O Dia Internacional de luta contra a Tortura, também conhecido como Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, foi criado em 1997 pelas Nações Unidas para lembrar a importância da luta para a erradicação desta prática inaceitável, de origem milenar, mas ainda amplamente difundida em todo o mundo. Em mais de cem países, na África, nas Américas, na Europa, na Ásia, no Pacífico estamos Todos juntos contra a Tortura, experimentando nossa força coletiva, construindo nossos laços de solidariedade para com os atingidos.  

Este dia foi instituído pela Assembléia das Nações Unidas, por solicitação do Conselho Internacional para Reabilitação das Vítimas de Tortura – IRCT, e é comemorado no dia 26 de junho, data em que entrou em vigor a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.

Desde 1998, o GTNM/RJ tem realizado um evento anual por ocasião desta data. Nos últimos dois anos, o tema da reparação, em suas dimensões memória, verdade e justiça, tem sido o escolhido pelas urgências que implicam a sua efetivação em nosso país. E, este ano de 2009, no próprio dia 26, foram realizadas atividades no IAB, Instituto dos Arquitetos do Brasil em torno do tema Anistia: esquecimento e memória.

Com a participação da desembargadora Salete Macalós e da professora Cristina Rauter tivemos uma mesa redonda e debate sobre o tema do encontro. Tivemos também uma apresentação de trabalhos de familiares, de afetados diretos pela tortura, morte ou desaparecimento, sob diversos modos de expressão: exposição de fotos, trabalhos de investigação, vídeos, músicas, performances.

Ainda neste espaço, o GTNM/RJ lançou neste dia dois livros: Clínica e Política 2: subjetividade, direitos humanos e invenção de práticas clínicas, organizado pela Equipe Clínico Grupal Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, sobre a experiência de trabalho com afetados pela violência do Estado, e 20 anos da Medalha Chico Mendes de Resistência: memórias e lutas, que reúne um histórico e atualização sobre todos os homenageados durante o período de 1989 a 2008. Para a confecção deste livro, foram recontatacdas 219 famílias e/ou representantes dos homenageados ao longo desses últimos 20 anos. Nele, se encontram ainda, além das contextualizações históricas desse período, pesquisa realizada pelo Professor Rubim Santos Leão de Aquino sobre a Medalha do Pacificador, a mais alta comenda do Exército, entregue a muitos torturadores e membros do aparato de repressão cuja lista, em breve, estará em nosso site. (torturanuncamais-rj.org.br).

Depoimento

Mais de 300 pessoas estiveram presentes ao evento, e várias delas, descendentes e amigos de ex-presos, mortos e desaparecidos políticos fizeram uso da palavra. Os depoimentos foram emocionantes e muito contribuíram para a afirmação das memórias do tempo da ditadura. Como não podemos compactuar com a produção do esquecimento,  reproduzimos aqui o depoimento de COLOMBO VIEIRA DE SOUSA JÚNIOR, ex-preso político, sobre seu colega REINALDO PIMENTA, seu companheiro morto durante a ditadura.

Amanhã, 27de junho, é o dia em que Reinaldo Pimenta foi assassinado por uma equipe do CENIMAR e do DOPS. Reinaldo foi secundarista nos Salesianos da minha cidade (Niterói), e estudante de engenharia na UERJ. O mês de junho passou a ser um mês de lembranças e relembranças terríveis das prisões, torturas e assassinatos de militantes da dissidência estudantil do PCB, no velho estado do Rio. Queria planejar e executar uma homenagem digna desse nosso herói, na passagem desses 40 anos. Só conseguia me lembrar do que aconteceu no mês de junho, passei então a perguntar a cada companheiro que encontrava e a maioria não se lembrava sequer do mês. Até que há pouco consegui a data exata por um companheiro cuja esposa estava lá no ap da rua Bolívar.

