22ª medalha Chico Mendes de Resistência

Ao completar 25 anos de existência, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro homenageia pela 22ª vez, com a Medalha Chico Mendes de Resistência, aqueles que lutam pelos direitos humanos. Criada em 1989, foi uma resposta à homenagem prestada naquele ano, durante o Governo Sarney. a militares e civis que participaram ativamente dos órgãos de repressão durante a ditadura (1964-1983).

O nome de Chico Mendes é uma homenagem muito especial pelo seu trabalho em busca de melhores condições de vida no campo, pela conservação das nossas riquezas naturais, pela defesa de índios e seringueiros. Pelo que fez em prol da liberdade e da justiça, teve morte anunciada e foi assassinado há 21 anos, no Acre.

Mais de duzentas pessoas que lutam ou lutaram nos mais diferentes e múltiplos combates de resistência já receberam a homenagem. Afirmando a memória dos verdadeiros heróis do Brasil e de outros países, a medalha tem cumprido um importante papel na história: lembrar os efeitos dos horrores cometidos por governos ditatoriais, condenar aqueles que se comete até hoje, e não deixar morrer os nomes dos combatentes pela liberdade, dignidade, justiça, e contra toda forma de opressão e tortura.

Participaram da 22ª Medalha Chico Mendes de Resistência, as entidades parceiras: Associação Nossa América, Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia/RJ – DH-CRP/RJ, Comitê Chico Mendes, Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH, Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, Partido Comunista Brasileiro – PCB, e Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.





Homenageados de 2010


ALAYDE PEREIRA NUNES

Alaíde Pereira Nunes começou sua vida política nos anos de 1930, aos 16 anos de idade, quando da primeira tentativa de imposição da ditadura de Getúlio Vargas. Iniciou seu engajamento na luta pelo petróleo nacional, contra o entreguismo e o integralismo. No percurso foi presidente do Movimento Feminino pela Aliança Nacional Libertadora, na seccional de Campos, norte fluminense.

Logo após, em 1935, foi para a ilegalidade junto com seu companheiro de vida e de luta, Adão Manoel Pereira Nunes. Ficou nessa situação até a anistia que veio no ano de 1946. Entretanto, mesmo ilegal, em nenhum momento esmoreceu em sua luta contra as injustiças sociais, bem como pela integridade pátria.

Em 1946, com a anistia concedida por Getúlio Vargas, começaram a florescer novos movimentos políticos de oposição, pois Vargas tornou-se, em verdade, um ditador popular. E, sua luta continuava no território da oposição a esse regime que apenas parecia democrático, mas que na verdade não passava de um engodo.

E o tempo passou... Veio, então, o golpe de 1964, começando aí uma nova fase, quando Alaíde Pereira Nunes foi para o exílio, que durou quatro anos. No exílio sua luta resultou em muitos amigos – alguns que duraram toda uma vida – que chegavam e eram recebidos em sua casa, a qual se tornou, por assim dizer, um reduto de resistência e uma referência para os muitos brasileiros desalojados de sua terra.

Ao retornar ao Brasil, em 1968, tempos difíceis. No auge da ditadura militar que assolava nosso Brasil, tudo tinha que ser feito “por baixo dos panos”. Eram muitas as reuniões e as ajudas a amigos que precisavam se esconder para fugir das caçadas militares, amparadas pelo AI-5. Alaíde participou ativamente de toda uma luta de resistência ao terrorismo de Estado que se implantou no Brasil. Seu espírito revolucionário a impelia, cada vez mais, a lutar por esse país.

Em 1977, o Brasil vivia uma pseudo-abertura política, mas, ainda havia milhares de brasileiros presos e exilados. Foi criado, então, o Movimento Feminino pela Anistia, no qual se engajou imediatamente, para ajudar na libertação dos companheiros presos e dos que longe permaneciam, perdidos pelo mundo, sem identidade, distante da pátria que amavam, da língua... dos seus. No Movimento Feminino pela Anistia conseguiu-se muitas vitórias e a liberação de muitos companheiros.

Com o retorno de Leonel Brizola, em 1979, Alaíde ajudou, junto com seu companheiro Adão e outros tantos a fundar o Partido Democrático Trabalhista – PDT, onde permanece até hoje, sempre lutando contra as injustiças sociais e em prol de um melhor país.

A você, Alaíde, um exemplo de luta e de vida, as nossas homenagens!



ARTHUR JOSÉ POERNER

Arthur Poerner, carioca, nascido em 1939 é escritor e jornalista. Bacharel em Direito, fez pós-graduação em Comunicação. Ex-presidente da Fundação Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, do Sindicato dos Escritores do Estado e ex-professor de Jornalismo da UERJ. No jornalismo, começou em 1962, no Jornal do Commercio; foi diretor da Folha da Semana e redator do Correio da Manhã.

Exilado pela ditadura, a partir de 1970, foi redator e locutor da Voz da Alemanha e correspondente do Pasquim e da Isto é, na Alemanha. De volta, em 1984, foi editor de Cultura da TV Globo e colaborador d’O Estado de São Paulo, d’O pasquim, da revista Cadernos do Terceiro Mundo, e do Jornal do Brasil.

Atuante em muitas áreas culturais, Poerner é letrista, foi parceiro de Candeia, João do Vale, Biafra e Baden Powell em músicas gravadas por Cristina Buarque, Eliana Pitman e Vanja Orrico. É autor da peça Feijoada, premiada, em 1981, pelo Serviço Nacional de Teatro. Foi membro do Conselho de Carnaval da Cidade do Rio de Janeiro. É membro titular do Pen Clube do Brasil e do Conselho Deliberativo e da Comissão de Ética dos Meios de Comunicação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

Mas, o que mais se destaca em sua vida é que, como autor de muitos livros de premiada qualidade literária, fez deles um espaço de denúncia dos “horríveis fatos do dia-a-dia dos terríveis anos da ditadura” como diz Sérgio Britto: “Nas profundas do inferno é um romance que discute e analisa a ditadura militar que assolou o Brasil. Poerner não perdoa: o livro, escrito em 1976, durante o seu exílio, e só publicado no Brasil em 1979, parece ser, mais do que os seus valores literários indiscutíveis, o primeiro romance que rompe com a alienação”.

