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Medalha Chico Mendes | homenageados 1993

Com a Medalha Chico Mendes de Resistência, o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro – GTNM/RJ homenageia pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou internacionais, por suas lutas na defesa dos direitos à vida e à liberdade e por uma sociedade plural, fraterna e sem torturas, reafirmando sua dignidade e sua memória. Essa homenagem, prevista em seu estatuto desde a sua fundação, em 1985, vem sendo cumprida desde 1989, anualmente, no dia 1º de abril ou em data próxima.

Maria Dolores Perez – a Lola recebendo a Medalha Chico Mendes de Resistência em 2007

 

> Homenageados 1993

Caco Barcellos nada contra a correnteza. Quem é Caco Barcellos e que correnteza é essa?

É o rio de informações, notícias e opiniões vertidas pelos meios de comunicação, noite e dia, ano após ano, em grandes volumes, veloz, sem parar. É um rio de águas turvas, contaminadas, nocivas.

Aqui, como em todos os lugares onde o capitalismo fincou raízes, os principais meios de difusão são instrumentos, massificantes controlados por empresas privadas, sujeitos a muita censura e totalmente financiados pela publicidade. O conteúdo do que é transmitido é entretenimento idiota muito mais do que informação em geral; as notícias são filtradas por monopólios internacionais de informação, sempre incompletas e muito deformadas. Deformam conceitos e valores. Promovem o quietismo e a insensibilidade social. Submetem a população à comercialização de sentimentos d etodo o tipo para aumentar as vendas e isso se faz a tal ponto que já nos acostumamos à promoção comercial do dia das mães, do dia dos pais, dos mestres, à venda dos “posters” de revolucionários, ao uso do amor e do sexo na publicidade.

Resultado, achata-se a população, letrada ou não, num nível medíocre de cultura, de integração e de ação política, dando-lhe pouquíssimo acesso às informações desejadas e, cada vez mais, desestimulando essa necessidade.

Nas fases autoritárias de nossa história, as coisas são ainda piores – a falsificação de notícias, a censura e a manipulação da opinião chegam ao máximo.

Caco Barcellos está na contracorrentes disso tudo. Começou no jornalismo como repórter do Jornal Folha de Manhã de Porto Alegre. Nos cinco anos seguintes, trabalhou em revistas e jornais da imprensa alternativa, como Versus, Coojornal, Movimento; depois foi correspondente nos Estados Unidos de jornais e grandes revistas de reportagem. É repórter de televisão desde 1984.

Caco é autor de dois livros: “A Revolução das Crianças”, que trata de vitória da revolução sandinista na Nicarágua, e “Rota 66”, que é a história da polícia que mata, um romance reportagem que denuncia os crimes praticados pela Polícia Militar de São Paulo durante o patrulhamento regular da cidade.

Este não é um livro como tantos outros escritos por intelectuais da moda. É resultado de uma longa, difícil e meticulosa investigação jornalística que desarma a trama do esquadrão da morte oficial montado em São Paulo. Nele, Caco Barcellos relata o assassinato de inocentes e denúncia os matadores e o rol da justiça conivente.

Foi a partir das investigações de Caco no IML que se abriu o caso do cemitério de Perus. Ao folear os livros e os registros dos mortos, percebeu a leta “T” escrita em vermelho ao lado de alguns nomes – eram os chamados terroristas. A letra servia para designar os militantes assassinados e enterrados clandestinamente pelos torturadores. Caco Barcellos procurou os familiares, moveu autoridades e conseguiu juntar a massa crítica necessária para as ações de busca em Perus.

Caco tem um trabalho inédito sobre a busca dos militantes desaparecidos durante a ditadura militar brasileira e o tormento vivido por seus familiares e amigos. Por seu trabalho corajoso, foi premiado várias vezes. Ganhou prêmios pelas reportagens “As Crianças que a Cidade não que nas Ruas”, “massacre na Casa de Detenção”, “A Vida no Lixão do Alvarenga”, “Seqüestro na Colômbia”, “O Esquadrão da Morte da Polícia do Espírito Santo” e pelo livro “Rota 66”.

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ concede agora a Medalha Chico Mendes de Resistência, em reconhecimento à visão aguda, à sensibilidade, ao talento e à coragem do jovem jornalista Caco Barcellos.

David Capistrano nasceu no Ceará em 1913. Foi casado com Maria Augusta, com quem teve duas filhas – Carolina e Maria Cristina – e um filho, David como o pai, e atual prefeito de Santos.