Estávamos todos ESQUECENDO! Éramos um grupo de jovens empenhados em construir com companheiros da dissidência do Paraná um foco guerrilheiro no Oeste do Paraná, aos moldes sugeridos por Guevara e teorizados por Regis Debret. Ficamos batizados de MR8 por conta de nossa revista 8 de outubro. E, no primeiro semestre de 69, começaram as prisões no Paraná. A mando de Reinaldo, o nosso comandante Joaquim, percorri várias localidades do país buscando contato com os companheiros que se encontravam desaparecidos e poderiam ter furado o cerco e estar abrigados por esses contatos. Logo soubemos que estavam quase todos presos e sendo torturados no comando do CENIMAR na base da Marinha, na Ilha das Flores, entre Niterói e S. Gonçalo.

Reinaldo me passou a decisão da Organização: Agora a prioridade é evitar novas quedas e salvar nossos companheiros que estão sendo torturados, uns na Marinha e outros no Dops da Rua da Relação. "PREPARAR FUGAS E IMPEDIR NOVAS PRISÕES". Assim, Reinaldo se dirigiu ao apto da Rua Bolívar para retirar de lá duas companheiras do Paraná pois sabia da possibilidade do CENIMAR obter aquele endereço a qualquer momento. A repressão já sabia do endereço e prevendo que Reinaldo iria lá, montou uma tocaia com homens da Marinha e do Dops.

Segundo o depoimento de uma das companheiras presas no mesmo momento, Reinaldo tentou escapar pela janela por onde passaria para outro apartamento, os assassinos poderiam tê-lo detido enquanto pendurado no batente, mas preferiram derrubá-lo a golpes de fuzil. A perícia lavrou um laudo corroborando com a versão policial de suicídio e apenas um dos legistas assinou. Nossos companheiros estavam esquecendo! Eu estava esquecendo! Se nós esquecermos, ficará para a história o que as matérias da chamada grande imprensa relatam: o suicídio de um líder guerrilheiro que preferiu se lançar do quarto andar de um apartamento de Copacabana, o que efetivamente não aconteceu.

IAB, 26 de junho de 2009

Um atual exemplo emblemÁtico:

o caso de tortura contra membros do Povo Indígena Tupinambá na Bahia



No dia 2 de junho, quatro homens e uma mulher dos Tupinambá (Ailza Silva Barbosa 49 anos, Osmario de Oliveira Barbosa 46 anos, Alzenar Oliveira da Silva 23 anos, Carmerindo Batista da Silva 50 anos e José Otavio de Freitas Filho 30 anos) foram torturados por agentes da Polícia Federal (PF) de Ilhéus, sul da Bahia. Esses policiais aplicaram choques elétricos nas costas e nos órgãos genitais de indígenas e usaram spray de pimenta. Os Tupinambá estavam sendo forçados a confessar o assassinato de um homem, cujo corpo foi encontrado em uma represa da Fazenda Santa Rosa, em Buerarema, município próximo de Ilhéus. Os índios torturados só foram soltos à noite.

No dia 25 de maio, os Tupinambá fizeram a retomada de parte de suas terras tradicionais invadidas pela fazenda Santa Rosa. Na ocasião, os indígenas encontraram um corpo em estado de decomposição e informaram à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à PF. Horas depois da denúncia, agentes da PF entraram na área e levaram 15 indígenas presos. Após depoimentos, todos foram liberados, exceto Jurandir de Jesus, irmão do cacique Rosivaldo (Babau), pelo fato de estar transportando alimentos para os índios, na área retomada, num veículo de uma empresa que prestava serviços à Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Jurandir está sendo acusado de peculato, por utilizar o carro da empresa que aparentemente prestava serviços para a Funasa. O Ministério Público Federal (MPF) e a Funai impetraram Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal da 1ª Região contra o decreto de prisão preventiva, pois o simples fato de Jurandir levar alimentos aos seus companheiros não ofende a ordem pública, nem se caracteriza como fomento a um possível crime de esbulho.

