Na madrugada do dia 19 de fevereiro, pouco antes do
final das férias escolares, às vésperas do Carnaval de 2009, com um mandado judicial de junho de 2007 e
o apoio da reitoria da Unicamp, a polícia
apreendeu os equipamentos da Rádio Muda, mas...

Ouve-se Outra Vez a Rádio Muda

André Nogueira*

Isso nao é miragem, oásis miraculoso no terreno desértico, no cemitério de elefantes que constitui a comunicação em nosso país. As ondas que a transmitem são quase palpáveis, a mesma matéria do seu pensamento surpreendido constitui a sua música! A Muda está de volta ao ar e seu heroísmo satistaz toda expectativa, atualiza todas as potências, poliniza o Saara.

19 de Fevereiro – a Polícia Federal foi autorizada a entrar no campus da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), durante a madrugada, para apreender os equipamentos da Rádio Muda. A ação se enquadrou na “Operação Silêncio”, como foi chamada a última onda contra mais de 30 (trinta) rádios, na região de Campinas.

Semana passada, um jornalista da Folha de São Paulo (pravda conceituado), cometeu um pequeno deslize ao se referir aos vinte anos de ditadura militar como “ditabranda”. E a Folha de São Paulo repudiou publicamente o protesto de seus leitores!

Não por acaso as ações policiais contra as rádios livres são chamadas de “Operação Silêncio”. A intenção das forças policiais do Estado permanece a mesma da ditadura militar: silenciar a opinião da comunidade – com uso de força bruta, se necessário. O uso da força bruta caracterizou a ditadura, anos atrás. Atualmente, sem que a intenção tenha mudado, as estratégias de silenciamento adquiriram aparência de cumprimento de lei.

A divulgação dos documentos secretos da ditadura militar nos responderá sobre a dita “brandura” de seu caráter. Mas, para isso, pelo jeito, precisamos de uma ajuda da providência. Por hora, se uma “ditabranda” é possível, o seu caráter está no seu atual travestimento de legalidade.

Entrementes, podemos usufruir apenas da opinião dos jornalistas como os da Folha de São Paulo, pois eles ocupam a encruzilhada da comunicação (com louro, auréola, mas sem santidade!). Afinal, malgrado a diversidade de opiniões, nessa encruzilhada, a opinião deles parece a única opinião!

A proposta das rádios livres é inteiramente diversa: proporcionar a todos os cidadãos a oportunidade de comunicação radiofônica; democratizar a voz microfonada – considerando que “democracia”, na sua concepção, nao é “travestimento de legalidade”.

A Rádio Muda não é legal, nem ilegal, segue princípios simples de constituição:

Assim, a Rádio Muda se tornou, no âmbito das rádios livres, um dos maiores nomes do mundo. Atualmente conta com dezenas de programadores que transmitem dezenas de programas, de domingo a domingo.
A rede permite à Muda ser ouvida em qualquer lugar do mundo; mas, no quesito de ondas de rádio, funciona em baixa potência, atingindo apenas as proximidades da Universidade, no bairro de Barão Geraldo, em Campinas.

Pela potência de seu único transmissor, não causa, nem pode causar qualquer transtorno, mas proporciona o poder de voz não só à comunidade acadêmica, mas a todo o bairro, que pode se apropriar da sua frequência para partilhar seus estudos, suas opiniões, seus gostos e suas paixões.

Em nota oficial, a Procuradoria Geral da Unicamp se pronunciou sobre o fechamento da Rádio Muda, nos seguintes termos: “A operação constitui um fato isolado, não interferiu nas atividades acadêmicas e administrativas da universidade, bem como nos serviços prestados à comunidade, que seguem dentro da normalidade”.

Ora, na conjuntura dos fatos, tal afirmação é de tom tão absurdo quanto a da Folha de São Paulo, sobre a “ditabranda”. Para a comunidade, o fechamento da Rádio Muda significa, sim, um prejuízo seguido da subtração dos dois lados da moeda de seu benefício: de um lado, a veiculação cultural de que é responsável e que destina a essa comunidade; de outro, a possibilidade que dá a essa comunidade de veicular cultura.

A Muda é fechada – normalidade... Porque, muito infelizmente, em nosso país, normalidade continua a significar: negação da cultura, impedimento da livre-expressão. Muito infelizmente, cultura e livre-expressão são aqui consideradas anormalidades – passíveis de perseguição.

Essa razão propiciou à Rádio Muda, por providência e por muito esforço, retornar ao ar. Seus programadores persistem em seu ideal, malgrado a provação. Assim, esquizoradiofrenicamente, na frequência 105,7 FM e pelo sítio virtual muda.radiolivre.org, ouve-se outra vez o som da Muda.

*Estudante de Filosofia da Universidade Estadual de Campinas