Desde cedo fez sua vida confundir-se com a política, participando das atividades do Partido Comunista Brasileiro. Já nos dias de militância mais tenra, ainda no verdor dos anos, respondeu ao apelo dos internacionalistas e deixou as belezas do seu Brasil nortenho para ir-se à Espanha, lutar contra as primeiras agressões mundiais do nazi-facismo. Aos 23 anos, Capistrano foi para a guerra, somar sua lealdade à causa proletária e a sua coragem às hostes republicanas que, na terra de Garcia Lorca guerreavam Franco.

Sobre o chão da península que dali a pouco recebia o corpo do poeta assassinado, ao lado de outros combatentes, encarou de frente o novo inimigo cuja cara medonha prenunciava os horrores da ordem fascista.

Com a derrota, passa a nova frente, agora ombro a ombro com as maquisards, ligando-se às ações da Resistência na França. Regressa ao Brasil antas da vitória e passa a participar da construção do PCB, atuando em vários Estados, com a dedicação destemida de sempre. Em 1945, foi eleito deputado estadual constituinte por Pernambuco, para ser logo cassado, como outros camaradas, em 1947.

Sete anos depois, é incorporado ao Comitê Central do Partido. Viaja ao exterior em 1971, em missão partidária e é em seguida indicado para assumir cargo político junto à Revista Internacional, em Praga.

Nesses tempos, o Brasil atravessa os seus piores dias de repressão militar, quando o Estado foi posto a serviço de ditaduras sanguinárias e corrompidas. Capistrano trata de voltar clandestino ao país, cruzando a fronteira entre o Rio Grande do Sul e Argentina. É seqüestrado ao viajar para São Paulo e até hoje é dado como desaparecido. Soube-se, posteriormente, que foi torturado até morrer na casa de Petrópolis, na infame casa da morte mantida pelos insanos agentes da repressão do regime militar.

Depois de uma vida repleta de lutas pela liberdade e pela democracia, Capistrano entra no contingente sinistro dos desaparecidos, nessa cínica classificação usadas pelas ditaduras para acobertar seus crimes.

Maria Augusta, sua esposa, é mesmo viúva? Onde está o corpo de Capistrano? Onde foi enterrado? Quando será honrado pela cerimônia de entrega à terra dos restos que os torturadores deixaram ao ceifar-lhe a vida?

Que o guardião do mistério saiba que chegará o dia de darmos a Capistrano seu lugar de repouso eterno e que, nesse dia, mesmo as crianças então presentes, com flores na mão, perceberão que as honras do momento, prestadas àquele morto, celebram sua vida de lutas, de dores e de muitos felizes vislumbres do que pode ser o futuro sem opressão

Os intelectuais, para Gramsci, são “persuasores permanentes, são trabalhadores dedicados a soldar as bases de novos projetos políticos, são os organizadores das sociedades rumo ao futuro”. Osny Duarte Pereira é um intelectual desse quilate.

Aos sete anos já redigia jornal manuscrito do grupo escolar, no ginásio criou um espaço para a discussão de problemas de interesse social e na Universidade Federal do Paraná, onde estudou Direito, foi candidato da Esquerda Universitária e eleito, em 1931, primeiro presidente do diretório acadêmico.

Participou da Revolução Constitucionalista e aos 19 anos foi Promotor Público no Estado do Paraná. Já advogado, fundou em 1934 o primeiro sindicato de operários do Vale do Rio do Peixe, no oeste de Santa Catarina. Depois vieram décadas atrozes quando o continente americano sombreou-se de ditaduras sanguinárias. Osny alinhou-se inteiramente dentre as forças libertárias. Tendo ingressado na magistratura do Rio de Janeiro, em 1948, participou da fundação da Revista de Direito Contemporâneo, publicação voltada para a defesa das liberdades da América Latina.

Na década de 50, integrou a Associação Brasileira de Juristas Democratas, da qual foi secretário e, depois, presidente. Integrou, ainda, a Associação Internacional de Juristas Democratas, com sede em Bruxelas, onde foi eleito Secretário para a América Latina. Solidarizou-se com os perseguidos políticos deste continente torturado, participou de diferentes congressos em defesa das liberdades democráticas, foi Secretário Geral das Conferências Latino-Americanas do Rio de janeiro e da Guatemala, em 1952 e 1953, e da Conferência pelas Liberdades Democráticas, em Santiago, em 1955.

Osny foi presidente da Associação dos Amigos do Povo Paraguaio e da Associação dos Amigos do Povo da Guatemala, participou de missões visando libertar presos políticos dos cárceres do Chile, Paraguai e Guatemala. Foi, ainda, secretário-geral do Instituto Cultural Brasil-Cuba, então presidido por Oscar Niemeyer.