Romance e documento, como diz Jorge Amado, o livro do Poerner é um “bom exemplo do que deve ser a literatura voltada para a realidade eminentemente política, fazendo dela a massa, o barro, o cerne de sua construção, embora romance, antes de tudo”. Nas profundas do inferno foi lançado na Espanha, premiado na Itália e tem três edições no Brasil.

Autor de muitos outros livros, entre eles: O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros, proibido pela ditadura após o AI-5, relançado, clandestinamente, pelo movimento estudantil, em 1977, e já na 5ª edição; Argélia: o caminho da independência; e Identidade cultural na era da globalização.

É co-autor, entre outras obras, de Assim marcha a família, Memórias do exílio e Nossa paixão era inventar um novo tempo, coletânea de depoimentos sobre a resistência à ditadura militar.

Poerner foi condecorado, em 2000, com a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, e, em 2005, com o Título de Benemérito do Estado do Rio de Janeiro, da Assembléia Legislativa.

E, para finalizar, o texto de Alessandra Daflon:

“Notas, gotas e fragrâncias... aromas do tempo do porvir: breves palavras e Arthur Poerner

Dos bons encontros, novos campos de batalha se constituem, novos enfrentamentos... como escreveu Gilles Deleuze, “encontram-se pessoas (...), mas também movimentos, idéias, acontecimentos, entidades. (...) Encontrar é descobrir, capturar (...). É assim que se cria, não algo mútuo, mas um bloco assimétrico, (...) sempre ‘fora’ e ‘entre’’’. Encontrar é resistir. É dizer, falar, quebrar o segredo, sonorizar o silêncio. D’O poder jovem , passando pelas Profundas do Inferno, nas quimbandas e sambas, da Fiorentina ao Lamas, encontramos Poerner nos desvios cheios de futuro! Escritor, jornalista, professor, militante intransigente pela liberdade ‘(...) contra a amnésia das coisas que valem a pena ser recordadas’, carioca, flamenguista e boêmio, Arthur Poerner figura entre as mais generosas, charmosas e delicadas almas. Nas dobras do tempo, constrói uma história de luta e engajamento, não aquela do ‘H’, mas a dos seres de carne e osso. História viva, dos confrontos e enfrentamentos, história-movimento... do tempo do porvir...”

Para você, Poerner, as nossas homenagens.


CARMEN PAULA DA MOTA GILSON

No dia 04 de abril de 1999, Carmen Paula da Mota Gilson, mais conhecida como Carmen Gilson, conheceu de perto toda a violência e o desrespeito à vida característicos dos sistemas prisional e manicomial. Seu filho, Ricardo Iberê Gilson, foi torturado e morto aos 22 anos nas dependências de duas instituições ditas de saúde do sistema prisional carioca – o Hospital de Custódia Henrique Roxo, localizado em Niterói, e o Hospital Penal Fábio Soares Maciel, no extinto complexo da Frei Caneca.

Nesta data, ao chegar ao manicômio para visitar seu filho, Carmen foi informada que o mesmo havia “surtado”, mas que passava bem. A ela foi negado, desde o primeiro momento, o direito de ver o filho. Decidida a saber o que estava ocorrendo, buscou informações com o médico de plantão, que não se encontrava na unidade. Após uma espera de 03 horas – das 13 às 16 horas – foi informada pelo médico que Ricardo estava com o rim direito paralisado, com desidratação e diarréia, e que seria transferido para o hospital penitenciário, na cidade do Rio de Janeiro. Naquele mesmo dia, por volta das 22 horas, foi informada por telefone que Ricardo havia falecido. Considerando estranha a situação, Carmen acionou imediatamente os meios de comunicação e denunciou o fato de que seu filho havia sido morto sob custódia do Estado. O laudo do IML constatou marcas de agressões físicas severas que atingiram o rim e outras partes do corpo, e como causa da morte, estrangulamento. Para a polícia, o jovem foi barbaramente agredido antes de ser assassinado.

Desde então, ao longo de 11 anos, Carmen vem lutando para que a verdade sobre os fatos que envolveram a morte de seu filho seja restaurada e que os agentes diretos sejam responsabilizados. O julgamento dos acusados pela morte de Ricardo já foi adiado por duas vezes em 2009, pelo não comparecimento de testemunhas da defesa. A terceira data para a realização do julgamento está marcada para 14 de abril de 2010.

A luta de Carmen se articula com outras lutas, que buscam não apenas denunciar o cotidiano de violações inaceitáveis que ocorrem ainda hoje em instituições psiquiátricas, sejam elas ligadas ao sistema carcerário ou ao sistema de saúde. Estas lutas buscam a afirmação da vida, dizendo claramente que não se aceita que a resposta ao sofrimento e às formas diferentes de viver sejam a exclusão, a dor ou a morte – mesmo a morte em vida.

A existência de celas fortes/solitárias utilizadas para punição, a gritante falta de higiene, o aspecto desumano das celas, a violência a que estão submetidos os internos, a precariedade das possibilidades dos trabalhadores que buscam uma atuação ética, os abusos do poder, são ainda hoje realidade dentro dos manicômios judiciários do Estado. No Manicômio Judiciário, assim como no Hospital Psiquiátrico Roberto Medeiros em Bangu, existe um local chamado de contenção. Quando chega um preso, ele é levado para esse lugar onde fica por três dias. Lá é um lugar escuro, úmido, com baratas, ratos, com péssima comida. Dito pela própria polícia civil, é lugar de tortura. Seu filho denunciou em carta, quando estava preso. Carmen sabe disso. Ela própria informa que familiares, presos, trabalhadores e entidades profissionais e de defesa dos direitos humanos, que lutam por modificar tais realidades, também sabem. Ela tem as cartas guardadas. E pergunta: Qual seria o argumento usado para tal barbaridade? Que todos fiquem sabendo que ainda existem resquícios da ditadura.

