Guerrilha do Araguaia

O Brasil e a responsabilização dos
crimes cometidos pela ditadura militar


A Guerrilha do Araguaia na Corte Interamericana


Nos últimos 20 anos, muitos países da América Latina têm enfrentado a responsabilização no âmbito da realização da justiça nas graves violações de direitos humanos cometidas pelos governos ditatoriais ou em decorrência de conflitos armados na região. Crimes de lesa humanidade como a tortura, a execução sumária e o desaparecimento forçado, cometidos por agentes, públicos e privados, em nome do Estado, contra seus concidadãos ficam impunes, ainda que seus responsáveis assumam, pública e detalhadamente, seu envolvimento e atuação.

Entre esses países é frequente encontrar leis de anistias, elaboradas antes ou durante a volta aos regimes democráticos, promovidas pelos agentes responsáveis pelas graves violações, sob o pretexto da promoção da “reconciliação nacional”. Aprovadas ou decretadas quando ainda estava vigente o regime ditatorial, momento em que a sociedade civil e a comunidade política ainda sofriam restrição real para articular mecanismos eficientes de imposição de idéias e ideais, a ampla maioria das citadas leis de Anistia, foram clara e explicitamente leis de auto-anistias (como ocorreu no Chile, Perú, El Salvador, Guatemala, Argentina, Uruguai etc).

No Brasil, diferentemente, a Lei de Anistia, ainda que de forma bastante restrita, anistiou aos civis que resistiram à ditadura militar. No entanto, a subjetiva e perspicaz confusão na interpretação do texto da Lei, utilizando “os crimes políticos e os crimes conexos aos políticos”, sacramentou uma interpretação equivocada e conveniente, na qual a mesma lei teria anistiado aqueles que em nome da ditadura militar cometeram crimes comuns contra civis. E, ainda que de forma totalmente errônea, a Lei de Anistia foi por mais de uma década utilizada como obstáculo legal para garantir a impunidade dos crimes, nas poucas ações judiciais que buscaram responsabilização.

Mais recentemente juristas reconhecidos esclareceram publicamente que a interpretação política, e nada jurídica, não deve ser utilizada para impedir investigações criminais dos fatos relacionados à ditadura militar. A Ordem dos Advogados do Brasil propôs uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) perante o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de esclarecer que a Lei de Anistia não se aplica aos crimes cometidos pelos agentes do Estado. No âmbito desta ação, entidades da sociedade civil apresentaram pareceres (“amicus”) com argumentos jurídicos e políticos que reforçam a tese da OAB.

A Corte e Comissão interamericanas rechaçaram categoricamente, como contrária à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a aplicação de leis de anistia nos casos relacionados com graves violações de direitos humanos e têm instado aos Estados a conformar suas legislações nacionais com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, deixando “nulas e inválidas” as leis de anistia geral.


Atualmente novos obstáculos para impedir a apuração e consequente realização de justiça, estão sendo considerados impeditivos para a investigação e processamento dos crimes, entre eles os institutos da prescrição, coisa julgada e outros excludentes de punibilidade.

Já no Direito Internacional, os parâmetros de realização de justiça não são estes, a prescrição e outros institutos são inaplicáveis para certos crimes em determinados contextos e períodos, estes severamente delimitados, de forma a impedir que esse precedente possa ser invocado para crimes cometidos em períodos e contextos deferentes das ditaduras militares.

A Comissão Interamericana já estabeleceu que as compensações financeiras não são substitutos das obrigações do Estado em utilizar seus sistemas internos de Justiça para investigar, processar e sancionar, ou responsabilizar efetivamente, os agentes envolvidos nos crimes praticados em nome de um Estado de exceção ou conflitos armados.

Neste contexto, de efervescência de posições políticas e jurídicas, a respeito da viabilidade de realizar a justiça nos casos de tortura, estupro, execução sumária e desaparecimento forçado, cometidos em nome da ditadura no Brasil, certamente será objeto de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no único caso da ditadura do Brasil que tramita no Sistema Interamericano: a Guerrilha do Araguaia.