Nos anos 60, fez parte do corpo docente do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB, como chefe do Departamento de Ciência Política. Os dirigentes do golpe de Estado de 1964 viram nas atividades de Osny motivos suficientes para cassar seus direitos políticos e incluíram seu nome na primeira lista de cassações.

Osny escreveu mais de 20 livros de ciência política onde aborda os temas mais candentes da questão da soberania nacional. Exerce, há alguns anos, a presidência do Conselho Brasileira de Defesa da Paz – CONDEPAZ.

De 1987 a 1988, participou dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, preparando projetos e dando assessoria aos relatores. Em reconhecimento pela sua atuação democrática, foi eleito, pela Câmara, membro suplente do Conselho da República, em 1989.

Osny Duarte Pereira não é desses intelectuais apolíticos roídos pelos vermes do silêncio. Ao contrário, sempre fez do pensamento motor lúcido para a transformação social. Quem poderia discordar do editor Ênio Silveira a que ele assim se referiu:

“Incompreendido, às vezes, vítima de injustiças e até de violências, jamais se perturbou nem se deixou desviar, como cidadão, intelectual ou magistrado, do sereno cumprimento das obrigações que seu patriotismo lhe impõe”.

kpv / Centro de Memória Osny Duarte Pereira

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Como toda instituição, a Igreja Católica corre o risco de se esclerozar. Pode vir a se organizar de forma cada vez mais rígida, com um corpo de sacerdotes que rapidamente se transforma em burocratas mais atentos aos seus próprios interesses do que aos que deveriam defender, e se afastar dos princípios mais inovadores da sua doutrina. A Igreja corre o risco de perder a razão de ser por falta de função transformadora na crise do mundo moderno. Mas esse é apenas um risco. Mais importante é que no seio da Igreja se acham também os veios preciosos de mensagem cristã que lhe dão vitalidade, arejam a instituição dando-lhe transparência,, e que vêm somando forças em oposição a toda forma de exploração em nossas sociedades.

Dom Adriano Hypólito é uma dessas forças da Igreja junto ao povo. Em 1966, é nomeado bispo de Nova Iguaçu pelo Papa Paulo VI.

“O que se dizia da Baixada”, eles nos conta, “era de arrepiar os cabelos: violência, povo paganizado, corrupção política, pouca prática religiosa. Quando chegaram os telegramas e cartas, quando escutava os amigos e confrades, predominavam em todos as lamentações por essa nomeação. Todos os parabéns eram misturados com pêsames. Também aí não me deixei impressionar. Meu otimismo preferia esperar, antes de julgar”.

Mas a acolhida que lhe deu o povo da Baixada foi carinhosa, marcada pela esperança, e a nova missão veio finalmente revolucionar sua vida num sentido positivo.

Em 1968, Dom Adriano introduzia o sistema de eleições para o preenchimento de cargos diocesanos e criava o Movimento de Integração Comunitária como primeira ação sobre as questões sociais da área. No ano seguinte, propunha uma pastoral diocesana que buscasse soluções para os problemas da Baixada que ele já percebia claramente: a criminalidade impune, o poder dos caciques políticos, a imigração violenta, a urbanização caótica e a imensa e dolorosa pobreza.

Felizmente, contava-se com o espírito renovador do Concílio Vaticano II, do qual havia participado.

O golpe de 64 e sua história de violências o aproximou ainda mais do povão. A reação não tardou: em 1976 é seqüestrado por forças parapoliciais. Sua resposta foi a preparação de um grande debate sobre os direitos humanos para a organização de uma comissão diocesana de justiça e paz. O debate, no entretanto, foi impedido pelas tropas da ditadura. O regime militar rangia os dentes contra esse apóstolo indócil: uma falsificação da Folha diocesana é espalhada na Baixada e remetida a outros bispos. Em 1978, é criada a Pastoral da Terra em sua diocese. Um ano depois, a catedral e outras Igrejas da região amanhecem pichadas com acusações a Dom Adriano e à linha pastoral.

O regime do golpe já fazia água por todos os lados e mesmo nos estertores finais veio a lançar bombas na catedral, destruindo o sacrário e danificando as paredes. A Igreja de Nova Iguaçu, em procissão, demonstra sua solidariedade ao bispo e ao sentido de seu postulado.

Muitas realizações vieram depois: a caminhada dos sem terra, concentrações religiosas para denunciar a violência contra o povo, a criação do Fórum Permanente Contra a Violência e da Universidade Popular da Baixada que tem por lema “quem sabe mais, luta melhor”.