Infelizmente este quadro também é evidente nos hospitais vinculados à gestão direta da saúde. Há quase dois anos o Hospital Colônia de Rio Bonito é denunciado por graves e sistemáticas violações aos direitos humanos, por grupos de entidades profissionais e de defesa dos direitos humanos, aos órgãos do Estado – Ministério Público, Secretarias de Saúde e Ministério da Saúde, Secretaria Nacional e Estadual de Direitos Humanos. No entanto, até o momento nada de concreto foi feito para modificar a situação dos que estão submetidos à violência desta instituição.

Consideramos que a luta de Carmen vai além da punição dos envolvidos diretamente na morte de Ricardo. Ela ecoa entre aqueles que resistem, de muitas maneiras, à violência e à redução da vida a uma existência passiva, submetida, culpada, residual... A luta pelo fim dos manicômios e por um sistema de saúde mental que invista na vida como algo potente, passa por não aceitarmos como “fato natural” a morte de Ricardo, a violência e a miséria, o enorme crescimento da angústia que assola todos nós e a idéia de que é justificável descartar pessoas. Passa por não aceitarmos que a destruição da vida e a efetivação da morte seja algo que não deveria nos chocar mais.

No dia 04 de abril faz 11 anos que mataram Ricardo.

A você Carmem Gilson, nosso apoio, solidariedade e nossas homenagens.


FERNANDO AUGUSTO DE SANTA CRUZ OLIVEIRA
(In memorian)

Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira nasceu em 20 de fevereiro de 1949, sendo o quinto filho do médico-sanitarista Lincoln de Santa Cruz e de Elzita Santos de Santa Cruz Oliveira. Pernambucano de Olinda, Fernando desde cedo acompanhou de perto os problemas enfrentados pelo seu povo. Militante do movimento estudantil secundarista, foi preso em 1967, após participar de uma passeata, no Recife, contra o acordo MEC-USAID. Após a saída da prisão, intensificou o seu processo de militância política, atuando ainda mais nas lutas estudantis.

Com o recrudescimento da repressão política no país, através da assinatura do Ato Institucional nº 5, Fernando se viu obrigado a sair do Recife. Já casado com Ana Lúcia Valença, partiu para o Rio de Janeiro. Fez vestibular para o curso de Direito na Universidade Federal Fluminense, obtendo aprovação. Na UFF, participou das lutas dos estudantes, através do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito e do Diretório Central dos Estudantes, que hoje leva o seu nome.

Em 1972, dois fatos marcantes aconteceram na vida de Fernando. Nasceu seu primeiro e único filho, Felipe, nome dado em homenagem ao companheiro Felipe, como era conhecido Humberto Câmara Neto, desaparecido após ser preso e torturado pela Doi-Codi do Rio de Janeiro. O outro fato seria a mudança para São Paulo, onde foi admitido por concurso público na Companhia de Águas e Energia Elétrica daquele estado.

Em 1974, Fernando e Ana Lúcia decidem passar o carnaval no Rio de Janeiro. Aproveitam o feriado para estabelecer contatos com companheiros de luta política pertencentes a Ação Popular Marxista Leninista – APML. O primeiro encontro foi, justamente, com Eduardo Collier, também desaparecido político. Logo depois, surgia a primeira evidência da prisão dos dois: o apartamento de Eduardo Collier, em Copacabana, era invadido por agentes de segurança, deixando claro que se tratava de uma ação repressiva de natureza política. De imediato, começaram as buscas, ao mesmo tempo que teve início um sinistro jogo de empurra das autoridades militares contra as famílias e seus advogados

Um ano mais tarde, pressionado pela opinião pública e pelos consecutivos pedidos de informações por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da O.E.A., o ministro da Justiça Armando Falcão fez divulgar pelos veículos de comunicação uma seca nota oficial, a qual informava que Fernando e Eduardo Collier, juntamente com mais 25 pessoas desaparecidas, eram dados como clandestinos e caçados pelas forças de segurança. Imediatamente, a nota foi contestada pela família de Fernando, através de carta enviada ao ministro por Dona Elzita. Na carta, a farsa oficial era desmontada: Fernando não era clandestino, pois tinha, na época da prisão, residência e emprego fixos; não estava também foragido, já que não havia sido procurado por nenhum órgão de segurança.

Fernando Santa Cruz é, hoje, mais um nome na imensa lista de desaparecidos políticos no Brasil. Uma herança de um período da nossa história que muitos tentam esquecer, mas sobre o qual sempre cairá uma cobrança: “E OS NOSSOS MORTOS E DESAPARECIDOS?”

A você, Fernando Santa Cruz, nossas saudades e nossa homenagem. Companheiro Fernando, presente!


GILBERTO OLÍMPIO MARIA
(In memorian)

Gilberto nasceu em 11 de março de 1942, na cidade de Mirassol, interior de São Paulo, filho de Rosa Cabello Olímpio e Antônio Olímpio Maria, ambos operários; a mãe da indústria têxtil e o pai da fábrica de curtume. Eram ambos membros do Partido Comunista Brasileiro. Seus pais mudaram-se para São Paulo, quando completou um ano de idade, e na capital viveram com muita dificuldade. Estudou sempre em escolas públicas e terminou o ensino médio, no Colégio Sarmiento, no bairro do Brás.