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O Caso da Guerrilha do Araguaia

Entre os anos de 1972 e 1975, sob o comando do governo central do regime militar brasileiro, as Forças Armadas realizaram uma série de operações militares na região sul do estado do Pará, na divisa com os estados do Maranhão e Tocantins, com o objetivo de erradicar a denominada Guerrilha do Araguaia. Durante as operações, os agentes públicos e seus cúmplices foram autores de graves violações aos direitos humanos – como detenções ilegais e arbitrárias, torturas, execuções sumárias e desaparecimentos forçados – as quais estavam inseridas em um padrão sistemático e generalizado de repressão política contra opositores políticos e população civil.

Por muitos anos o Estado brasileiro manteve segredo sobre as operações realizadas na região. Nunca foi iniciada qualquer investigação a fim de identificar as responsabilidades individuais, processar e sancionar os perpetradores dos crimes cometidos. Passados mais de 35 anos desde que os fatos ocorreram, todos os responsáveis permanecem impunes. Assim mesmo, a cultura de segredo do Estado aliada à ausência de um marco normativo adequado à garantia do pleno exercício do direito de acesso à informação impedem o esclarecimento dos fatos relacionados às mortes e desaparecimento forçado dos militantes do PC do B e de agricultores da região, impedindo o conhecimento da verdade.

Face à omissão do Estado e à falta de informação sobre o paradeiro de seus entes queridos, 22 familiares representando 25 desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia interpuseram, em 1982, uma ação ordinária para prestação de fato perante a Justiça Federal brasileira. Nesta ação cobravam a localização e o traslado dos restos mortais de seus entes queridos, bem como a entrega de informação oficial sobre as circunstâncias de seus desaparecimentos.

Passados treze anos da interposição desta ação, verificou-se, pela demora injustificada nos procedimento e pela falta de diligências eficazes, a negação de justiça aos familiares dos desaparecidos políticos da Guerrilha do Araguaia. Essa constatação, em 1995, fundamentou o envio de uma denúncia internacional contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Durante o trâmite ante a CIDH, as organizações postulantes – Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro - GTNM-RJ e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo – CFMDP-SP identificaram, além dos aspectos referentes à negação da verdade e justiça referidos acima, os obstáculos que tiveram um efeito direto na ineficácia das medidas estatais tendentes a esclarecer a verdade e localizar os restos mortais dos desaparecidos políticos no Araguaia. Em especial, destacaram: a falta de devida diligência nas poucas investigações não penais realizadas; a não colaboração das Forças Armadas – as quais mantêm a cultura de segredo a respeito do ocorrido na Guerrilha do Araguaia; e as medidas administrativas e legislativas que impediram o acesso às informações.

Em 31 de outubro de 2008, a CIDH aprovou um relatório confidencial sobre o mérito, no qual determinou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de membros do PC do B e camponeses durante a Guerrilha do Araguaia. Neste relatório, a CIDH não aceitou a interpretação prevalecente da Lei 6.683/79 (Lei de Anistia), segundo a qual os agentes públicos que cometeram crimes comuns durante o regime militar teriam sido beneficiados pela extinção da punibilidade, afirmando que esta interpretação viola a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) porque tem impedido a investigação que resultaria nos julgamentos e sanções dos responsáveis pelos desaparecimentos forçados.

A CIDH determinou que o Estado brasileiro tinha violado a integridade física e psicológica dos familiares das vítimas pelos desaparecimentos forçados, pela impunidade dos agentes responsáveis, e pela falta de justiça, informação e verdade. Ao final do documento a CIDH teceu recomendações ao Estado, o qual dispunha de dois meses para cumpri-las.

Em 25 de março de 2009, após analise das informações apresentadas pelo Estado, baseada na falta de implementação satisfatória das recomendações do Relatório citado, e atendendo à solicitação dos representantes das vítimas e familiares (CEJIL, GTNM-RJ e CFMDP-SP) a CIDH decidiu submetê-lo à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Dando sequência ao trâmite do processo na Corte, em 18 de julho do presente ano, as organizações representantes dos familiares dos desaparecidos políticos, apresentaram sua petição. Nesta, ficaram demonstradas todas as dimensões da responsabilidade do Estado brasileiro pelo desaparecimento forçado das vítimas do caso, ao precisar a importância da análise do padrão de repressão política dentro do qual este se perpetrou, o alcance das violações aos direitos consagrados na Convenção Americana contra as vítimas e seus familiares e os efeitos destas violações para seus familiares e para toda a sociedade brasileira.

