LITERATURA

Segmentaricidades: passagens do Leme ao Pontal


Segmentaricidades: passagens do Leme ao Pontal origina-se da homônima dissertação de mestrado em Psicologia produzida por Danichi Hausen Mizoguchi na Universidade Federal Fluminense. O livro explora a temática da experiência urbana, problematizando e tomando como dispositivos de poder os muros e grades que cada vez mais se disseminam nas cidades contemporâneas. A consequência funesta de tais dispositivos é que se operam neles e com eles modos de existência cada vez mais defensivos, paranóicos e ensimesmados. A constatação de tais microfascismos, todavia, não se presta a derrotismos quaisquer: presta-se, sobretudo, a afirmar que há algo a ser feito em nome da potência da vida. Mais ainda: o olhar atento a profanas iluminações cotidianas constata que já há algo sendo feito na minúcia murmurante e invisível daquilo que passa por entre os ocos dos gradis.

Flanando no cotidiano do território da cidade do Rio de Janeiro situado entre o Leme e o Pontal – a partir da inspiração disparada pelo encontro com autores como Walter Benjamin e Ítalo Calvino – a experiência do atravessamento desse território se faz contada e a multiplicidade potencial das cidades se faz escrita. Assim, pode-se, nessas passagens, encontrar uma certa Copacabana na qual a noite vem antes de o sol se pôr. Pode-se, talvez, haver um choque estridente com as grades das praças de Ipanema as quais se prestam a fazer com que “todos nós” sejamos cada vez menos e mais exclusivos. É possível que uma obsessiva varredora no Leblon deixe algumas migalhas esquecidas pelo caminho. Na Barra da Tijuca, ao mesmo tempo em que uma família teme a cidade e se fecha em seu coletivo militarizado, quiçá o mar desfaça em vagas o condomínio fechado produzido com a fragilidade dos grãos de areia. Nesse trajeto errante talvez possa se ver, por fim, que as possibilidades de invenção do presente resistem ao sufoco identitário do concreto e do aço. 

Autor
Danichi Hausen Mizoguchi é psicólogo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense, doutorando em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense e professor das Faculdades Integradas Maria Thereza.

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Maços na gaveta: reflexões sobre mídia

Livro coloca em discussão os interesses por trás da mídia.

Que jornalista adotou a palavra “terrorista” para definir os adversários do regime militar brasileiro? A quem interessa, ainda hoje, bloquear o acesso aos arquivos de um regime extinto há mais de 30 anos? Quem lucrou com o definhamento e a cassação da TV Excelsior? Estes são apenas alguns dos questionamentos levantados em Maços na gaveta: reflexões sobre mídia (Editora da UFF, 308p.), organizado por Beatriz Kushnir. A coletânea traz 15 estudos que propõem a reflexão sobre o relacionamento entre a sociedade e os veículos de comunicação e como estes lançam mão de manobras muito próprias para defender seus interesses. 

O material reunido em livro partiu dos encontros nacionais e regionais do seminário temático História e Comunicação: mídias, intelectuais e participação política, organizados a partir de 2003 pela Associação Nacional de História (ANPUH). A obra aborda a relação de poder nesse “universo de conivências” das redações, rádios, TVs, como também os intercâmbios com a sociedade civil e as esferas do governo.  Neste aspecto, são discutidos, entre outros temas, a questão da ética, o percurso dos meios de comunicação e dos conglomerados de informação, a percepção da imprensa como empresa privada que vende um serviço de utilidade pública e a atuação de intelectuais (jornalistas/homens de jornal), engajados politicamente e/ou a serviço do Estado. Participam da obra historiadores, cientistas sociais, jornalistas e literatos, que contribuem para retirar esses “maços da gaveta”.

