ABERTURA DOS ARQUIVOS DA DITADURA JÁ!

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ lamenta profundamente comunicar o falecimento de cinco mulheres mães de desaparecidos políticos durante a ditadura civil-militar brasileira

Em 19 de dezembro de 2009, faleceu a Sra. Aminthas Rodrigues Pereira, mãe de Idalísio Soares Aranha Filho, desaparecido na Guerrilha do Araguaia desde 1972. Em janeiro último, a Sra. Rizoleta Meira Collier, mãe de Eduardo Collier Filho, militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML) desaparecido em 1974, no Rio de Janeiro. No mês de fevereiro perdemos: a Sra. Osória Calatrone, mãe de João Gualberto Calatrone, também desaparecido no Araguaia desde 1973; Sra. Luiza Gurjão Farias, mãe de Bergson Gurjão Farias, desaparecido na Guerrilha do Araguaia em 1972; e Sra. Felícia Nardini de Oliveira, mãe da militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Isis de Oliveira desaparecida desde janeiro de 1972.

O GTNM/RJ homenageia as mulheres/mães que morreram sem quaisquer informações que permitissem a elucidação das circunstâncias das mortes de seus filhos, bem como esclarecimentos sobre seus paradeiros. Nosso jornal, com pequenos fragmentos das vidas dos seus filhos, expõe em breve narrativa, a luta que cada um deles empreendeu durante aqueles sombrios anos; luta voltada para o projeto de um país livre, democrático, justo e igual.

 O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e outras entidades continuam enfatizando a luta pelo total esclarecimento e responsabilização do Estado brasileiro pelos fatos ocorridos no período ditatorial. Ou seja: onde? Como? Quando?  Por quem foram assassinados: Bérgson Gurjão Farias, Eduardo Collier Filho, Idalísio Soares Aranha Filho, Isis de Oliveira e João Gualberto Calatroni?


EDUARDO COLLIER FILHO

Militante da AÇÃO POPULAR MARXISTA-LENINISTA (APML), está desaparecido desde 1974 quando contava 26 anos de idade.

Natural de Recife, Pernambuco, nasceu a 5 de dezembro de 1948, filho de Eduardo Collier e Rizoleta Meira Collier. Era estudante da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, tendo sido cassado pelo Decreto-lei 477.

Foi indiciado em inquérito policial pelo Dops, em 1968, por ter participado do Congresso da UNE, em Ibiúna. Preso no Rio de Janeiro, em 23 de fevereiro de 1974, juntamente com Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, por agentes do Doi-Codi/RJ, desde, então, está desaparecido. No Arquivo do Dops/PR, pesquisado em 1991 pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, o nome de Eduardo aparece em uma gaveta identificada como: “falecidos”.

O Relatório do Ministério do Exército diz que, “conforme reportagem veiculada no Jornal de Brasília, em sua edição do dia 31 de outubro de 1975, o nominado teria sido preso em 23 de janeiro de 1974, no estado do Rio Grande do Sul, após permanecer por um longo período foragido da Justiça Militar. Em setembro de 1972 foi condenado a 2 anos de prisão pela Auditoria do Conselho de Justiça da Aeronáutica.” Já o Relatório do Ministério da Marinha diz que “desapareceu quando visitava parente na Guanabara. Na época respondia processo por atividades políticas na 2ª Auditoria Militar de São Paulo.”

 

JOÃO GUALBERTO CALATRONE

Militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B) está desaparecido desde 1974 na Guerrilha do Araguaia.

Como estudante secundarista, teve grande atuação política no seu estado natal – Espírito Santo. No ano de 1970, foi residir na região do Araguaia, na posse do Chega Com Jeito, próxima a Brejo Grande. No campo, destacou-se como tropeiro e mateiro. Com seu jeito calado, ouvia mais do que falava, mas sempre tinha uma solução para os problemas difíceis que surgiam. Tinha grande capacidade para improvisações.

Foi combatente do Destacamento A – Helenira Resende – das Forças Guerrilheiras. Foi morto em combate, em 14 de outubro de 1973, juntamente com André Grabois, Antônio Alfredo e Divino Ferreira de Souza, numa emboscada, na roça de Antônio Alfredo Campos, às margens do Rio Fortaleza.