O objetivo da tortura dos agentes da PF contra os cinco Tupinambá era fazer com que eles confessassem a participação no crime de homicídio. Mas não obtiveram êxito, e à noite soltaram os indígenas torturados. Em seguida, os índios procuraram a Funai e o MPF, prestaram depoimentos e fizeram exames de corpo de delito, comprovando-se as torturas levadas a cabo pelos policiais.

Contexto das torturas

Em outubro de 2008, a comunidade da Serra do Padeiro foi violentamente atacada pela Policia Federal de Ilhéus, que causou indignação inclusive motivando uma campanha da Anistia Internacional.

 No dia 20 de abril, a Funai publicou no Diário Oficial da União (DOU) o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Tupinambá de Olivença com o total de 47.376 hectares dentro dos municípios de Buerarema, Una e Ilhéus. A partir dessa publicação intensificaram-se as ações discriminatórias na região de Ilhéus, no sul da Bahia. O povo Tupinambá vem sofrendo, inclusive, ameaça de vereadores num intenso processo discriminatório por parte da imprensa da região. O empresário e pecuarista Marcelo Mendonça, Presidente do Grupo da Ação Comunitária, em sessão especial na Câmara de Vereadores de Ilhéus, declarou que seus pares se armariam para impedir a demarcação.

 Há uma campanha mentirosa por parte dessas pessoas, segundo a qual a demarcação da terra Tupinambá atingirá as sedes dos municípios onde ela se localiza. Nas ações, a Polícia Federal é acompanhada pelos fazendeiros das áreas retomadas. Na ação da PF em 2008, ninguém foi responsabilizado pelo excesso e pelas ilegalidades dos atos, criando um clima de impunidade em relação aos abusos de autoridades, de agentes e delegados da Polícia Federal.

 Estão sendo encaminhados os depoimentos e os laudos do exame de corpo de delito para conhecimento de todos. Tem-se contactado para apoio a Anistia Internacional no sentido de divulgar e denunciar esse crime de tortura. Entende-se que se não for feita uma pressão externa (nacional e internacional) tal caso de tortura será arquivado. (...)
No caso de maiores informações, entrar em contato com a equipe do Cimi em Itabuna – cimiita@veloxmail. com.br.

(Carta recebida de Cláudio Luiz Beirão advogado e assessor jurídico do Cimi)

Resumo das Torturas

Ailza Silva Barbosa, mulher, 49 anos (nasc. 22/10/1959) – Foi jogada no chão, bateram em suas costelas com cabo de arma, ameaçaram cortar seus cabelos, jogaram spray de pimenta em seus olhos e bateram com sua cabeça várias vezes na parede.

Osmario de Oliveira Barbosa, homem, 46 anos (16/04/1963) – Foi jogado no chão, deram-lhe chutes, usaram spray de pimenta em seus olhos, sofreu choques elétricos em suas costas, costelas e órgão genitais.

Alzenar Oliveira da Silva, homem, 23 anos (20/01/1986) – Foi jogado no chão, usaram spray de pimenta em seus olhos, deram-lhe chutes e recebeu choques elétricos em seu pescoço e costelas.

Carmerindo Batista da Silva, homem, 50 anos (12/07/1958) – Foi jogado no chão, deram-lhe chutes, usaram spray de pimenta em seus olhos. Pisaram de bota em seu pé onde ficou a marca; ficou algemado das onze da manhã até as vinte e uma horas e trinta minutos, foi jogado na parede o que machucou sua testa.

José Otavio de Freitas Filho, 30 anos (03/12/1978) – Foi jogado no chão, deram-lhe chutes, bateram em sua cabeça, usaram spray de pimenta em seus olhos, sofreu choques elétricos no pescoço, órgão genitais. Recebeu várias ameaças de morte.

Material recebido de Nilton Luz – Graduando em Economia – UFBa; Militante da Ousar Ser Diferente / Rede Afro-LGBT / Kiu! / Esquerda Democrática e Popular – PT / Núcleo Setorial LGBT do PT-BA / Conselho Municipal da Comunidade Negra. http://www.martarodrigues.org.