Gilberto era muito inteligente, gostava de ler, ouvir música clássica e popular, amava o cinema e o teatro. Adorava bichos, quando criança criou inúmeros cachorros e gatos. Foi um excelente pai e ficava encantado com as travessuras do filho. O pouco tempo que conviveu com Igor, deslumbrou-se com a sagacidade do menino, que se alfabetizou aos dois anos de idade. Igor era o seu orgulho, amava-o intensamente. Muito jovem entrou para a Juventude Comunista, onde teve uma atuação destacada ao lado de outros militantes como o grande pugilista Éder Jofre.

Desde criança aspirava ser engenheiro. Como a família era muito pobre e não tinha condições de sustentá-lo em uma Faculdade de Engenharia, candidatou-se a uma vaga na Universidade de Praga/Tchecoslováquia. Em 1961, com ajuda de familiares comprou uma passagem e rumou para a Europa, a fim de realizar o seu sonho. Após dois anos em Praga retorna ao Brasil e, no Rio de Janeiro, passa a trabalhar no jornal “A Classe Operária”, órgão do Partido Comunista do Brasil, até o golpe militar em abril de 1964, quando passou a viver na clandestinidade.

Em 30 de dezembro de 1964, casou-se com Victória Grabois e, em seguida, os dois vão morar em Guiratinga, interior de Mato Grosso. Neste local, ao lado de Osvaldão e Paulo Rodrigues, também desaparecidos, tentaram organizar os camponeses na resistência à ditadura. No final do ano de 1965, foram obrigados a abandonar o trabalho que desenvolviam por problemas de segurança. Neste mesmo ano, Gilberto viaja para a China a fim de organizar a volta de alguns militantes do PC do B, que se encontravam nesse país fazendo cursos de guerrilha.

Em 1966, nasce o seu filho Igor, e ele retorna ao interior, indo morar em Porto Franco, no Maranhão e, posteriormente, na localidade de Caiado, próximo ao rio Araguaia. Foi escolhido por seus companheiros Comandante do Destacamento C e fazia parte de Comissão Militar da Guerrilha. Com Paulo Rodrigues e outros companheiros fundaram o povoado de São João dos Perdidos, Distrito de Conceição do Araguaia.

Durante a primeira caravana dos familiares à região da guerrilha, em 1980, estes foram recebidos com honrarias e carinho indescritíveis pelos moradores do povoado. A recepção prestada às famílias foi profundamente comovente, fato que comprova o respeito pelo trabalho desenvolvido na região pelos guerrilheiros.

Em 25 de dezembro de 1973 foi desfechado violento ataque das Forças Armadas contra o acampamento guerrilheiro na Serra das Andorinhas, tendo Gilberto desaparecido desde então. Uma fonte militar que se recusou a se identificar, afirmou que Gilberto teria sido metralhado. O corpo de Gilberto Olímpio, de seu sogro Maurício Grabois, de seu cunhado André Grabois e de outros 67 guerrilheiros e camponeses da Guerrilha do Araguaia nunca foram encontrados. Durante as operações militares na região, os agentes públicos foram autores de graves violações aos direitos humanos, como detenções ilegais e arbitrárias, torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados, perpetrados contra os militantes ligados ao PC do B e contra os camponeses locais.

Por muitos anos, o Estado brasileiro manteve segredo sobre as operações realizadas no Araguaia. Mesmo as investigações realizadas pelo Estado, no palco da guerrilha foram inócuas. Até a presente data, o Estado brasileiro não averiguou as responsabilidades, não processou os perpetradores dos crimes cometidos. Apesar de passados mais de 35 anos desde a ocorrência dos fatos, os responsáveis permanecem no mais absoluto silêncio.

A família de Gilberto Olímpio Maria, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e o Centro de Justiça Internacional (Cejil) continuam enfatizando a luta pelo total esclarecimento e responsabilização do Estado brasileiro pelos fatos ocorridos no período ditatorial. Ou seja: onde? Como? Quando? Por quem foi assassinado Gilberto Olímpio Maria?

A você, Gilberto, o nosso carinho, o nosso reconhecimento, as nossas saudades e as nossas homenagens.

Companheiro Gilberto, presente!



IDIBAL PIVETA

Um dos mais lembrados advogados de presos políticos do Brasil durante a ditadura militar, Idibal Almeida Pivetta, conquistou o prêmio Franz de Castro Holzwarth de Direitos Humanos da OAB/SP em 2009. Nascido em 1931, na cidade de Jundiaí, interior de São Paulo, Idibal Pivetta também adotou o nome de César Vieira e atuou como jornalista e dramaturgo.

“A causa dos Direitos Humanos sempre esteve entre as prioridades na vida do advogado Idibal Almeida Pivetta, cuja atuação na defesa do direito dos presos políticos em um período grave da vida nacional, de exacerbado autoritarismo, demandou coragem pessoal e compromisso intransigente com a democracia”, afirmou o presidente da OAB/SP, quando da entrega do Prêmio de Direitos Humanos.

Pivetta iniciou sua atuação política, ainda jovem, no Colégio Bandeirantes, onde presidiu o Centro Estudantil. Foi presidente dos centros acadêmicos Cásper Líbero – onde estudou jornalismo – e 22 de Agosto, da PUC onde cursou Direito. Em 1958, presidiu a União Nacional dos Estudantes e foi membro da Casa Civil do governo do Estado de São Paulo, em 1960. Concomitantemente à atuação política, Pivetta investia também na dramaturgia. Em 1966, fundou o Teatro Popular União e Olho Vivo.

Por suas atividades como advogado na defesa de presos políticos entre 1964 e 1971 e também pela autoria de peças e militância no teatro – teve cinco textos proibidos pela censura – Pivetta ficou preso por 90 dias no Doi-Codi, (Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna), no Deops (Departamento de Ordem Política e Social) e no Presídio do Hipódromo, em São Paulo, em 1973.