Depoimentos de moradores da região dizem haver encontrado, anos depois, uma arcada dentária no local onde provavelmente teriam sido enterrados.


IDALÍSIO SOARES ARANHA FILHO

Militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B) está desaparecido desde 1972 na Guerrilha do Araguaia quando tinha 25 anos.

Nasceu em Rubim, Minas Gerais, no dia 27 de agosto de 1947, filho de Idalísio Soares Aranha e de Aminthas Rodrigues Pereira. Afetivo, carinhoso, observador e de pouca conversa, assim era o Idalísio cantador, seresteiro e tocador de violão.

Era o penúltimo de nove irmãos. Fez o curso primário em Rubim e o ginasial em Teófilo Otoni/MG, no Colégio São José. Em 1962, foi para Belo Horizonte, onde estudou até o 2° ano no Colégio Estadual e o 3° ano no ex-Colégio Universitário da UFMG. Em 1968 participou da “luta dos excedentes” por mais vagas na Universidade. Neste mesmo ano iniciou o Curso de Psicologia na UFMG. Em 1970 casou-se com Walkíria Afonso Costa também desaparecida na Guerrilha do Araguaia.

Foi eleito presidente do Centro de Estudos de Psicologia de Minas Gerais e do Diretório Acadêmico da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas em 1971. Em homenagem póstuma, foi dado o nome de Idalísio Aranha ao Diretório Acadêmico da Faculdade.

Em janeiro de 1971, Idalísio e Walkíria decidiram mudar-se para o Araguaia, região da Gameleira. Como violeiro e cantador, conquistou rapidamente a simpatia daqueles com quem convivia. Pouco tempo viveu no Araguaia.

Em julho de 1972, seu grupo entrou em combate com uma patrulha do Exército, perto da Grota Vermelha, em decorrência do qual Idalísio perdeu-se do grupo. Em 12 de julho de 1972, em Perdidos, a nove léguas a Oeste de Caianos, Idalísio foi emboscado e morto, segundo documento dos Fuzileiros Navais entregue à Comissão de Representação Externa da Câmara Federal, em 1992. O Relatório do Ministério da Marinha diz que Idalísio foi morto em uma localidade de nome Peri, “por ter resistido ferozmente”.

Na mesma época em que Idalísio foi morto no Araguaia, a casa de seus pais em Belo Horizonte foi invadida por policiais que acusavam a ele e Walquíria de pertencerem ao PC do B. Em julho de 1973, depois de morto, foi condenado à revelia à pena de prisão pela Justiça Militar.

 

BERGSON GURJÃO FARIAS


Militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B) nasceu em Fortaleza (CE) no dia 17 de maio de 1947, filho de Luiza Gurjão Farias e Gessiner Farias. Bergson foi um jovem que ainda hoje é lembrado com muita emoção por todos que o conheceram. Atuou no movimento estudantil quando cursava Química na UFC. Foi vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes em 1967, sendo preso durante o 30º Congresso da UNE, em lbiúna (SP), em outubro de 1968. Em consequência, acabou expulso da Universidade com a aplicação do famigerado Decreto 477.

Ainda em 1968, no Ceará, sofreu grave ferimento na cabeça quando participava de um protesto estudantil. Julgado pela Justiça Militar um ano depois, foi condenado a dois anos de prisão. Militante do Partido Comunista do Brasil passou a atuar na clandestinidade, transferindo-se para Caianos, na região do Araguaia.

A identificação dos restos mortais de Bergson foi realizada por meio de exame de DNA de ossada recolhida em 1996 em Xambioá (TO) e somente foi anunciada em julho de 2009. O desaparecimento ocorreu entre maio e junho de 1972. Os restos mortais de Bergson Gurjão Farias foram enterrados no dia 6 de outubro de 2009, no cemitério da Paz em Fortaleza (CE), sua terra natal, 37 anos após sua morte na Guerrilha do Araguaia. Sua mãe, dona Luiza, 94 anos, ainda pode comparecer ao enterro do filho, além dos parentes, amigos, companheiros e autoridades do governo federal.

O retorno de seus restos mortais ao Ceará reforça o compromisso de seguir na busca dos mais de 200 brasileiros e brasileiros que foram mortos pela repressão do regime ditatorial (1964-1985), sem que suas famílias tenham obtido, até hoje, o direito milenar e sagrado de prantear seus entes queridos, promovendo digno funeral..