Finalmente, as organizações postulantes solicitaram que a Corte determinasse algumas medidas de reparação, dentre as quais, que o Estado brasileiro proceda à busca e à localização das vítimas deste caso, assegurando que sejam respeitadas as garantias de devida diligência essenciais na investigação de casos desta magnitude e instale uma Comissão da Verdade, cujo planejamento e constituição deverão seguir parâmetros internacionais e contar com a participação ativa das vítimas.

Já no que diz respeito à realização de justiça relacionada aos crimes da ditadura no Brasil, foi solicitado que a Corte determine ao Estado brasileiro realizar imediatamente as devidas diligências para proceder de modo eficaz e em um prazo razoável, a persecução penal perante a jurisdição penal comum, para determinar responsabilidades e, eventualmente, a sanção dos perpetradores. Que, para tanto, deixe de utilizar a lei de anistia e outros dispositivos legais, como a prescrição e outras excludentes de responsabilidade, que visem impedir a investigação dos fatos e a sanção dos responsáveis pelas graves violações aos direitos humanos.

O Estado Brasileiro deverá enviar sua demanda no próximo dia 31 de outubro, e posteriormente a Corte Interamericana convocará uma audiência em seu Tribunal, localizado em São José da Costa Rica. Nesta ocasião, o Estado brasileiro, a Comissão Interamericana e Representantes das vítimas apresentarão peritos e testemunhas para esclarecer aos Juizes os fatos e suas consequências do caso relacionados às violações aos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil. Aproximadamente 6 meses após a audiência, a Corte dará publicidade à Sentença do caso, na qual indicará os termos que o Estado brasileiro deve realizar para a promoção de justiça dos casos da ditadura no Brasil.

Beatriz Affonso – Diretora do Programa do CEJIL para o Brasil
Helena Rocha – Advogada do escritório do CEJIL no Brasi

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Notas do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro

 

I
MAIS UM CAPÍTULO NA PRODUÇÃO DO ESQUECIMENTO

 

No último dia 03 de junho, o Ministro da Defesa, Sr. Nelson Jobim, convocou alguns poucos familiares de mortos e desaparecidos políticos e membros da Comissão Especial da Lei 9140/95 para uma reunião, na sede do Ministério da Defesa, em Brasília.

O objetivo desse encontro era informar aos presentes da edição da Portaria nº 567, de 29/04/2009, designando um Grupo de Trabalho com a finalidade de coordenar "as atividades necessárias para a localização, recolhimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros e militares mortos no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia".

O General Brandão, chefe do Serviço de Informação do Exército brasileiro, também estava presente à reunião, o que a nosso ver foi uma tentativa perversa de constrangimento aos familiares presentes.

A edição da referida portaria não só atropela as atribuições da Comissão Especial da Lei 9.140/95 – que tem competência legal para coordenar os trabalhos de localização e identificação dos corpos dos militantes políticos – como entrega a coordenação ao General Mário Lúcio Alves de Araújo, comandante do 23º Batalhão de Infantaria de Selva, que em entrevista ao jornal "O Norte de Minas", publicada em 31 de março de 2009, declarou "(...) há exatos 44 anos o Exército brasileiro atendendo a um clamor popular foi às ruas contribuindo substancialmente e de maneira positiva, impedindo que o Brasil se tornasse um país comunista".

Não reconhecemos a legitimidade deste Grupo de Trabalho, de caráter militar, executada e comandada pela 23ª Brigada de Infantaria de Selva, que teve importante papel no massacre à Guerrilha do Araguaia e foi co-responsável pelas torturas, execuções, mortes e ocultação de cadáveres dos guerrilheiros.