Organizadora
Beatriz Kushnir  é graduada em História e mestre em História Social pela UFF; doutora  em História Social do Trabalho pela UNICAMP; pós-doutora (Júnior) junto ao Cemi/ UNICAMP e pós-doutora (Senior) junto ao departamento de História/ UFF. Autora de, entre outros, Baile de máscaras: mulheres judias e prostituição (Imago) e Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Boitempo).



Resistência atrás das grades

O livro Resistência atrás das grades, de Maurice Politi, relata o cotidiano das pessoas presas em São Paulo – um Estado que sequer admitia a existência de presos políticos – a partir de um diário das greves de fome em vários presídios políticos paulistas em 1972, organizadas para impedir os planos de separação e repressão aos militantes encarcerados. Vários documentos encontrados 35 anos depois em pesquisa nos Arquivo Nacional e em arquivos estaduais enriquecem a história da ditadura militar do ponto de vista dos militantes presos.

O seu lançamento foi em novembro, pelo Arquivo Nacional e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, em ato com mesa-redonda.


Ditadura Militar na Bahia:
Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes

 

A Editora da Universidade Federal da Bahia – EDUFBA e o Núcleo de Estudo sobre o Regime Militar – NERM lançaram,  em novembro, o livro Ditadura Militar na Bahia: Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes, organizado por Grimaldo Carneiro Zacharíadhes, do qual participaram 13  autores:

Ediane Lopes de Santana – Campanha de desestabilização de Jango: As ‘Donas’ saem às ruas!

Elizete da Silva – Protestantes e o Governo Militar: Convergências e Divergências

Alex de Souza Ivo – Uma “Revolução” contra o Comuno-Peleguismo: O Golpe de 1964 e o Sindicalismo Petroleiro

José Alves Dias – O golpe de 1964 e as dimensões da repressão em Vitória da Conquista

Antonio Mauricio Freitas Brito – Salvador em 1968: Um Breve Repertório de Lutas Estudantis Universitárias

Sílvio César Oliveira Benevides – Aventuras estudantis em tempos de opressão e fuzis

Sandra Regina Barbosa da Silva Souza – Bandeira Vermelha: aspectos da resistência armada na Bahia

Cristiane Soares de Santana – Notas sobre a História da Ação Popular na Bahia (1962-1973)

Grimaldo Carneiro Zachariadhes – Dom Avelar Brandão Vilela e a Ditadura Militar

Izabel de Fátima Cruz Melo – No meio do caminho tinha uma Jornada, ou era ela o caminho? Jornadas de Cinema da Bahia (1972-1978)

Maria Victória Espiñeira – A resposta da Bahia à repressão militar: A ação partidária da Ala Jovem do MDB e a militância civil do Trabalho Conjunto da Cidade de Salvador

Margarete Pereira da Silva – O Bispo de Juazeiro e a Ditadura Militar

Joviniano Soares de Carvalho Neto – O II° Congresso da Anistia: Momento de Resistência e Definições


Oposição á ditadura brasileira nos Estados Unidos



Dissertação

Operários à tribuna: vereadores comunistas e trabalhadores têxteis de Magé (1951-1964)

De Felipe Augusto dos Santos Ribe

A dissertação de mestrado Operários à tribuna: vereadores comunistas e trabalhadores têxteis de Magé (1951-1964) destaca a atuação de cada um dos vereadores comunistas eleitos em Magé, entre 1951 e 1964, entre eles Manoel Ferreira de Lima. Teve como base as atas da Câmara Municipal, alguns documentos da DOPS/RJ (anexados no prontuário individual do médico Irun Sant'Anna, vereador comunista eleito em 1947 e líder dos operários mageenses), informações cedidas pelo GTNM-RJ, além de entrevistas e outras fontes muito interessantes.