“Sei que vou ser feliz com o povo de Baixada”, ele disse em 1966 ao expor o rumo do seu futuro trabalho. Com Dom Adriano, assumiremos a nossa caminhada – deve ter pressentido o povo de Deus de Baixada Fluminense ao ouvir o sermão do novo bispo há mais de 26 anos – e ao seu lado seremos felizes na busca do Deus libertador.

No prólogo do informe encaminhado pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP) ao Presidente da aRgentina, em setembro de 1984, lê-se que neste país vizinho “as Forças Armadas (...) desde 24 de março de 1976, contaram com o poderio e a impunidade do Estado absoluto, seuqestrando, torturando e assassinando a milhares de seres humanos”. Mais adiante, prossegue o informe: “com a técnica dos desaparecimentos e suas conseqüências, todos os princípios éticos que as grandes religiões e as mais elevadas filosofias erigiram ao longo de milênios de sofrimentos e calamidades foram pisoteados e barbaramente ignorados”.

Os militares argentinos exterminaram pessoas previamente detidas, ocultando suas identidades e, muitas vezes, destruíram seus corpos para evitar identificação posterior. Em suas operações monstruosas terminavam por levar estudantes, sindicalistas, intelectuais contrários ao terrorismo de Estado, familiares, amigos e até mesmo os que acaso figurassem na agenda de alguém considerado subversivo. Aos milhares foram presos, torturados, desaparecidos, em uma prática hedionda que não se restringiu à Argentina. Ocorreu em outros países, inclusive no Brasil.

Caindo o regime militar com suas munições do horror, urgia encontrar os desaparecidos. Como achá-los sob os escombros do medo e do silêncio? No contexto desse drama trabalha a Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), desde 1984, aplicando métodos científicos nas investigações sobre as violações dos direitos humanos cometidas na Argentina em outras partes do mundo.

Através da exumação arqueológica de restos ósseos e da análise do meterial recuperado, a Equipe acha identificações positivas das vítimas, determina a causa e o modo de morte, e junta a documentação objetiva requerida por diferentes instâncias judiciais encarregadas de definir responsabilidades nos casos investigados. Desde 1986, integrantes da EAAF viajaram a diversos países para fazer investigações de casos, realizar seminários e formar equipes semelhantes em cada um dos lugares visitados. Na Amércia Latina, nos Estados Unidos, na Europa, no Oriente, a Equipe demonstrou a importância desse trabalho na comprovação científica de violações aos direitos humanos. No Brasil, formou equipes dessa natureza e deu início às exumações no cemitério de Ricardo de Albuquerque, no Rio, tendo sido observadora dos trebalhos realizados em Perus, em São Paulo.

São investigações desse tipo que permitem restituir aos familiares os restos mortais dos seus entes queridos e aportar elementos reais para a reconstrução de uma história. Ao dar condições para o estabelecimentos da responsabilidade judicial de cada caso, preserva a memória histórica da sociedade, para que jamais voltem a ocorrer os fatos abjetos do passado.

Ciência para a justiça, a verdade e a memória, eis o labor da Equipe Argentina de Antropologia Forense.

Ivonete Tonin, a Nina, é gaúcha de Ibiraiara. Filha de pequenos colonos, deixou a escola para dedicar-se junto à família à faina do campo, nas fazendas de sua região. Aos 19 anos, Nina sai de casa em busca de terra para plantar e passa a viver nos acampamentos dos agricultores sem-terra. De 1989 a 1991, fica acampada em Cruz Alta e depois em Bagé. No ano passado (1992) viaja para Mato Grosso do Sul a procura de solo fértil sem suspeitar as dificuldades e as pelejas que o futuro lhe reservava.

O Mato Grosso do Sul é o estado de maior concentração fundiária no Brasil; lá existem 84 mil famílias semt erra, caminhando a esmo, na esperança de ganhar a vida e prosperar no campo, com o valor do próprio trabalho.

No dia 16 de maio de 1992, cerca de 400 famílias ocuparam um terreno desapropriado, de 8 mil hectares, no sul do estado, próximo ao município de Rio Brilhante. Formou-se uma comissão para negociar com o governador, da qual Nina fazia parte. Iniciava-se um longo enfrentamento contra a intransigência e insensibilidade das autoridades.

Na madrugada de 5 de julho, mais uma vez o mesmo: 300 policiais invadiram o acampamento com disparos de tiros e bombas. Houve dois trabalhadores baleados e dezenas de mulheres e crianças feridas pelos estilhaços e golpes de cacetete.