Entendemos que o papel das Forças Armadas nesse processo é o de fornecer as informações que estão nos seus arquivos e que já deveriam ser do conhecimento de todos os brasileiros.

É importante frisar que a formação desse malfadado grupo de trabalho, assim como as publicações de parte do arquivo considerado como pessoal do militar Sebastião Curió Rodrigues de Moura, Major Curió – um dos repressores à Guerrilha do Araguaia –, veiculadas no Jornal Estado de São Paulo, em 21 e 22/06/09, não podem ser vistas como uma coincidência. O governo brasileiro está sendo, no momento, obrigado a responder sobre as circunstâncias das mortes e desaparecimentos, como a localização dos corpos dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia tanto pela justiça nacional como internacional. Há, inclusive, uma representação junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA sobre o assunto.

Por tudo isto:

  • Defendemos que todas as iniciativas de localização, recolhimento e identificação dos corpos dos guerrilheiros mortos e desaparecidos sejam conduzidas pela Comissão Especial, constituída e funcionando sob o escopo da Lei nº 9.140 de 1995.
  • Exigimos das Forças Armadas a abertura de todos os arquivos com as informações guardadas pelos militares que sirvam de subsídios aos trabalhos dirigidos pela Comissão Especial – Lei 9.140/1995, à qual se deveria agregar equipes qualificadas de Arqueologia Forense e de suporte para todas as investigações necessárias.
  • Exigimos, portanto, o fiel cumprimento de sentença exarada pela juíza Solange Salgado, em 30 de junho de 2003 que indica ao governo brasileiro a abertura de todos os arquivos das Forças Armadas e a intimação dos militares envolvidos para prestarem depoimento.

Pela Vida, Pela Paz,
Tortura Nunca Mais!

Rio de Janeiro, 23 de junho de 2009

 

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II
TENTATIVAS DE MANIPULAÇÃO...

 

Pode-se enganar todas as pessoas por algum tempo
Pode-se enganar algumas pessoas por todo o tempo
Mas não se pode enganar todas as pessoas todo o tempo
Abrahan Lincoln

 

Com perplexidade e indignação, as entidades de direitos humanos e familiares de mortos e desaparecidos políticos tomaram conhecimento da criação do Comitê Interinstitucional de Supervisão das atividades do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Defesa, que busca localizar e identificar os corpos dos guerrilheiros na região do Araguaia. Este Comitê, sancionado pelo Presidente da República através do Decreto de 17 de julho de 2009, tem como objetivo fiscalizar as atividades do Grupo de Trabalho acima mencionado. Apesar da composição do Comitê e do Grupo de Trabalho contar com a participação de diferentes pessoas e entidades, a estrutura, a forma e a lógica de funcionamento continuam as mesmas, já que ambos são coordenados pelo Ministro da Defesa. Esta nova composição, a nosso ver, em nada garante a transparência das investigações, pois curiosamente é o próprio Ministério da Defesa que coordena e fiscaliza suas próprias investigações.

Não podemos esquecer que toda essa mis-en-scène vem sendo orquestrada, nesses últimos dois meses, em função de pressões nacionais e internacionais, como a sentença promulgada, em 2003, pela juíza Dra. Solange Salgado, que intimou o governo brasileiro a esclarecer as circunstâncias e a localização dos restos mortais dos guerrilheiros do Araguaia.  Da mesma forma, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA considerou como crime continuado o fato do governo brasileiro não ter tomado as providências cabíveis para a elucidação de tais violações. É importante frisar que os vários governos pós-ditadura civil-militar ignoraram, sistematicamente, a existência desse processo iniciado, em 1982, por 22 familiares. 

Por tudo isso, lamentamos profundamente que alguns companheiros estejam participando deste Comitê Interinstitucional acreditando nas “boas intenções” do governo federal.