A defesa da referida dissertação foi em novembro, na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, em São Gonçalo



Entrevista

“As veias da América Latina continuam abertas”

Reportagem de Javier Rodríguez Marcos,
publicada no jornal espanhol El País, 06-10-2009.
Tradução de Moisés Sbardelotto


Com cabeça de senador romano e consciência de tribuno da plebe, Eduardo Galeano sempre tem presente uma frase de José Martí: "Todas as glórias do mundo cabem em um grão de milho". Ele diz isso porque, na semana passada, deram-lhe, em Madri, a Medalha de Ouro do Círculo de Belas Artes. "É uma alegria, claro. Não pratico falsa humildade, mas também não me esqueço de Martí e digo a mim mesmo: ei, tranquilo, devagar pelas pedras". No dia seguinte, além disso, recebeu um prêmio da ONG Save the Children.

Aos 69 anos, o escritor uruguaio é uma pedra no sapato dos vencedores da história, uma espécie de best-seller furtivo da esquerda. No ano passado, durante o tour espanhol de apresentação de seu último livro, "Espelhos. Uma história quase universal" (L&PM Editores, 2008), ele lotou cada salão de atos em que pisou, chegando inclusive a transbordar o Auditório de Galícia, em Santiago de Compostela, com capacidade para mil pessoas. Ele encerrou nova visita à Espanha com uma leitura de sua obra no Auditório Marcelino Camacho de Comisiones Obreras, em Madri.

Galeano conseguiu levantar paixões com livros sem gênero preciso, mas escritos com um estilo fragmentário e seco que ele opõe à "tradição retórico do peito estufado. Aprendi a desfrutar dizendo mais com menos", diz, em seu hotel madrileno de sempre, a um passo da Puerta del Sol. Ali, ele conta que seu mestre, Juan Carlos Onetti, "que não dava conselhos", disse-lhe algo que não esqueceu: "Como ele era bastante mentiroso, para dar prestígio a suas palavras, ele costumava dizer que eram provérbios chineses. Um dia me soltou: 'As únicas palavras dignas de existir são aquelas melhores do que o silêncio".

O autor de "Dias e noites de amor e de guerra" (L&PM Editores, 2001), briga há anos contra o silêncio. Agora, luta também contra o medo. Mais do que as eleições presidenciais que ocorrem no Uruguai no dia 25 de outubro, interessam-lhe os dois plebiscitos que ocorrerão nesse dia. Um pretende derrogar a lei que impede o castigo contra os militares da ditadura: "O Estado não pode renunciar a fazer justiça porque a impunidade estimula o delito". Há 20 anos, foi realizado um referendo com o mesmo objetivo. E com um resultado ruim. "Lançaram toneladas de bombas de medo", conta o escritor. "Dizia-se que, se a lei fosse anulada, a violência voltaria, e as pessoas votaram assustadas".

Aquele primeiro plebiscito dos anos 80 foi promovido por uma comissão, na qual, junto com Galeano, estava Mario Benedetti. Desde a morte deste, em maio passado, seu amigo faz parte da fundação que herdou o legado do poeta para promover a literatura jovem: "Era um insólito caso de escritor generoso. O nosso grupo é uma agremiação egoísta que ocupa a jaula dos pavões reais. A cada um dói o êxito do outro. Ao Mario não". Com relação às reclamações do irmão de Benedetti, incomodado com o testamento, Galeano é diplomático: "Isso está superado. Ninguém se salva das confusões de herança".

O dinheiro misturado com as confusões leva inevitavelmente ao futebol, um assunto ao qual o escritor dedicou centenas de páginas, dentre elas as que formam um clássico da literatura desportiva: "Futebol ao sol e à sombra" (L&PM Editores, 2004). É obsceno pagar milhões de euros por um jogador? "O futebol profissional é a indústria de entretenimento mais importante do mundo. Além do mais, é um esporte que parece religião: a religião de todos os ateus. O que é preciso ter claro é que o Machado dizia: agora, qualquer ignorante confunde valor e preço".