Foi Conselheiro seccional da OAB-SP (1993/95) e integrou a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP em várias oportunidades (1991/1993/1995), a qual presidiu no último período. Também foi vice-presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo. Foi também juiz conselheiro da Comissão de Anistia de Presos Políticos da Secretaria de Justiça do Governo do Estado de São Paulo, comissão encarregada de julgar processos referentes a perseguidos políticos.

Pivetta foi ainda um dos advogados chamados para defender os diretores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, na época presidido por Luís Inácio Lula da Silva, em pleno regime militar. Com Pivetta estavam também os advogados Iberê Bandeira de Mello, Paulo Gerab, Airton Soares, Luiz Eduardo Greenhalgh.

“A série de violações aos direitos humanos perpetrada pelo regime militar, especialmente a partir do Ato Institucional nº 5, exigiu dos que patrocinavam causas dos adversários da ditadura um empenho extremado, porque nem sempre recorrer ao Judiciário era suficiente, porque também a Justiça estava sofrendo as agruras do regime de exceção. E Pivetta enfrentou essa fase heróica da advocacia”, ressaltou Mário de Oliveira Lima, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.

Pioneiro, Pivetta foi o primeiro advogado a obter um habeas data após a promulgação da Constituição Federal de 1988, concedida pelo Juiz Federal Paulo Octávio Baptista Pereira, titular da 10ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo. Foi também quem revisou, na Comissão Estadual de Ex-Presos Políticos de São Paulo, o pedido de indenização de João Carlos Grabois, torturado na barriga da sua mãe, a ex-guerrilheira Criméia Almeida, durante a ditadura militar. Segundo testemunha, em dezembro de 1972, Criméria voltou do Araguaia, grávida de sete meses, foi presa e torturada pelo Doi-Codi, em São Paulo. João Carlos nasceu em 13 de janeiro de 1973, em um hospital militar de Brasília.

Ao lado de sua militância como advogado, Pivetta tem trabalhado arduamente no União e Olho Vivo. Suas peças e atuações tratam de temas nacionais e lembram de um modo geral, os segmentos populares, suas experiências, seus modos de vida, sua cultura.

A você, Idibal, companheiro de lutas, nossa homenagem e nosso reconhecimento!



JOSÉ LUÍS FARIA DA SILVA

No final da tarde do dia 15 de abril de 1996, às 16h45min, na favela de Acari, seis anos após o absurdo desaparecimento de onze jovens da mesma comunidade, foi atingido mais um inocente do estado do Rio de Janeiro, que então já encontrava no que denominam de política do confronto com os grupos de traficantes. Ou seja, na política explícita de extermínio e criminalização da pobreza sua principal forma de atuação. E o pior: uma criança, de apenas dois anos e meio, Maicon Souza Silva, filho de Penha e José Luís. Este se tornaria conhecido a partir desta tragédia: o assassinato de seu filho. Para muitos, poderia significar a pior maneira de se tornar uma pessoa pública, não fosse a opção feita por José Luís: lutar por justiça. Desde o assassinato do pequeno Maicon, até hoje, Zé, como seus amigos e companheiros o chamam, é um incansável lutador pelo respeito e garantia aos direitos humanos, especialmente dos moradores de favelas.

O longo calvário percorrido por ele entre delegacias, Tribunal de Justiça, OAB e outras instituições públicas o levaria ao Ministério Público. O então promotor responsável pelo caso ofereceria a denúncia contra o policial que matou seu filho. Contudo, o inquérito seria arquivado, em 1998, pela nova promotora. Esta alegaria que não haveria indícios de tentativa de assassinato, revoltando e indignando José Luís.

Todo este caminho trilhado por Zé o faria conhecer muitos outros familiares que passaram pelo que ele passou. Deste encontro, cuja dor era o elo inicial, pode verificar duas coisas: mais pessoas sentiram o que ele sentiu e estão exigindo, como ele, justiça. Neste momento, percebeu que apenas a união dessas pessoas poderia modificar alguma coisa. Começou, então, a participar de reuniões, atos e protestos públicos, passando a integrar a Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, movimento social formado basicamente por familiares que tiveram uma trajetória como a dele. Além de se tornar um militante de direitos humanos, Zé transformou sua dor em obra de arte: desde a morte de Maicon, produziria uma série de quadros, em formato de mosaicos, retratando a realidade do local em que mora e sua própria história.

Em 2010, o assassinato de seu filho completará 14 anos. O fato de os policiais envolvidos não terem sido presos, e das inúmeras ameaças sofridas por ele (inclusive tentativas de invasão à sua casa por parte de policiais), não interromperam sua luta. Algumas conquistas foram obtidas, como a vitória no caso do processo civil, embora o Estado até hoje não tenha feito a reparação financeira. Mas, não é isso que mais importa a Zé, que continua exigindo que se faça justiça e que o Estado seja responsabilizado pela morte de seu filho. No ano em que se completam 20 anos da chacina de Acari, Zé e os familiares dos jovens desaparecidos há duas décadas se unirão numa mobilização para lembrar os mortos e desaparecidos de Acari, bem como os de todas as favelas do Rio de Janeiro.

A você, Zé, nossas homenagens e a nossa solidariedade.



LÍLIAN CELIBERTI

Parafraseando Chico Buarque no trecho de sua canção em homenagem à Zuzu Angel: “Quem é essa mulher?”.

Quem é essa mulher uruguaia que, com apenas 16 anos, se pôs a bradar palavras de ordem contra a repressão após ver uma colega sangrando por força da brutalidade policial em uma de suas primeiras manifestações de rua?