Diante das considerações acima, exigimos que:
• Outro Grupo de Trabalho seja criado e coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos com a participação efetiva da Comissão Especial da Lei 9.140 – que tem como objetivo o esclarecimento das circunstâncias das mortes e desaparecimentos políticos e a localização dos restos mortais. Entendemos que neste Grupo de Trabalho seja necessária a presença de familiares, de entidades de direitos humanos, do Ministério Público Federal, bem como de outras instituições da sociedade civil. Defendemos, portanto, que esse GT não tenha majoritariamente um caráter governamental, mas que seja apoiado efetivamente pelos órgãos oficiais no sentido de fornecer toda e qualquer infraestrutura necessária para a concretização dos trabalhos.  
• Toda a documentação e depoimentos que foram acumulados ao longo dos últimos trinta anos através das várias caravanas realizadas pelos familiares e entidades na região do Araguaia sejam utilizados por este Grupo de Trabalho, assim como toda a documentação recolhida pelo Ministério Público Federal na região, em 2001.
• Os documentos que se encontram em poder de militares e ex-membros do aparato de repressão – já declarados por eles publicamente – sejam exigidos judicialmente.
• A população local seja ouvida e seus depoimentos considerados documentos oficiais.
• Todos os militares e civis envolvidos na repressão à guerrilha do Araguaia sejam convocados judicialmente para depoimento.
• Todos os arquivos da ditadura sejam divulgados de forma ampla, geral e irrestrita.
Exigimos, portanto, que toda a sociedade brasileira saiba onde, como, quando e por quem foram praticados os crimes de lesa humanidade ocorridos no período de 1964 a 1985.

Pela Vida pela Paz
Tortura Nunca Mais

 

Rio de Janeiro, 22 de julho de 2009

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III
FARSA HISTÓRICA?

Indignados e perplexos, tomamos conhecimento da participação do Sr. Carlos Hugo Studart Corrêa como Observador Independente do Comitê Interinstitucional de Supervisão das atividades do Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Defesa, que busca localizar e identificar os corpos dos guerrilheiros na região do Araguaia. Surpreendentemente, seu nome foi indicado como pesquisador pela Universidade de Brasília – UNB, por decreto do Ministro da Defesa publicado no Diário Oficial da União, nº 131, de 13 de julho de 2009.

Neste mesmo decreto, consta como Comandante da Equipe de Apoio Logístico, o General de Brigada, Mário Lúcio Alves de Araújo, comandante do 23º Batalhão de Infantaria de Selva que, como já assinalado em nota anterior, em entrevista ao jornal "O Norte de Minas", publicada em 31 de março de 2008, declarou "(...) há exatos 44 anos o Exército brasileiro atendendo a um clamor popular foi às ruas contribuindo substancialmente e de maneira positiva, impedindo que o Brasil se tornasse um país comunista".

No que se refere ao Sr. Hugo Studart, nossa surpresa se prende ao fato de que em seu livro “A Lei da Selva” (Geração Editorial, 2006) – produto de sua dissertação de mestrado defendida em 2005, na UNB – deixa claro o acordo que fez para manter o anonimato dos militares que participaram diretamente dos crimes cometidos na região do Araguaia contra os guerrilheiros e a população local. Afirma ele: “A condição exigida, respeitada, implicou citar os militares colaboradores por codinomes” (p. 23, nota de rodapé 43). Além disso, informa que teve acesso a “documentos oficiais das Forças Armadas” como “mapas, relatórios de ações, ordens de batalha” (p.23), assim como o que chamou de Dossiê Araguaia “elaborado por militares entre 1998 e 2001” (p.23). Este Dossiê teve como coordenador geral um coronel “hoje na reserva, que doravante conheceremos pela identidade fictícia de George Costa, o Dr. George, codinome que de fato usava durante a Guerrilha do Araguaia” (p.31).

É importante assinalar que os familiares e as entidades de direitos humanos jamais tiveram acesso a esses documentos, apesar da luta de mais de 20 anos pela abertura ampla, geral e irrestrita dos arquivos da ditadura.

Indagamos se esse tipo de pesquisa histórica contribui para a sociedade brasileira conhecer criticamente parte de sua história recente. A nosso ver, tal trabalho continua mantendo na obscuridade e nas sombras os responsáveis pelos crimes contra a humanidade cometidos em nome da segurança nacional. Fortalece, também, a idéia de que “o ponto essencial é desvendar o destino dos mortos e desaparecidos” (p.19), o que vai de encontro com a atual proposta governamental através da formação do Grupo de Trabalho e do Comitê de Supervisão.

