Carmela Pezutti

 

Estamos noticiando que a nossa querida guerreira
Carmela Pezzuti faleceu em 8 de novembro de 2009.

Estamos, na face da terra, mais pobres.

Carmela Pezzuti! Presente!

Carmela Pezzuti, mulher extraordinária por ter nascido duas vezes: a primeira, foi em Araxá/MG, em 1926: a segunda, anos depois, em 1968, quando entrou na organização denominada COLINA (Comando de Libertação Nacional) que tentava derrubar o regime militar. A partir daí, a vida de Carmela não foi fácil. Entrava e saia das prisões onde era torturada, com muita violência, mas os torturadores não conseguiam ouvir de sua boca nenhuma denúncia que pudesse por em risco a vida de seus companheiros e de seus filhos.

Seus filhos, Ângelo e Murilo, eram os meninos com quem ela lutou toda a vida, mas também lutou para conseguir a libertação do seu país, com muita coragem e firmeza, sem nunca perder o gosto pela vida.

Em janeiro de 1969, foi presa pela primeira vez e levada para a Penitenciária de Mulheres em Belo Horizonte/MG, onde foi longamente interrogada e posta na “surda”. Foi solta e saiu em liberdade condicional. Entretanto, seus filhos que também estavam presos em BH foram transferidos para a Vila Militar no Rio de Janeiro/RJ, onde sofreram novos interrogatórios, torturas e, em seguida, foram transferidos para a Penitenciária de Presos Políticos em Juiz de Fora/MG.

A fim de continuar a luta, Carmela se juntou ao grupo Var Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária) no Rio de Janeiro e com o codinome “Lúcia” foi descoberta e presa em abril de 1970. No quartel de Polícia do Exército, o famigerado DOI-CODI, foi duramente torturada com choques elétricos e espancamentos.

No mesmo ano de 1970, foi sequestrado o Embaixador Alemão e, em troca dele foram libertados, entre outros presos, Ângelo e Murilo. Em dezembro, em troca do Embaixador Suíço, também sequestrado, Carmela saiu da prisão banida e exilada para o Chile sem nunca ter sido julgada e condenada.

No Chile Carmela fez todo tipo de trabalho, estudou até que, em 11 de setembro de 1973, chegou o Golpe de Estado, obrigando-a a se refugiar na Embaixada da Itália enquanto os filhos entravam na Embaixada do Panamá.

Foi assim que começou a vida de exilada de Carmela na Itália e dos seus filhos na França. Em Roma ganhava sua vida trabalhando como esteticista sem deixar de participar dos comitês políticos italianos e brasileiros. Ia muitas vezes a Paris para visitar os filhos e foi durante uma destas viagens que Ângelo morreu em um acidente de motocicleta quando voltava para casa após o trabalho. O choque e a dor foram terríveis. No dia do velório de Ângelo no Père Lachaise reuniram-se os exilados de toda a Europa para prestar a última homenagem ao querido guerrilheiro.

Carmela voltou para Roma destruída moral e fisicamente, mas continuou a trabalhar levando à frente a luta para conseguir a Anistia para todos os perseguidos políticos brasileiros.

Em 1979 a Anistia foi decretada no Brasil e Carmela voltou ao seu país, deixando em Roma muitos amigos e admiradores que tinha conseguido envolver na luta pela libertação.

Em Belo Horizonte trabalhou como esteticista e como voluntária na Associação de Apoio a Creches Comunitárias – “Casa da Vovó”.

Seu filho Murilo foi para o Mato Grasso onde fundou a Associação de Apoio às Comunidades Carentes do Mato Grosso.

Atendendo ao chamado de seu filho Carmela foi se juntar a ele em 1984 para desenvolverem um trabalho com os camponeses, até que no ano 1990 ela assistiu a trágica morte do seu segundo filho.

Com 80 anos de idade e com a saúde abalada, Carmela continuou sua vida em Belo Horizonte junto à sua família, seus amigos, suas lembranças e saudades.


40 anos sem Carlos Marighella e Virgílio Gomes da Silva


Carlos Marighella

Carlos Marighella dedicou toda sua vida à causa da libertação dos povos. Com quarenta anos de militância, iniciada no Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi assassinado pela ditadura militar em 1969, aos 57 anos.

Em 1945, conquistou a anistia, após 3 prisões. Sua capacidade de organização e liderança e seu prestígio público o elegeram deputado à Assembléia Nacional Constituinte de 1946, representando o Estado da Bahia.

O início da ruptura de Marighella com a ortodoxia do PCB se manifestou a partir de 1962. Por ocasião da renúncia de Jânio Quadros ele teceu duras críticas à postura do Partido. O golpe militar de 1964 também é um marco neste distanciamento.