Quem é essa mulher que, movida pela indignação e rebeldia perante as injustiças sociais, tornou-se uma das principais agitadoras da Resistencia Obrero Estudiantil – ROE?

Quem é essa mulher que foi presa e torturada em 1972, por associação à “subversão”, cumprindo sua primeira pena no terrível presídio feminino de Punta Rieles?

Quem é essa mulher que se exilou na Itália com seu companheiro e seu filho Camilo nascido em dezembro de 1970 e em Milão, teve sua filha, Francesca, em 1975?

Quem é essa mulher que na Europa, continuou sua militância no Partido por la Victoria del Pueblo (PVP) quando foi designada a organizar uma campanha internacional no Brasil pelos uruguaios desaparecidos na Argentina, atingidos pela Operação Condor, com o estudante de medicina Universindo Rodríguez Díaz?

Quem é essa mulher que, em Porto Alegre, elaborava um dossiê de denúncia das violações dos direitos humanos e estabelecia vínculos com a oposição democrática brasileira?

Quem é essa mulher que, no dia 12 de novembro de 1978, foi sequestrada por um comando repressivo binacional da Operação Condor, juntamente com seus filhos e Universindo Díaz?

Quem é essa mulher que foi torturada no DOPS do Rio Grande do Sul com choques elétricos pelo temível repressor “Javier”, codinome do capitão do exército uruguaio Glauco Yannone e pelo delegado gaúcho Pedro Seelig, mais conhecido como “Fleury dos Pampas”?

Quem é essa mulher que foi trasladada clandestinamente ao Uruguai duas vezes, sendo torturada na fronteira, submetida ao “submarino” (afogamento) e a simulações de fuzilamento?

Quem é essa mulher que teve a inteligente ideia de dizer que tinha uma reunião em Porto Alegre fazendo com que fosse trazida à capital gaúcha novamente?

Quem é essa mulher que conseguiu contatar à imprensa através de mensagem cifrada, passando de atingida à denunciante do próprio sequestro?

Quem é essa mulher que salvou seus filhos e o parceiro sem delatar nenhum companheiro, mesmo sob as piores torturas?

Quem é essa mulher que mesmo presa pela segunda vez em Punta Rieles não desistiu de lutar enviando bilhetes clandestinos para sua mãe escritos com agulha no papel alumínio dos maços de cigarros?

Quem é essa mulher que venceu o “desaparecimento” e a “apropriação de crianças” típicas covardias do trágico Plano Condor?

Quem é essa mulher que continua na luta por um mundo mais justo, solidário e fraterno sem ditaduras e terrorismo de Estado além de brigar pelos direitos das mulheres e pela memória, verdade e justiça?

Quem é essa mulher que reconheceu um de seus sequestradores ao testemunhar em favor do jornalista Luiz Cláudio Cunha, trinta e dois anos após o sequestro provando que nunca se calou na ditadura e por que haveria de se calar agora?

Quem é essa mulher que carrega no sobrenome o trocadilho perfeito para representar sua heróica história de resistência e seu presente de luta no Cone Sul da América Latina?

Se liberte! Essa mulher é Lilián Celiberti!

Texto de Ramiro José dos Reis, historiador

A você, Lílian, as nossas homenagens.



Militantes do MST/RS enquadrados na Lei de Segurança Nacional:



ARNO MAIER
EDEMIR FRANCISCO VALSOLER
HUGO CASTELHANO
ISAÍAS VEDOVATTO
IVAN MAROSO DE OLIVEIRA
JANDIR CELSO WIBRANTZ
SILVIO LUCIANO DOS SANTOS
VLADIMIR MAIER




Vinte e seis anos depois do fim da ditadura militar, em Carazinho, no norte do Rio Grande do Sul, oito agricultores estão sendo acusados pelo Ministério Público Federal cometerem delitos contra a “segurança nacional”. A acusação: organizarem acampamentos de trabalhadores rurais sem terras e reivindicarem a desapropriação da Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul.

A ação do Ministério Público Federal faz parte de um conjunto de ações coordenadas pelo Ministério Público estadual, o governo gaúcho e a Brigada Militar para criminalizar o Movimento Sem Terra naquele estado. Entre outras medidas, os trabalhadores sem terras estão proibidos de realizarem marchas nesta comarca, de organizarem acampamentos por serem espaços de reuniões e as escolas itinerantes que atendiam as crianças acampadas foram fechadas. Em ata, o Ministério Público estadual determinou a dissolução do MST no estado.

As mesmas famílias de trabalhadores sem terras, acusadas de cometerem delitos contra a segurança nacional, foram submetidas a torturas psicológicas durante a ocupação da Fazenda Coqueiros, como comprovou o Comitê Estadual contra a Tortura. Há menos de um ano, em outra ocupação, o agricultor Elton Brum foi assassinado pela Brigada Militar com um tiro nas costas em São Gabriel.

Em um estado em que a organização popular, o direito de reunião, de manifestação, de ir e vir são desrespeitados; onde a reivindicação de direitos como a reforma agrária são respondidos à bala e a criminalização é promovida pelas instituições que deveriam zelar pelos direitos constitucionais, não é de se estranhar que a lei monstro das ditaduras do Estado Novo e do regime militar seja ressuscitada.

Não são oito pessoas que sentam no banco dos réus em Carazinho, mas uma organização de camponeses que desafia o poder econômico e político do latifúndio. Está sendo julgado em Carazinho se os pobres têm o direito de se organizar e lutar. O que está em julgamento é se, mais uma vez, a organização dos trabalhadores brasileiros será silenciada pela mordaça do judiciário e pela repressão do Estado.

Aos companheiros Arno, Edemir, Hugo, Isaías, Jandir, Silvio e Vladimir, por suas lutas, a nossa solidariedade e as nossas homenagens.