Entendemos que a história não pode se resumir apenas à entrega dos restos mortais de todos os opositores políticos da ditadura civil-militar. É fundamental que possamos conhecer o que aconteceu, como aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu e quais os responsáveis pelas atrocidades cometidas pelo Estado terrorista implantado, em nosso país, em 1964.

Outra questão refere-se ao fato de que o Sr. Studart ao afirmar ter conhecimento de documentos e informações ainda hoje secretos, relata acontecimentos que nunca estiveram presentes nos depoimentos colhidos pelas várias caravanas de familiares e pelo Ministério Público Federal, em 2001, na região do Araguaia, assim como por diferentes pesquisadores do tema. Em seu artigo “A Guerra Acabou”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 06/07/09, (p. A2) afirma que “(...) três guerrilheiros que se entregaram, foram poupados e receberam novas identidades: Hélio Navarro de Magalhães, Antônio de Pádua Costa e Luiz René Silva”. Em nenhum momento revela as fontes e documentos comprovando tais afirmações.

Essa prática de informar sem apresentar as fontes e os documentos ditos secretos está presente em várias reportagens, publicações e depoimentos de militares e colaboradores do aparato de repressão. Em realidade, tem servido para confundir e desinformar, desqualificando a memória e a luta dos opositores políticos. Além disso, submete os familiares e amigos a um “crime continuado”, torturando-os, provocando mais dor e sofrimento. É, ainda, uma tentativa perversa de enfraquecer a militância dos familiares e das entidades de direitos humanos em busca da justiça e da afirmação de outras memórias.

Por tudo isto, continuamos reafirmando nossa posição de repúdio ao Grupo de Trabalho e ao Comitê de Supervisão cuja composição e funcionamento não merecem a nossa confiança e o nosso apoio.

Exigimos, portanto, a formação de um novo Grupo de Trabalho sob a coordenação da Secretaria Especial de Direitos Humanos, como já proposto em nota anterior.

Pela Vida, Pela Paz!
Tortura, Nunca Mais!

 

Rio de Janeiro, 05 de agosto de 2009

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30 de agosto – Dia Internacional do Desaparecido Político

Elegia à Memória


Governantes pretendem colocar a memória em um congelador, buscando com isso, paralisar a acumulação de rebeldia que ela contém. Pretendem colocar limites que estabeleçam quando, quanto e como recordar.
A quem se recorda, e a quem se esquece...
A quem se nomeia, e a quem se silencia...
A que vítimas, e a que familiares à memória oficial prestará homenagens, e quem serão os esquecidos pelo oficialismo...
Convivemos com os que querem suprimir, aplastar a memória até domesticá-la... fazendo que, com os desaparecidos, também desapareçam seus sonhos...
Existem aqueles que, em seus gabinetes do poder, sequestram a memória, negociam a memória, vendendo gato por lebre e, se apresentam como campeões dos direitos humanos...

Eles sofrem de “memória seletiva” tão seletiva que se transforma em “memória inofensiva”, “memória transgênica”, incapaz de fertilizar a terra regada com o sangue daqueles que tombaram, sem jamais transigir com o que acreditavam e pelo qual lutavam.

Outros colocam a memória em um vaso, para decorar suas ambições pessoais e dissimular suas sistemáticas segundas intenções.
Nós privilegiamos a memória que dá o nome próprio das utopias em que acreditamos e, pelas quais seguimos lutando.

É a vida em seu cotidiano, lugar privilegiado de toda rebeldia!
É a vida, com a resistência, seus projetos, ações e poesias!
Que se levanta de todas as derrotas e que reúne todas as bandeiras rotas e esfarrapadas por tantas e tantas batalhas.
Não para guardá-las em um museu de memórias imaculadas, mas, para com elas retornar uma vez mais às lutas, aos combates...

Não compactuaremos com os assassinos da memória!


Jair Krischke
Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos/RS