A dura luta pelos direitos humanos
Fernando Alcântara de Figueiredo

Todo homem ou mulher está sujeito a enfrentar momentos difíceis em suas vidas, mais há almas que necessariamente têm que percorrer caminhos jamais trilhados. Foi o que ocorreu comigo e meu companheiro quando decidimos quebrar o contrato estabelecido. Aceitar com normalidade ou condescendência relações inescrupulosas parece ter se tornado fator determinante para uma boa convivência. Aqueles que ousam contrariar este tal pré-estabelecido espúrio estão fadados ao ostracismo ou à expurgação do meio em que coexistem. Nosso caso é mais um típico e comprovado testemunho de arbítrios “sem solução”. Entretanto, nas entrelinhas de todo processo coexiste a imagem perversa da discriminação.

Tudo veio à tona a partir de representações de condutas ultrajantes à dignidade da pessoa humana. Difícil acreditar que no limiar de um novo século encontremos mentalidades tão doentias. A máscara foi explicitamente posta como manto protetor ao que já está desnudo. Crer que num meio formado predominantemente por um universo másculo não se possa encontrar a diversidade seria o mesmo que o inimaginável. Nossos conflitos, anseios, perspectivas e drama são, acima de tudo, o reflexo do que se tem de fato nas Forcas Armadas do Brasil. Homens e mulheres são compelidos a abandonar suas identidades para não perder um emprego ou mesmo um sonho, construído à base do que se imagina por verdadeira ideologia profissional. Nunca acreditei que nossa vida íntima pudesse ser fator preponderante no trato trabalhista. Assim enxergávamos as Forças Armadas.

Antes de uma demonstração de amor à nação e exercício de cidadania, o profissional militar deve ser aquele que tem na caserna um projeto pessoal de vida, nunca uma imposição como quer o modelo atual: falho, surreal e ultrapassado. Éramos excelentes profissionais aos olhos da força terrestre quando decidimos não mais compactuar com o arbítrio que por séculos impera. Nosso amor para com nós mesmos e aos nossos foi determinante para subjugar os oponentes, e, ousar expor tudo a todos.

De um lado tínhamos alguém doente, meu companheiro e amigo, lutava pela sobrevivência e pelo direito à cura. Do outro, uma minoria doentia e revanchista, representando parte da cúpula institucional, recalcitrante em manter o modelo falido de gestão humana e da coisa pública. Desta forma, tudo tomou dimensão imprevisível e foi justamente o afã em preservamos nossa própria integridade que nos conduziu ao embate. A imprensa seria a saída mais viável, de conduta plausível, só o tempo seria capaz de dizer, mas, não podíamos permanecer com os braços cruzados. Era aquilo ou a completa ruína. O efeito imediato foi atingido. Com a exposição, resguardamos o direito à sobrevivência, mas aquilo não garantiria a integridade. É lamentável que se relute em confirmar que se mudou a forma, mas a metodologia ainda permanece. Uma intensa tortura psíquica caiu sobre nós.

Embora dura a realidade, não esmorecemos, lutamos, vencemos. Mesmo que as sequelas sejam fortes e que ainda tenhamos espinhosos caminhos a percorrer, ainda assim tudo valeu a pena. Quando se tem consciência daquilo que é correto e honesto não há o que se temer. Vieram as trevas, mas também foi-nos dado o sabor em desfrutar dos arcanjos, seres humanos repletos de luz que tivemos a grata satisfação em conhecer e, à nossa causa, foram e são solidários.

Movimentos sociais, entidades não governamentais, autoridades ligadas ao Legislativo e ao Executivo foram o braço contra a impunidade, nossa muralha. Seria desnecessário citar nomes, mas mesmo assim o faço, dada a importância que representam para a nação. Grupos como o Tortura Nunca Mais – Rio e São Paulo; CONDEPE SP, OAB – Rio, DF e São Paulo tiveram papel decisivo nessa história. Autoridades como o Senador Suplicy, Jose Nery, Fátima Cleide e Serys Slhessarenko foram e são solidários à causa. Foi em meio àquele turbilhão de acontecimentos que encontramos pessoas tão humanas que jamais poderia crer que existissem, tais como Ariel de Castro Alves, Francisco Lúcio França, Rose Nogueira, Alexandre Maciel, César Sampaio, Renato Simões e Marina Steinbruch. Sem deixar jamais de mencionar a sempre doce Miriam Radichi, exemplo de mãe e ser humano.

Não é por menos que a demonstração de luta constante pela verdade é característica daqueles que labutam na área dos direitos humanos, fato que nos faz crer num mundo justo. Seria lamentável não aproveitar este ensaio como espaço para agradecimentos, afinal, é o primeiro e, como exordial, sinto um carinho imenso por ele e nunca vou esquecer as fortes e coesas palavras de Cecília Coimbra, presidente do GTNMRio. “Não somos vítimas, somos fruto de nossa resistência, nossas convicções, nossas ideologias”. Que este artigo traga ao leitor, ao cidadão e sobretudo ao militante dos direitos humanos a certeza da importância do trabalho pela preservação da vida e por um mundo melhor.




Brasília, 15 de junho de 2009

Fernando Alcântara de Figueiredo, ex-sargento do Exército, escritor, autor do livro:
Soldados não choram” e membro do Grupo Tortura Nunca Mais-SP

 


Homofobia mata!

Em 1969, no Bar Stonewall, na famosa Greenwich Village, em Nova York, lugar de encontro dos homossexuais, após sucessivas, violentas e humilhantes batidas policiais, os homossexuais rebelaram-se e ganharam apoio público. No ano seguinte, deu-se a primeira Parada Gay.

Quarenta anos depois, em São Paulo, durante a última Parada Gay, em 14 de junho, além da bomba atirada do alto de um edifício, várias outras agressões ocorreram, deixando deixaram vários feridos. Um deles, Marcelo Campos Bastos, de 35 anos, morreu no último dia 17 de junho, após sofrer violentos espancamentos.

Sabemos que o número de assassinatos de homossexuais aumentou 55% em 2008 em relação ao ano anterior, revela pesquisa feita pelo grupo gay da Bahia.

O preconceito e o enclausuramento – hoje também a céu aberto – continuam. Na ditadura, por exemplo, após 1968, o Ministério das Relações Exteriores “usou a segurança nacional como pretexto para violar a intimidade de funcionários e expulsar diplomatas que, segundo o próprio órgão, eram considerados homossexuais, emocionalmente instáveis ou alcoólatras”. (O Globo, 28/06/09, p. 10 e 11)

Jamil Chade em O Estado de São Paulo – SãoPaulo/SP (04/06/09)