos/SP apresentaram petição inicial à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 7 de agosto de 1995, e continuaram exigindo justiça e verdade.

Em 26 de março de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou essa demanda à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, solicitando que fosse determinada responsabilidade internacional do Estado brasileiro pelo descumprimento de suas obrigações internacionais ao incorrer em violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica).

A CIDH concluiu que os recursos de natureza civil que visavam obter informações sobre os fatos não foram efetivos para garantir aos familiares de desaparecidos o acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia. Também considerou que as medidas administrativas e legislativas, adotadas pelo Brasil, restringiram de forma indevida o direito ao acesso à informação de tais familiares. Finalmente, a Comissão determinou que o Estado brasileiro violou a integridade física e psicológica dos familiares pelos desaparecimentos forçados de seus parentes, a impunidade dos agente responsáveis, e pela falta de justiça, informação e verdade.

Em prosseguimento ao encaminhamento do processo, nos dias 20 e 21 de maio, aconteceu a audiência do Caso Araguaia, na sede da Corte Interamericana da OEA, em São José, na Costa Rica, para ouvir os familiares, peritos, outras testemunhas e o Estado brasileiro no sentido de contribuir para o estabelecimento da verdade. Compareceram à audiência, como testemunha e representante das vitimas: Belisário dos Santos Junior, Criméia Alice Schmdit de Almeida e Elizabeth Silveira e Silva. Em conjunto o Cejil e c a Comissão Interamericana compareceram as testemunhas: Laura Petit da Silva e Marlon Alberto Weichert. E como perito representando as famílias e a CIDH: Rodrigo Uprimny. Pelo Estado brasileiro esteve presente José Gregori e Paulo Sepúlveda Pertence como testemunhas e como perito o Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Corregedor do Conselho Nacional de Justiça: Gilson Dipp.

Os representantes das famílias solicitaram que a Corte determinasse algumas medidas de reparação, dentre as quais: que o Estado brasileiro investigue e processe, perante a jurisdição penal comum, os perpetradores das violações, determinando responsabilidades; solicitam que a Corte determine que o Estado brasileiro exija a devolução de todos os documentos oficiais que estejam ilegalmente nas mãos de particulares; proceda de imediato a busca e a localização dos desaparecidos, assegurando que sejam respeitadas as garantias de devida diligência essenciais na investigação de casos dessa magnitude, e instale uma Comissão da Verdade e Justiça, cujo planejamento e constituição deverão seguir parâmetros internacionais e contar com a participação das famílias.

A decisão da Corte Interamericana devera ser apresentada de três a sete meses, aproximadamente, após a audiência.

 


 

Apoio do Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL

 

Brasil enfrenta Primeiro Julgamento Internacional por Crimes Cometidos na Ditadura Militar

A audiência Pública do primeiro julgamento internacional contra o Brasil por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985) será realizada nos próximos dias 20 e 21 de maio na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em San José, Costa Rica. O caso Gomes Lund e outros v. Brasil, também conhecido como “Guerrilha do Araguaia”, trata da detenção arbitrária, tortura, execuções sumárias e desaparecimento forçado de pelo menos 70 pessoas durante operações das Forças Armadas brasileiras, executadas entre 1972 e 1975, com o objetivo de destruir um movimento de resistência à ditadura.

Apesar das iniciativas de familiares e organizações de direitos humanos ante a Justiça brasileira, durante mais de 30 anos o Estado se negou a entregar informações acerca do paradeiro dos desaparecidos e desaparecidas, ou a iniciar uma investigação criminal séria que esclarecesse os fatos e determinasse responsabilidades. Para negar-se a atuar, o Estado apoiou-se na Lei de Anistia, promulgada em 1979 pelo Governo Militar.

Os funcionários estatais envolvidos nas graves violações aos direitos humanos, que atuaram em nome da ditadura, foram incluídos entre os beneficiários da Lei de Anistia, mediante uma interpretação política que foi dada a esse texto, embora este não os contemplasse explicitamente.

A Corte Interamericana analisará a Lei de Anistia, por ser esta considerada pelas vítimas como o principal obstáculo à investigação, ao esclarecimento dos fatos e ao julgamento de graves violações aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade cometidos durante o regime militar brasileiro.

O Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo – representantes das vítimas – esperam que a Corte emita uma sentença contra o Brasil na qual estabeleça a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro pelas violações aos direitos humanos das vítimas, que se pronuncie acerca da incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e com a jurisprudência internacional e que ordene ao Estado ações para garantir às vítimas, a seus familiares e toda a sociedade brasileira os direitos à verdade, justiça, memória e reparação, assim como a não-repetição dos fatos.

Em 20 de maio, os representantes das vítimas explicarão à Corte os fatos do caso e apresentarão como testemunhas familiares de desaparecidos e falecidos, bem como especialistas sobre questões relacionadas à Lei de Anistia, justiça de transição e a ineficácia das medidas adotadas pelo Estado no que tange ao conhecimento da verdade e à realização da Justiça. Em 21 de maio, os representantes das vítimas e do Estado exporão suas conclusões. A Corte não emitirá sua sentença de imediato. Até o dia 21 de junho as partes têm tempo para apresentar suas alegações por escrito e, posteriormente, a Corte deliberará sobre a sentença, processo que normalmente demora alguns meses.




