25 Anos do GTNM/RJ e 22 Anos da Medalha Chico Mendes

“As forças que estão em jogo na história não obedecem nem a um destino
nem a uma mecânica, mas antes ao acaso da luta”.

(Michel Foucault)


Em abril de 1985, reuniam-se pela primeira vez no Sindicato dos Jornalistas, vários ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos para discutir uma questão pontual que ocorria, naquele momento, no Rio de Janeiro. Veiculava-se pela imprensa a notícia da nomeação do coronel Walter Jacarandá para comandar o Corpo de Bombeiros do Rio. O então Secretário Estadual de Transportes do Rio o ex-preso político Brandão Monteiro – já falecido – reconheceu o cel. Jacarandá como um de seus torturadores e apontou seus crimes em entrevista à imprensa. Outras vozes se levantaram e endossaram as declarações de Brandão, entre elas as de Alcir Henrique da Costa, Álvaro Caldas e Otacílio Frutuoso Roque, todos também torturados por Walter Jacarandá.

Criou-se uma celeuma nos principais jornais fluminenses: mais notícias, mais fotos. E, eis que o Coronel bombeiro José Halfeld Filho – que havia indicado Jacarandá e ocupava o cargo de Secretário Estadual de Defesa Civil do Rio – foi reconhecido como tendo sido agente do aparelho repressivo da ditadura, encarregado da carceragem do DOPS/RJ e do encaminhamento de presas políticas para o DOI-CODI/RJ.

Diante desta situação, aquele grupo de ex-presos e familiares – ainda sem nome – iniciou um movimento no sentido de afastar esses senhores desses cargos de confiança que ocupavam no governo estadual. Outros nomes se somaram a eles como o do major PM Riscala Corbaje, que à época chefiava o Setor de Segurança do antigo BANERJ (Banco do Estado do Rio de Janeiro).

Aquele grupo inicial fez contato com vários ex-presos que contaram suas histórias de prisão e tortura – envolvendo esses três militares e outros – diante do Conselho Estadual de Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos do governo fluminenses. Neste Conselho, tinham acento os Secretários de estado e membros da Sociedade, como o representante da ABI, o advogado Modesto da Silveira. Foi ele, sem dúvida, junto ao grupo de ex-presos e familiares o articulador do movimento que exigia o afastamento imediato dos cargos oficiais de todos aqueles comprometidos com a violência e o arbítrio.

Nesta luta, formou-se o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, lançado oficialmente em 26 de setembro de 1985 em um grande Seminário de cinco noites na Universidade Cândido Mendes. Foi o primeiro de vários que se formaram ao longo dos anos de 1980 e 1990 em vários estados brasileiros.

Queríamos – e ainda queremos – que essas histórias, que esses testemunhos e memórias ainda hoje jogados para debaixo do tapete se façam presentes e se afirmem. Que possamos contar – apesar da falta de vontade política dos diferentes governos pós 1985 – o que ocorreu em nosso país durante o terrorismo de Estado. Que essas histórias possam ser conhecidas por todos os brasileiros! Que possamos saber onde estão os restos mortais dos opositores políticos enterrados, em sua maioria, como indigentes! Que se abram de forma ampla, geral e irrestrita todos os arquivos da ditadura, ainda hoje considerados secretos! Que possamos publicizar e responsabilizar todos aqueles que perpetraram esses crimes!

Não por acaso, a Medalha Chico Mendes de Resistência, criada em 1989, faz 22 anos. Neste período, tenta-se, através desse evento anual do GTNM/RJ, lembrar não só os malefícios trazidos pelo golpe civil-militar e seus nefastos efeitos sofridos, ainda hoje, por todos nós, mas também apontar para a atualidade de nossa luta.

Naquele 31 de março de 1989, alguns oficiais do Exército homenagearam com a mais alta comenda desta arma, a Medalha do Pacificador, vários militares e civis que participaram ativamente dos órgãos de repressão da ditadura brasileira.

Pensou-se na criação de uma Medalha para os resistentes e insurgentes de ontem e de hoje, no sentido de afirmar outros embates, outros personagens, outras memórias, outras lutas. Temos, assim, em todo 1º de abril ou 31 de março, este evento que aponta para os objetivos do GTNM/RJ: lutar contra todo e qualquer tipo de opressão.

Que os 25 anos de existência do Tortura Nunca Mais e os 22 anos da Medalha Chico Mendes de Resistência possam nos fortalecer e nos lembrar que é possível produzir outros modos de estar neste mundo, outros modos de sociabilidade e de relacionamentos, pois sabemos, assim como Hakim Bey que as “relações livres (não governamentais) são perfeitamente possíveis, pois as vivenciamos frequentemente”.

Pela Vida, Pela Paz,
Tortura Nunca Mais!

Diretoria do GTNM/RJ
Rio de Janeiro, 31 de março de 2010