8 de março de 2010 – Um século do Dia Internacional da Mulher

“A mulher é escrava de sua própria situação: não tem
passado, não tem história.” “O presente envolve o passado e no

passado toda a história foi feita pelos homens. ”

Simone de Beauvoir



A afirmativa de Simone de Beauvoir nos encoraja a seguir buscando o resgate da memória da história da mulher. Sem reconstruir o passado, como compreender a própria condição feminina? Resumi-la em mitos não explica e não satisfaz a nossa ânsia de conhecimento e o nosso desejo de realização. Ligadas que somos por laços biológicos, sociais e afetivos aos nossos opressores – os homens – não há como olvidá-los e à história que com eles partilhamos por milênios...

Em verdade, o “Mistério Feminino” permanece, por mais que busquemos respostas, seja na história – incompleta – ou nas teorias mais humanizadoras, como o materialismo dialético ou o feminismo: a mulher, desde sempre, tem tido uma condição de inferioridade perante o homem; sua condição não lhe permite o mesmo vôo, quer seja físico ou sexual, social ou político, cultural ou religioso.

As incontáveis lutas pela “libertação” da mulher e a extensa literatura sobre a questão feminina produzidas no último século têm nos proporcionado conquistas e avanços concretos, mas, em verdade, sua principal virtude é a ampla exposição do problema e a certeza de que o “Mistério” continua: por quê? Por que a mulher tem esta condição de desigualdade e o que fazer para torná-la compatível com a condição dos outros seres humanos? Como realizar-se plenamente com esta condição?


Que a indignação frente ao fenômeno histórico e cultural não nos deixe perder a capacidade permanente de ousar transformá-lo.

Há 100 anos, em 1910, durante a 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, na Dinamarca, com a participação de Rosa Luxemburgo, Alexandra Kollontai e Clara Zetkin, esta propôs o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher. Este seria um dia para lembrar os sofrimentos e as injustiças por que passam as mulheres, assim como para celebrar suas lutas e conquistas em todo o mundo. Na época, um dos principais objetivos políticos era conquistar o sufrágio universal. As mulheres não votavam ...

Há muitas histórias quanto à motivação desta data, mas, o que se gravou em nosso imaginário foi o assassinato violento de 130 operárias que foram carbonizadas em um incêndio provocado em uma fábrica têxtil de Nova York, quando reivindicavam melhores condições de trabalho, em 1857. No entanto, há muitos eventos sobre a luta das mulheres anteriores a este acontecimento. Desde o final do século XIX, organizações femininas protestaram em vários países da Europa e nos Estados Unidos. As jornadas de trabalho de aproximadamente 15 horas diárias e os salários medíocres introduzidos pela Revolução Industrial levariam as mulheres a greves para reivindicar melhores condições de trabalho e o fim do trabalho infantil, comum nas fábricas durante o período.

Somente mais de 20 anos depois, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) assinou o primeiro acordo internacional que afirmava princípios de igualdade entre homens e mulheres. A partir de 1960, o movimento feminista se afirmou, e, em 1975, a data foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e este se tornou o Ano Internacional da Mulher.

Um século de conquistas para ovacionar e muitos séculos de discriminações para lamentar!

Nestes quinhentos anos da história brasileira, a mulher tem conquistas a comemorar, consequencia do último século de lutas do movimento feminista. Mas, as marcas da discriminação continuam poderosas. Se, por um lado, conquistamos o voto, ganhamos representações nos governos, atendimento especializado em órgãos de segurança, leis e artigos constitucionais que defendem nossos direitos, se hoje exercemos várias profissões antes vetadas às mulheres, e, principalmente, se impusemos o direito de reivindicar em praça pública, por outro lado, há muita discriminação a lamentar.

Em um pequeno panorama podemos lembra: a violência contra a mulher é uma das mais radicais manifestações de discriminação e ocorre a toda hora na rua, locais de trabalho e dentro dos lares, culminando, muitas vezes, em assassinatos e suicídios; a falta de assistência à saúde da mulher cuja maternidade mata na gravidez, no parto e no aborto: milhares de mulheres por ano têm sérias complicações de saúde, muitas chegando à morte pela prática de aborto inseguro; a interrupção voluntária da gravidez é um problema de saúde pública que tem sido tratada como um crime; no trabalho, as mulheres possuem rendimentos mais baixos que os dos homens, ainda que em média tenham níveis de escolaridade mais elevados. as taxas de desemprego evidenciam a marca da desigualdade que é maior para as mulheres negras; a jornada média semanal das mulheres alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a dos homens (52,3 horas): é a dupla jornada de trabalho; a educação continua sexista, diferencia a mulher pela sua condição histórica de dominação patriarcal; faltam creches para atender às mulheres que têm filhos pequenos e precisam participar do mercado de trabalho; e, as mulheres não têm espaço nas esferas de poder: são poucas nos parlamentos; suas reivindicações específicas geralmente ficam à margem das negociações dos sindicatos; os orçamentos públicos não incluem parcela necessária ao atendimento dos direitos das mulheres.

Neste ano de comemoração dos cem anos da criação do Dia Internacional da Mulher, temos o dever de homenagear todas aquelas que lutaram e lutam por um mundo mais justo e mais igual para homens e mulheres: todas as pioneiras que em séculos idos, correndo sérios perigos, afrontaram poderes constituídos, sendo consideradas bruxas ou demoníacas; todas as que, junto com os homens, lutaram guerras heróicas e nunca levaram os louros das vitórias; as mulheres que sob os mais sutis disfarces, outras roupas ou outros nomes, realizaram os seus talentos; aquelas que empreenderam os primeiros movimentos organizados, elaboraram os primeiros jornais e revistas femininos. Temos que reverenciar as mulheres brasileiras, desde as índias e negras de após o descobrimento, que se rebelaram contra os colonizadores, passando pelas que defenderam as liberdades e a democracia, pelas guerrilheiras que na cidade ou no campo morreram por ideais de justiça, até as que estão hoje, no asfalto e nas favelas, nos parlamentos e nos sindicatos continuando esta saga que é a peleja por um lugar ao sol do tamanho do de todo mundo.

Às meninas africanas que têm seus clitóris amputados, às talibãs que são obrigadas a cobrir todo o corpo com burcas, às mulçumanas que são apedrejadas em praça pública, às brasileiras que são violentadas, estupradas e assassinadas, às mulheres de qualquer parte do mundo – e que são muitas – que são obrigadas a ceder – o que quer que seja – em nome da herança bestial, a milenar superioridade masculina, as nossas homenagens.

 

Luiza Miriam Ribeiro Martins