Marighella aprofundou suas críticas à orientação oficial e entre Partido poucas semanas após o golpe, no dia 9 de maio, foi localizado num cinema da Tijuca, no Rio, e preso. Embora baleado à queima-roupa, repetiu a postura de altivez das prisões anteriores. Fez de sua defesa um ataque aos crimes da ditadura.

Marighella caminhava rapidamente para uma ruptura definitiva com a direção do PCB, no ano de 1966. Em dezembro do mesmo ano apresentou sua carta-renúncia à Comissão Executiva do PCB, mas permaneceu à frente do Comitê Estadual de São Paulo.

Seu passo seguinte, em aberta desobediência à direção do PCB, resultou em rompimento definitivo com o Partido. Em agosto de 1967, os comunistas cubanos promoveram em Havana a 1ª Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (Olas). Ao lado de revolucionários de todo o continente, entre eles Che Guevara, Marighella empunhou a bandeira da luta armada como caminho da libertação dos povos da América Latina.

Expulso do PCB, ainda em Cuba, publicou ‘Algumas Questões sobre a Guerrilha no Brasil’ onde declara sua adesão às teses da Olas, mas rebate a teoria do ‘foco guerrilheiro’ amplamente difundida entre os revolucionários latino-americanos. Para ele a luta armada no Brasil tomaria necessariamente contornos próprios.

Em fevereiro de 1968, em documento intitulado ‘Pronunciamento do Agrupamento Comunista de São Paulo’, Marighella expôs os motivos do rompimento com o PCB e anunciou o surgimento de uma organização disposta a dar início imediatamente às ações políticas armadas. A organização foi denominada de ALN – Ação Libertadora Nacional – com a intenção de resgatar o espírito revolucionário da ANL – Aliança Nacional Libertadora – responsável pela Insurreição Armada de novembro de 1935, comandada por Luís Carlos Prestes. Com sua presença pessoal, e sob seu comando e de Joaquim Câmara Ferreira, a ALN deflagrou, já em 1968, as primeiras operações de guerrilha urbana no Brasil.

A resistência armada à ditadura, que teve em Marighella uma de suas mais importantes lideranças, rapidamente se espraiou por todo o país. Jovens e velhos militantes abraçaram com entusiasmo esse exemplo de rebeldia. Ameaçados pelo potencial de explosão dos problemas sociais brasileiros, os generais fascistas revelaram novamente suas garras reagindo com o terror e a tortura. Na noite de 4 de novembro de 1969, Carlos Marighella foi surpreendido por uma emboscada na Alameda Casa Branca, em São Paulo.

O “violento tiroteio” referido na nota oficial que comunicou sua morte não passou de uma farsa, de uma desordenada troca de tiros entre os próprios policiais.

Enterrado como indigente no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, seus restos mortais foram trasladados para a Bahia em 1980.

Marighella recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, em 1994, dada pelo GTMN/RJ.


Virgílio Gomes da Silva

Virgilio era militante do Partido Comunista Brasileiro. Após o golpe civil-militar de 1964, passou a assumir posição destacada na luta contra a opressão, tornando-se um guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional, organização cujos fundadores e líderes foram Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. Menos de um mês após ter comandado uma das ações mais espetaculares da luta de resistência contra a ditadura, o sequestro do embaixador americano, Virgilio, o "Jonas", foi brutalmente assassinado sob torturas na sede da famigerada Operação Bandeirantes, em 29 de setembro de 1969, e se tornou o primeiro desaparecido político brasileiro.

Somente com a abertura dos arquivos da ditadura a sociedade poderá conhecer a história de Virgilio, assim como a história recente do regime de exceção implantado no país a partir de 1964, onde milhares de brasileiros foram perseguidos, presos, torturados, exilados, mortos e desaparecidos. A publicização e responsabilização dos torturadores pelo judiciário também deve estar na ordem do dia, principalmente se considerarmos que outros países da América Latina, como Chile e Argentina, estão avançados nesse aspecto, pois, além de terem revogado suas leis de auto-anistia, instituíram Comissões de Verdade a fim de esclarecerem sequestros, torturas, mortes e desaparecimentos de opositores da ditadura.

Virgílio foi homenageado com a Medalha Chico Mendes de Resistência, em 1998, dada pelo GTMN/RJ.


Morre Mercedes Sosa

Mercedes Sosa nasceu em San Miguel de Tucumán, em 9 de julho de 1935 e morreu em Buenos Aires, dia 4 de outubro de 2009. Foi uma cantora argentina de grande apelo popular na América Latina. Com raízes na música folclórica argentina, ela se tornou uma das expoentes do movimento conhecido como Nueva Canción.