NILO BATISTA

Nascido no Rio Grande do Norte, em 17 de abril de 1944, Nilo formou-se aos 22 anos de idade em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, no ano de 1966. Três anos depois, em 1969, tornou-se, mediante concurso público, promotor de justiça, cargo que exerceu até 1973.

Falar sobre Nilo Batista é, sem dúvida, falar sobre parte da história de nosso país: é trazer alguns fragmentos da história de uma geração que, após o golpe civil-militar de 1964, generosamente sonhou, ousou, correu riscos e, como a peste, foi marcada, massacrada e exterminada.

Foi naquele momento de terror, medo, omissão e conivência por parte de muitos que aquele jovem advogado criminal ingressou em um dos poucos escritórios que defendiam presos políticos à época, o do “saudoso e admirável Heleno Fragoso”. Atuou de 1970 a 1974, um dos mais terríveis períodos da ditadura. Foi defensor de muitos opositores políticos que desceram aos infernos, através dos suplícios físicos e psíquicos, dos sentimentos de desamparo, solidão, medo, pânico, abandono, degradação, dor e humilhação.

Em 1975, iniciou suas atividades acadêmicas como professor agregado da PUC/RJ. Desde 1988 é livre docente em Direito Penal pela UERJ. Em 1999, passou a ser professor titular na mesma Universidade e, em 2006, ingressou também como professor titular de Direito Penal na UFRJ, quando recebeu o título de Notório Saber em Direito Penal.

Em 1979 e 1980 foi membro do Conselho Seccional da OAB/RJ e seu presidente em 1985. Neste mesmo ano, quando do lançamento oficial do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, em um seminário de cinco noites na Faculdade Cândido Mendes, Nilo, convidado da entidade, lembrava: “nós, (...) víamos de muito perto a destruição física e a destruição jurídica daquela pessoa seqüestrada, desaparecida, torturada, presa, acusada e condenada”.

Foi ele o primeiro assessor jurídico do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro. Com ele foram compartilhadas muitas dúvidas, dores, sofrimentos e, neste percurso, foi junto traçando os caminhos e escrevendo uma outra história. Em 1986, quando do primeiro governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, ocupando o cargo de Secretário de Estado da Polícia Civil, Nilo deu mais um passo na escrita dessa outra história: realizou o tombamento do prédio onde havia funcionado o famigerado DOPS que, até hoje, não foi transformado em museu e centro cultural expondo as informações contidas nos chamados arquivos secretos da ditadura que continuam até hoje fechados.

Em maio de 1991, autorizou a entrada do Tortura Nunca Mais no Instituto Médico Legal, no Instituto de Criminalística Carlos Éboli e na Santa Casa de Misericórdia para uma pesquisa sobre mortos e desaparecidos políticos. Estas pesquisas confirmaram que havia uma vala clandestina no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Ali comprovou-se, documentalmente, a existência de 14 militantes políticos enterrados como indigentes, sendo dois deles desaparecidos políticos.

É membro de várias sociedades e associações internacionais ligadas às áreas da criminologia, do direito penal e da defesa social tendo publicado dezenas de artigos e livros sobre estes temas. Nilo Batista continuando seu combate a favor da vida tem sido chamado como advogado para acompanhar alguns casos de violência rural, em especial contra os militantes do MST, como os oito companheiros do Rio Grande do Sul, aqui hoje homenageados, assim como no julgamento dos assassinos da irmã Dorothy Stang.

Intelectual brilhante, advogado competente e professor renomado e respeitado, Nilo Batista continua sendo uma figura sempre lembrada e citada quando se trata de colocar em análise o funcionamento e a prática do judiciário e a subjetividade punitiva que aduba cada vez mais o fascismo social que se globaliza.

A você, Nilo, o nosso muito obrigado.



Homenagens Especiais

MARIA BEATRIZ SÁ LEITÃO
(In memorian)

Maria Beatriz Sá Leitão, a nossa Bia, como a chamávamos, nasceu em 28 de fevereiro de 1944.

Formada em Psicologia nos anos de 1970, fez formação no IBRAPSI (Instituto Brasileiro de Psicanálise e Análise Institucional) nos anos de 1980, chegando a analista-formadora neste estabelecimento. O IBRAPSI foi, na década de 80 do século passado, um importante bastão no questionamento da formação psicanalítica oficial e da formação psi em geral. Mais notadamente seu Departamento de Análise Institucional, do qual Beatriz fez parte, trouxe para o Rio de Janeiro as ferramentas do movimento institucionalista francês agregadas, principalmente, a leituras foucaultianas, deleuzianas e guattarianas. Ali, junto com outros companheiros, organizou o importante livro “Práticas Grupais: teoria e técnica”.

Os “rachas” ocorridos no IBRAPSI, em 1983, propiciaram a formação de outros grupos. Um deles, o Núcleo de Psicanálise e Análise Institucional do qual Bia foi fundadora junto com outros companheiros, organizou-se autogestionamente, em 1984, para pensar uma formação psi crítica e implicada. Data deste período a vinculação de Beztriz ao Centro de Investigações em Psicologia Social e Grupal (CIR), representado no Rio pelos argentinos Oswaldo Saidón e Vida Kamkhagi, ambos ex-professores do IBRAPSI. Além de trabalhar em consultório privado, Beatriz realizou as mais variadas intervenções grupais-institucionais em hospitais e em diversos grupos.

Foi esta gentil e sempre companheira Bia que abriu as portas de sua casa para reuniões, debates e encontros do CIR e do Núcleo de Psicanálise e Análise Institucional. Foi lá que, nos anos de 1980, esteve o psicanalista francês Félix Guattari.