Apoio da FEDEFAM

Verdade, Memória e Justiça pelos Desaparecidos do Brasil

A luta dos familiares dos mortos/desaparecidos da América Latina é incessante na busca de esclarecimentos sobre o paradeiro de seus parentes. Sem dúvida os familiares brasileiros, nucleados na organização “Tortura Nunca Mais” membro da FEDEFAM exemplificam esta luta. Depois de quase 40 anos de luta, esses familiares estão, finalmente, vivendo um momento histórico enquanto a Corte Interamericana  de Direitos Humanos se prepara para proferir a sentença  do caso “Guerrilha do Araguaia. Nos sentimos representados nessa luta e sabemos que o resultado final deste caso vai afetar cada um de nós. Por isso, a FEDEFAM se solidariza totalmente com a luta do GTNM/RJ e convida as associações membros, grupos de Alois, organizações de direitos humanos e de solidariedade a somar-se ativamente a esta luta enviando mensagens à Corte:  corteidh@corteidh.or.cr ao presidente e membros da Corte Interamericana de Derechos Humanos, con copia a gtnm@alternex.com.br e para Victoria Grabois vlavinia@terra.com.br. Ver www.torturanuncmais-rj.org.br.

Patricio Rice
Assesor da FEDEFAM
22 de maio de 2010


Apoio da Anistia Internacional

DECLARAÇÃO PÚBLICA

O Brasil e seu Passado diante da Corte Interamericana:
a Jurisprudência do Tribunal não Deve Mudar

Nos dias 20 e 21 de maio, em São José da Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realizará uma audiência pública sobre o caso “Guerrilha do Araguaia” (Caso No. 11.552, Júlia Gomes Lund e outros v. Brasil). Nesta ocasião, a Corte ouvirá os representantes das vítimas, as testemunhas e os peritos, assim como os representantes do Estado brasileiro, no que diz respeito às detenções arbitrárias, às torturas e aos desaparecimentos forçados de várias dezenas de pessoas praticados pelas Forças Armadas do Brasil naquela região do país durante a década de 1970.

No cerne da questão está a Lei de Anistia introduzida pelo governo militar brasileiro em 1979, a qual tem impedido qualquer investigação sobre o destino de ex-integrantes da chamada "Guerrilha do Araguaia", composta por membros do Partido Comunista do Brasil.

Contrariamente à decisão dos tribunais supremos da Argentina, do Chile, do Peru e do Uruguai, onde as leis de anistia foram descartadas por estarem em contravenção às obrigações contraídas pelos Estados em virtude do direito internacional, uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil indicou que a Lei de Anistia de 1979 era constitucional, e insistiu, mais uma vez, em sua aplicabilidade.

As leis de anistia que pretendem isentar de responsabilidade penal aqueles indivíduos que cometeram ou permitiram que se cometessem crimes de direito internacional – como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, tortura, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias – são incompatíveis com as obrigações dos Estados e devem ser declaradas inválidas. Isso foi confirmado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, pelo Tribunal Especial para Serra Leoa, pela Secretaria-Geral da ONU e por diversos órgãos criados em virtude dos tratados internacionais de direitos humanos. O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é um Estado-parte, afirma no seu preâmbulo que os Estados estão "decididos a pôr fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes".

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, tem reiterado em diversas oportunidades que leis de anistia – ou de autoanistia, como nesse caso – não são compatíveis com as obrigações dos Estados segundo o direito internacional. Com efeito, a Corte já sustentou, por exemplo, nos casos de "Barrios Altos", de "Almonacid Arellano" e do "Massacre dos Erres Dos", entre outros, que são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições sobre prescrição e o estabelecimento de exclusores de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e a punição dos responsáveis por violações graves dos direitos humanos, como tortura, execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias e desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por violarem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo direito internacional dos direitos humanos.

Espera-se que, nesta ocasião, a Corte Interamericana chegue à mesma conclusão e que, ao estabelecer a nulidade da Lei de Anistia de 1979, obrigue o Estado brasileiro a adotar medidas que contribuam com a revelação da verdade sobre os crimes cometidos contra membros da Guerrilha do Araguaia e certificar-se de que todos os supostos responsáveis por tais atos compareçam perante tribunais de justiça regulares para que sua responsabilidade penal individual seja determinada. Da mesma forma, a Corte deveria determinar amplas medidas de reparação, em conformidade com os "Princípios e diretrizes básicas sobre o direito das vítimas de violações manifestas das normas internacionais de direitos humanos e de violações graves do direito humanitário internacional de interporem recursos e de obterem reparações".

Em resumo, a Anistia Internacional considera que, em conformidade com a jurisprudência da Corte nessa matéria, a qual não deveria variar, a decisão proferida no caso em apreço deva consagrar que o Brasil não possa argumentar haver qualquer lei ou disposição em seu direito interno que o exima da ordem da Corte para investigar e punir os responsáveis pelos crimes cometidos contra a Guerrilha do Araguaia. Tal decisão deveria ainda garantir que o Brasil não possa voltar a aplicar a Lei de Anistia de 1979, nem argumentar sua prescrição, ou a não-retroatividade da lei penal, nem o princípio ne bis in idem, tampouco qualquer excludente de responsabilidade similar, para eximir-se de seu dever de investigar e de punir os responsáveis.