Por outro lado, no anedotário diplomático internacional ficou gravado o fato de que Hugo Chávez presenteasse Obama com o livro mais popular (30 edições em inglês) do autor montevideano, "As veias abertas da América Latina" (Ed. Paz e Terra, 2007, na 46ª edição em português), um ensaio de 1971 que seu próprio autor descreve como "uma contra-história econômica e política com fins de divulgação de dados desconhecidos". E acrescenta: "O que eu descrevia continua sendo certo. O sistema internacional de poder faz com que a riqueza siga sendo alimentada pela pobreza alheia. Sim, as veias da América Latina ainda seguem abertas".

Galeano não acredita que presidente dos Estados Unidos tenha lido o livro. "Duvido. Foi só um gesto. Além disso, a edição era em espanhol". A eleição de Obama pareceu-lhe uma vitória contra o racismo, mas lhe decepcionou que ele aumentou o orçamento da Defesa: "Os políticos mais bem intencionados acabam presos a uma maquinaria que os devora". E o que lhe parece sua política para com a América Latina?  "Ele tem boas intenções, mas há problema de treinamento. Os norte-americanos estão há um século e meio fabricando ditaduras, e, na hora de se entender com países democráticos, eles têm dificuldades. O desconcerto diante do que ocorreu em Honduras é uma amostra".

O segundo plebiscito que espera o escritor ao voltar para casa quer outorgar o voto aos uruguaios que não vivem ali, "uma quinta parte da população!". Ele mesmo teve que se exilar e sabe o que é sobreviver sem direitos: "Não tinha documentos, porque a ditadura os negava. Quando eu vivia em Barcelona, tinha que ir à polícia todos os meses. Faziam-me repetir os formulários e mudar cem vezes de guichê. No final, no campo da profissão, eu colocava: 'escritor'. E entre parênteses: 'de formulários'". Ninguém se deu conta.

"Lo único seguro es que, pase lo que pase, la historia continuará, y
continuará el incesante combate entre la libertad y el miedo.

Yo suelo invocar una palabra, una palabra mágica, una palabra
abrepuertas, que es, quizá, la más universal de todas. Es la palabra
abracadabra, que en hebreo antiguo significa: Envía tu fuego hasta el
final. A modo de homenaje a todos los fuegos caminantes, que van
abriendo puertas por los caminos del mundo, la repito ahora:

Caminantes de la justicia, portadores del fuego sagrado,
¡abracadabra, compañeros!”


Eduardo Galeano
Versión del discurso pronunciado en el Obelisco de Montevideo, en el
cierre de la campaña contra la ley de impunidad, la noche del martes.
20 de octubre de 2009


Documentário

Ex-agente do Doi-Codi diz que Rubens Paiva foi esquartejado

Um documentário inédito, exibido no Festival de Cinema de Brasília, contém uma revelação macabra feita por um ex-agente do DOI-CODI/SP, órgão de inteligência e repressão da ditadura militar: a de que vários de seus inimigos, que se tornaram presos políticos – e cujos nomes passaram a figurar na lista de desaparecidos do regime – tiveram os corpos esquartejados. Um deles, segundo um ex-agente, era o deputado Rubens Paiva.

A afirmação foi feita por Marival Chaves, ex-agente do DOI-Codi, em depoimento ao cineasta Jorge Oliveira para o filme "Perdão, Mister Fiel",  cujo tema principal é a morte sob tortura do operário Manoel Fiel Filho, em São Paulo.

“O que me surpreendeu foi que o sujeito contou várias atrocidades de cara limpa, com a maior tranquilidade. Ele disse que havia inclusive uma espécie de disputa entre os torturadores: a de apostar quantos pedaços iam render os corpos de cada uma das vítimas”, disse Oliveira. "Chaves sabe muito mais do que já contou".

Segundo o cineasta, Marival Chaves revela no filme a identidade de torturadores, inclusive a de um coronel: “Ele conta que esse sujeito dava nos presos uma injeção de matar cavalos. E, para desaparecer com os corpos, mandava esquartejá-los.”