Em 1987, vinculou-se ao Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro do qual só se afastou por ocasião de sua enfermidade. Foi uma das fundadoras, em 1991, da Equipe Clínico-grupal Tortura Nunca Mais. Desde 1989, integrou o grupo que enviou para a ONU o 1º projeto para financiamento deste trabalho. Foi uma das redatoras deste projeto de atendimento médico-psicológico e de reabilitação física e social para pessoas atingidas pela violência institucionalizada. Desde então, dedicou-se a implementar o trabalho chamando outros companheiros psi vinculados às lutas pelos direitos humanos.

Em 2004, participou da chapa de oposição ao Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, sendo eleita conselheira efetiva. Foi responsável pela organização da Comissão de Direitos Humanos deste Conselho, sendo sua primeira Coordenadora: momentos de grande produção e de bons encontros, expandindo para a área psi a indissociabilidade entre psicologia e política.

Como afirmou o jornalista e amigo Mário Magalhães, logo após sua morte, em 15 de março de 2009, em um lindo e sensível artigo intitulado “Uma Psicanalista dedicada às luzes”, publicado na Folha de São Paulo: “nem as dores do câncer impediram a psicanalista Maria Beatriz Sá Leitão de se debruçar na revisão dos três artigos dos quais é coautora e que estão em Clínica e Política 2 – Subjetividade, Direitos Humanos e Invenção de Práticas Clínicas. Ela não viveu para ver o livro. Coautora de outros quatro livros, Beatriz dedicou a vida a amalgamar psicologia e direitos humanos. Além da organização desses livros, foi autora de inúmeros artigos de repercussão nacional e internacional. Pianista amadora, era amante de jazz, samba, cinema e teatro.

Ainda, segundo depoimento de Mário Magalhães, “os jovens que a conheceram na década de 80 não esquecem a beleza solar e a generosidade de compartilhar a sabedoria com os amigos do filho – sempre pelas luzes, contra o obscurantismo”.

Em 11 de dezembro de 2008 foi homenageada pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio e por sua Comissão de Direitos Humanos. Já bastante debilitada não pôde comparecer à cerimônia sendo representada por seu filho Sérgio e seu neto Henrique.

Sua delicadeza, sensibilidade, generosidade e solidariedade continuam ressoando em cada pessoa que com ela conviveu. Seu terno e lindo sorriso continua em nossa lembrança.

A você, Bia querida, as nossas homenagens.

Companheira Bia, presente!



SEBASTIÃO ALVES DA SILVEIRA
(In memorian)

Nasceu em Canoinhas, cidade do interior de Santa Catarina, em 04 de março de 1941. Filho de família humilde, foi criado em Florianópolis onde, aos 16 anos de idade, entrou para a Marinha como agregado em troca de um teto e de um prato de comida.

Veio transferido para o Rio de Janeiro no início da década de 1960 e, sempre muito esforçado, estudou Engenharia Operacional na Escola Técnica Celso Sukov, formando-se em fins de 1970. A seguir fez vestibular para Engenharia Eletrônica na Veiga de Almeida e iniciou seu curso. Entretanto, em 1982 foi novamente transferido para Florianópolis, quando teve que interromper seus estudos. Na capital catarinense, por não existir o curso de Engenharia à noite, fez um novo vestibular para Administração de Empresas. Formou-se em fins de 1980, já no Rio de Janeiro, pela UFRJ, por motivo de transferência em 1984.

Desde jovem, destacou-se como um exímio atleta, sendo excelente nadador e jogador de futebol, área em que se tornou conhecido, em Florianópolis, por sua agilidade e destreza.

Silveira tinha um temperamento cordato, tranqüilo e compreensivo, sempre buscando o diálogo com a família e os amigos. Certamente vem daí seu apelido de Silveirinha.

Em Florianópolis, em pleno período de Terrorismo de Estado, Silveira, já casado com Carmem Lúcia Lapoente escondeu por várias vezes alguns opositores políticos como Joaquim Fernandes, irmão de Carmem que, por sua militância, vinha sendo perseguido desde o golpe civil militar de 1964.

Em 1966, havia se casado com Carmem com quem viveu por 43 anos, tendo dois filhos: Cláudio e Márcio. Este último, conhecido como Cadete Lapoente, morreu aos 18 anos de idade, em 09 de outubro de 1990, durante treinamento militar na Academia Militar das Agulhas Negras, em Rezende. Exausto, não conseguia prosseguir os exercícios e, por isto, foi espancado e torturado até a morte por parte de oficiais e instrutores aliados à conivência do Corpo Médico do Exército.

A partir daí, a vida de Silveira e Carmem mudou radicalmente. Dispostos a perseguir a Verdade e a Justiça não mediram esforços: procuravam testemunhas do que havia ocorrido a Márcio, faziam contatos com outras famílias que perderam seus entes queridos em circunstâncias semelhantes, denunciavam a violência e o arbítrio presentes nos treinamentos militares. Por várias vezes foram ameaçados, em especial Silveira – já reformado como oficial da Marinha – que foi tratado como traidor e quase preso. Nada conseguiu detê-los. Às ameaças, Silveira respondia que quem desmoralizava as Forças Armadas eram aqueles que se utilizavam de suas fardas para matar e torturar.

Um ano após a morte de Márcio, em 1991, Silveira e Carmem procuraram o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro em função das torturas a que seu filho havia sido submetido. Incorporaram-se ao grupo do qual nunca mais saíram. Silveira foi tesoureiro da entidade por mais de 15 anos, até sua morte em 01 de abril de 2008. Foi de uma competência singular, de um companheirismo sem par, de uma enorme solidariedade em sua militância no Tortura Nunca Mais. Conseguiu transformar sua dor e sofrimento em instrumento de luta e dedicou-se como poucos em sua busca por justiça e verdade. Sua perda é irreparável para todos aqueles que com ele conviveram. Foi, sem dúvida, um companheiro inesquecível!

A você, Silveira, nossas saudades, nosso carinho e nossa homenagem.

Companheiro Silveira, presente!