No Chile, a partir de setembro de 73, ocorreram crimes bárbaros sob o manto da mais feroz repressão ideológica. Desde o golpe militar, cerca de 4000 opositores desapareceram ou foram assassinados, dentre eles cidadãos chilenos, argentinos, espanhóis, ingleses, americanos, franceses, belgas e brasileiros. Para levar a cabo essa crueldade, o governo pinochetista valeu-se da estrutura militar e da usurpação do poder e institucionalizou, com impunidade, o regime terrorista destinado à eliminação sistemática de pessoas, submetendo-as ao seqüestro, à tortura, ao assassinato ou ao desaparecimento.
Com o apoio de outros países, especialmente da Argentina, montou uma organização internacional com o nome de Operação Condor, com o fim de coordenar a ação repressiva entre eles. Internamente, Augusto Pinochet, então Chefe das Forças Armadas e do Estado chileno, comandou a detenção ilegal, a tortura e o assassinato de chilenos e estrangeiros, através dos serviços secretos da Direção de Inteligência Nacional, a DINA, criada em 74. O numeroso catálogo do horror chileno é o retrato de um genocídio.
Em janeiro de 1986, começa a trabalhar, em Santiago, o Centro de Salud Mental y Derechos Humanos CINTRAS, organização não governamental e sem fins lucrativos, voltada para dar assistência solidária em saúde mental às pessoas afetadas psicologicamente pela tortura e outras formas de repressão política. Objetivo complementar da instituição é investigar o dano psíquico e psico-social produzido pela repressão política, visando contribuir para o desenvolvimento de uma cultura dos direitos humanos. Em 1990, seu trabalho assistencial cobria províncias situadas a 400 km ao sul da Capital, chegando a atender a mais de 700 consultas anuais.
Há, no Chile, muitas vítimas da perseguição e do cárcere. Em diversos casos, a saúde mental dessas pessoas, assim como a de seus familiares, está afetada pela dolorosa experiência da prisão e da tortura, bem como das dificuldades encontradas posteriormente. Muitos ex-presos continuam com processo pendentes, estando em regime de liberdade provisória. E como continua vigente a legislação da ditadura, são eles qualificados como delinqüentes ou criminosos, dificultando a sua reinserção social. Os acolhidos nos programas do CINTRAS recebem atenção integral, incluindo psicoterapia individual, de casal, familiar e de grupo; terapia ocupacional dirigida à recuperação de habilidades pessoais, sociais e laborais; assistência social; fisioterapia.
Por que o Centro deve continuar seu trabalho ? Porque os quase 17 anos da ditadura militar deixaram marcas profundas na sociedade chilena, agravadas pelo descaso dos governos eleitos posteriormente. A triste herança deixada pelos militares resume-se nas limitações dos programas estatais de assistência médica e psicológica, na consolidação da impunidade dos criminosos do período autoritário, na insuficiência das medidas de reparação moral e econômica adotadas pelo Estado para as vítimas do regime. Contra o esquecimento e a desesperança levanta-se, incansavelmente combativo, o Centro de Salud Mental y Derechos Humanos.
Ao CINTRAS, a nossa fraterna homenagem.
* Na foto, o filho de D. Lyda Monteiro entrega a medalha às representantes do CINTRAS