Sua dedicação generosa à luta pela democracia e pela justiça social seguirá inspirando todos os que sonham com a construção de um Brasil livre de todas as dominações e violências

 

ISIS DIAS DE OLIVEIRA


Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN) nasceu em 29 de agosto de 1941, filha de Edmundo Dias de Oliveira e Felícia Nardini de Oliveira. Iniciou seus estudos no Grupo Estadual Pereira Barreto, onde concluiu o primário. O Ginasial e o Clássico cursou no Colégio Estadual Presidente Roosevelt e no Colégio Sta. Marcelina, respectivamente. Em 1960 concluiu o curso de piano e, posteriormente, estudou inglês na União Cultural Brasil-Estados Unidos.

Além de inglês, falava francês e espanhol. Em 1965 iniciou o Curso de Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Em 1970 passou a morar na cidade do Rio de Janeiro, onde foi presa no dia 30 de janeiro de 1972 quando tinha 31 anos.de sua mãe,

Segundo o depoimento D. Felícia Nardini de Oliveira:

Ísis, em sua infância, foi uma menina simples, tímida talvez. Estudava normalmente. Paralelamente fazia curso de inglês e piano, chegando a formar-se nestes dois cursos. Na adolescência interessou-se em aprofundar cada vez mais seus conhecimentos. Lia com entusiasmo tudo o que se relacionava com Psicologia, Filosofia e História Geral”. “Em 16 de junho de 1970 Ísis foi morar no Rio de Janeiro. A princípio vinha, sempre, visitar-nos em São Paulo. Outras vezes nós a encontrávamos no Rio, em lugares pré-combinados. Um dia, ao despedir-se ela disse: ‘Mãe, se alguma coisa me acontecer, uma companheira dará notícias para vocês’. Eu fiquei muito nervosa com essa informação. No dia seguinte, conforme havíamos combinado, eu fui ao seu encontro. Esperei por várias horas, Ísis não apareceu. Nunca mais a vi”.

Paulo César Botelho Massa, desaparecido político, filho do General Cristóvão Massa e sobrinho de mais três generais, encontra-se desaparecido como Ísis, sem nenhuma informação a mais. Em 21 de junho de 1972, a família soube que Ísis estivera no Cenimar, de lá teria sido transferida para o Aeroporto do Campo dos Afonsos/RJ. Muitas cartas foram escritas pela família: ao Presidente da República, Ministros das três armas, Comandante do I e do II Exércitos, OAB, OEA, ONU, Anistia Internacional, Arcebispos do Rio de Janeiro e de São Paulo, no sentido de encontrar o paradeiro de Isis.

Isis foi indiciada em seis (6) processos. Em três, foi absolvida por falta de provas, os outros três foram arquivados. Em matéria publicada no jornal “Folha de São Paulo”, em 28 de janeiro de 1979, um general com responsabilidade dentro dos órgãos de segurança, reconheceu a morte de Ísis e de mais 11 presos políticos considerados desaparecidos.

Em 08 de abril de 1987, a Revista “Isto É”, em matéria “Longe do Ponto Final”, traz declarações de Amílcar Lobo que reconheceu Ísis no Doi-Codi/RJ, sem precisar a data. No Arquivo do Dops/PR, em uma gaveta com a identificação: “falecidos” foi encontrada sua ficha. Os Relatórios dos Ministérios da Marinha e do Exército insistem em afirmar que Ísis está “foragida”.




ROBESPIERRE MARTINS TEIXEIRA: Uma Vida de Lutas

 

História viva do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (SINPRO-RJ), Robespierre Martins Teixeira, ainda que tivesse partido no dia 6 de fevereiro, permanecerá sempre em nossos corações como exemplo de vida plena de lutas, dignidade, coerência, companheirismo e de respeito e amor ao próximo.