Apelidada de La Negra pelos fãs devido à ascendência ameríndia (no exterior acreditava-se erroneamente que era devido a seus longos cabelos negros), ficou conhecida como a voz dos "sem voz". Sua ascendência era mestiça (mistura de europeus com ameríndios): origem francesa e indígena do grupo quechua.

Criada durante o governo de Juan Domingo Perón, e sofrendo – como quase todos da sua geração – uma influência muito grande de Eva Perón, Sosa cresceu embalada pela ideologia peronista. Devemos nos lembrar que o peronismo era então difundido nas escolas e nos meios de comunicação, como a imprensa, o cinema e o rádio.

Sua carreira se iniciou em 1950, aos quinze anos de idade, quando Sosa venceu uma competição de canto organizada por uma emissora de rádio de sua cidade natal e ganhou um contrato para cantar por dois meses.

Mercedes interpretou um vasto repertório de estilo latino-americano, gravando tanto com artistas argentinos como León Gieco, Charly García, Antonio Tarragó Ros, Rodolfo Mederos e Fito Páez, quanto com internacionais como Chico Buarque, Daniela Mercury, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gal Costa, Sting, Andrea Bocelli, Luciano Pavarotti, Nana Mouskouri, Joan Baez, Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. Mais recentemente, gravou com a colombiana Shakira, cantora latino-americana de muito sucesso no exterior.
Após a ascensão da junta militar do general Jorge Videla, que depôs a presidente Isabelita Perón em 1976, a atmosfera na Argentina tornou-se cada vez mais opressiva. Sosa, que era uma conhecida ativista do peronismo de esquerda, foi revistada e presa no palco durante um concerto em La Plata em 1979, assim como seu público. Banida em seu próprio país, ela se refugiou em Paris e depois em Madri.

Sosa retornou à Argentina em 1982, vários meses antes do colapso do regime ditatorial como resultado da fracassada guerra das Malvinas, e deu uma série de shows no Teatro Colón em Buenos Aires, onde convidou muitos colegas jovens para dividir o palco com ela. Um álbum duplo com as gravações dessas performances logo se tornou sucesso de vendas.

Sua preocupação sociopolítica refletia-se no repertório que interpretava, tendo sido uma das grandes expoentes da “Nueva Canción”, movimento musical com raízes africanas, cubanas, andinas e espanholas marcado por uma ideologia de rechaço ao imperialismo norte-americano, ao consumismo e às desigualdades sociais.


Erica Bayer in Roth

Morreu aos 92 anos, no dia 7 de outubro último, em Teresópolis, na Região Serrana do Rio, a física, psicoterapeuta e assistente social Erica Bayer in Roth, mais conhecida como madrinha dos marinheiros do Brasil.

Nascida na Hungria em 1917, Erica passou a infância em Fiume, atualmente parte da Croácia, e veio para o Brasil fugindo do nazismo. Em 1956, criou a Casa do Menor Trabalhador, onde foi convidada a atuar na Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. A entidade foi criada ilegalmente, do ponto de vista do Almirantado, em 1962. Na associação, Erica criou um serviço de obstetrícia para as mulheres dos marinheiros, organizou o departamento jurídico e criou uma escola. Dava aulas de filosofia e "conscientização política", mas com a revolta dos sargentos, em setembro de 1963, a diretoria da associação pediu à doutora que se afastasse para se proteger. Mesmo longe da associação, foi chamada para depor no Cenimar.

Em 1967, trabalhou como assistente de 900 presos do Complexo da Frei Caneca, na Penitenciária Lemos de Britto. Lá, conseguiu fazer mudanças importantes na rotina do presídio, como a que permitiu que os detentos pudessem se encontrar com suas mulheres. Em maio de 1969, houve uma fuga de presos, entre os quais estavam vários amigos de Erica, chamada de "Encouraçado Potemkim" pelo diretor da penitenciária. Por causa disso, a doutora foi presa na Ilha das Flores, apesar de não terem conseguido provar que ela soubesse da fuga.

Aos 82 anos, resolveu fazer formação analítica e se tornar psicanalista. Em Teresópolis, atendia a famílias de jovens considerados infratores e era voluntária junto à Vara da Infância e da Juventude e do Idoso. Seu intuito era afirmar a dignidade humana. Em 2006, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência do GTMN/RJ.

A museóloga, professora da Unirio e escritora, Ana Lúcia de Castro ressalta que a alegria maior de Érica era estar junto à família, sobretudo dos netos e bisnetos: "Fosse tocando piano, fosse cuidando de seu cachorro, Érica mantinha uma alegria de viver incomparável, amiga de seus amigos, valorizava o diálogo acima de tudo, sem impor soluções. Uma referência muito forte para os que com ela conviveram".