Esse carioca, nascido em um dia 5 de dezembro da década de 1930, desde cedo esteve envolvido com a política.  Com vinte e poucos anos entrou para a antiga Universidade do Distrito Federal onde concluiu o curso de Física e Matemática no ano de 1959. Já então participava intensamente da vida política, sendo presidente do Diretório Acadêmico, militante do PCB, atuando ativamente no movimento popular contra o aumento das passagens dos bondes da Light, em maio de 1956.  Na ocasião, houve então um episódio insólito: em ato inesperado e ousado, Robespierre deitou-se sobre os trilhos, assim impedindo que os bondes pudessem seguir seu curso.

Visando aprimorar sua capacitação política, Robespierre completou curso regular no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Como professor, prosseguiu sua luta junto  do Sindicato dos Professores-RJ (SINPRO-RJ), ao qual se filiou em 25 de setembro de 1959.  Sua atividade sindical envolvia a participação em comissões, em representar a entidade em escolas onde trabalhava, em assembléias da categoria e na divulgação da vida sindical, além de atuar na Federação dos Professores, entidade de caráter nacional.

Como a legislação vigente vedava a existência de sindicatos de professores da rede pública, ajudou a fundar a Associação dos Professores do Estado da Guanabara (APEG) que pode ser apontada como precursora do atual Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (SEPE).

Desde 1960 integrou o corpo de professores da rede estadual, tendo lecionado no C.E. Washington Luís, C.E. Brigadeiro Short, C.E. Barão do Rio Branco e C.E. Souza Aguiar. Em 6 de março de 1964 foi admitido no Colégio Pedro II, onde lecionava Matemática e depois Física, chegando a dirigir o Departamento de Física. Com o golpe de 1º de abril de 1964, a APEG foi fechada, a Federação invadida, o SINPRO-RJ sofreu ameaças de intervenção e teve diretores atingidos por processos inquisitoriais.  Robespierre chegou mesmo a responder a intimações feitas pelo major Cleber Bonecker, famoso torquemada lotado no 1º Batalhão da Polícia do Exército, então dirigindo o Inquérito Policial Militar nº 43 de 1964.  Essa via crucis teve como palco o 14º Batalhão da Polícia Militar no Méier.

Nesse contexto, foi demitido do cargo de professor da rede estadual.  Somente em 1979, com a anistia política, conseguiu retornar  ao magistério estadual.  Como ele próprio repetia, foi a concretização de poder continuar seu trabalho como educador.

Em 1964, apesar do clima de terror então implantado, Robespierre, juntamente com os professores e ativistas políticos Murilo Alves da Cunha e Emir Ahmed, procurou resistir ao regime repressor: centenas de panfletos seriam por eles arremessados do alto do Edifício Central.  O projeto não se consumou porque nos corredores do imóvel não existiam vãos disponíveis para arremessar o material impresso.

Ao longo da ditadura militar Robespierre prosseguiu sua luta como educador, sindicalista e ativista político, tudo culminando com a formação da Chapa Unidade e Democracia, composição político-partidária unindo tendências diversas empenhadas em restaurar a democracia política no país e conquistar melhores condições de vida para os trabalhadores, categoria em que estão inseridos os professores. Coube a Robespierre a vitória da Chapa Unidade e Democracia e a presidência do SINPRO-RJ de 1984 a 1987.

Como sempre, foi intransigente defensor da escola pública, da democracia política e da formulação de propostas por uma sociedade justa, soberana e sem a exploração do homem pelo homem. Ainda que em 2003 requeresse sua aposentadoria da rede pública, continuou batalhando por questões pertinentes à garantia de melhores condições de vida para as classes trabalhadoras e aos homens e mulheres em geral assegurando ser a educação um direito de todos e não o privilégio de alguns.

Robespierre, embora atuante intensa e coerentemente na vida política, amava o bom cinema, a rica música popular brasileira e a vibrante literatura, em especial a instigante poesia.

Não podemos esquecer que, no já distante 31 de maio de 1994, Robespierre e mais quatro professores foram homenageados no SINPRO-RJ como autênticos Mestres-Escola.  Foi uma cerimônia bonita, comovente e merecida aos homenageados. Dois anos antes, em episódio traumático de rupturas do movimento comunista, Robespierre resolveu não mais se filiar a partido algum, o que não significou ter ele renunciado a convicções políticas alienantes.

Companheiro e irmão Robespierre, homens como você transformam o mundo ao atuarem como agentes da História. Você partiu, mas a luta continua.


Rubim Santos Leão de Aquino