No Brasil a luta pela terra é um problema de solução remota, haja vista a mediocridade dos ensaios de reforma agrária feitos até agora neste país de muitos agricultores sem terra e muita terra sem agricultura. Há três semanas, soldados da PM mataram Denis Bento da Silva, o Teixeirinha, líder dos agricultores que ocuparam uma fazenda no Paraná. O latifúndio vai abordando rendas de féretro nas suas franjas.

No ataque policial em Rio Brilhante, 9 trabalhadores foram presos e indiciados na delegacia de Dourados, dentre eles Nina, a única mulher do grupo detido. Após 81 dias de prisão, oito presos doram libertados e ficou apenas Nina encarcerada como meio de pressão da Secretaria de Segurança do Estado contra a mobilização dos agricultores. Passados três meses, foi impetrado pedido de relaxamento da prisão de Nina, levando-se em conta que ninguém havia se apresentado para depor contra ela. O juiz de Dourados negou o pedido, alegando que Nina era perigosa para a comunidade.

Graças à pressões de entidades da sociedade civil e de parlamentares, o Tribunal Regional de Justiça do Estado concedeu a Nina liberdade provisória, depois de quatro meses e meio na cadeia, para responder às acusações em liberdade.

Fora da prisão, Nina continua a frente do acampamento em Rio Brilhante, onde centenas de famílias estão acampadas a espera de assentamento.

Entre os russos, desde a monarquia, a palacra “mir”, aplicada à aldeia, como comuna, significa também mundo e paz. Sugere, portanto, que as idéias de comunidade, completitude e paz são inseparáveis.

Não é paz, vida comunitária, integração social, o que Nina quer? É isso o que Nina, nos seus 23 anos, deseja e terá para si mesma, para os filhos que virão e para os milhares de agricultores desta sociedade até hoje em desarmonia.

Em breve você poderá consultar aqui mais informações sobre este homenageado

O nome de Nise da Silveira não está ligado somente à experiência da terapêutica ocupacional a que deu início, há mais de 45 anos, no Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro, e que prosseguiu anos a fio, a despeito das vicissitudes que cercam as iniciativas criadoras nesses lados do Novo Mundo.

No Engenho de Dentro, Nise da Silveira criou ateliês onde se começou fazendo pintura, escultura, modelagens, teatro, dramatizações, e onde todos participavam e engendravam o convívio afetivo, essa fonte única geradora de humildade e de criação artística.

Através da livre expressão de um desenho, o doente rompe as trevas da loucura, relaciona-se com os outros, dá acesso aos mistérios do seu mundo fantástico e, não raro, como é o caso de Raphael, Emygdio, Fernando, Isaac, Adelina, desleva-se o gênio na produção de obras que já se enfeixam no patrimônio cultural brasileiro.

As descobertas de Nise da Silveira na área da assistência aos esquizofrênicos são revoluções doutrinárias que vieram fazer escola no domínio da prática psiquiátrica, a ponto de impressionar a Jung que ao ver uma exposição de pinturas do cEntro Psiquiátrico Nacional (hoje Pedro II), em 1957, dirigiu-se a Nise da Silveira e disse: “Como é o ambiente onde esses doentes pintam? Suponho que trabalhem cercados de simpatia e de pessoas que não têm medo do inconsciente”.

Mesmo nas personalidades mais desagregadas, ela nos conta, sobrevivem pulsões configuradoras de imagens, figuras fora da lembrança, que a dra. Nise soube tirar do pátio inerte do hospício, fazer disso matéria para o convívio afetivo e para o surgimento de um museu, museu-casa, museu-abrigo desses artistas diferentes e de suas geniais criações plásticas: o Museu de Imagens do Inconsciente.

O nome Nise d eSalveira não está ligado somente à grandeza generosa e inventiva dessa longa experi~encia; está ligada também a política a aos eventos mais marcantes da nossa história contemporânea. Travou lutas políticas, foi perseguida, esteve presa. Na ditadura de Vargas, conviveu na prisão com Olga Benário Prestes, Maria Werneckj, Beatriz Bandeira, Valentina Bastos e muitas outras brvas socialistas.

Nise da Silveira nunca se afastou da luta pelas liberdades e os direitos humanos. Questiona, com as claras razões da prática, as engrenagens tradicionais e organicistas do tratamento da doença mental no Brasil, briga pelas liberdades democrática no país, e ao longo da sua luminosa vida a dra. Nise nos mostra que Saúde e Política, assim como todos os demais planos da atividade social, são campos fecundos para cravarmos as raízes de um mundo solidário.

Cristovam e Lais Maria trouxeram Paulo César ao mundo para envolvê-lo de carinho na infância e vê-lo emplumar-se e partir, com a benção dos seus olhares, no devir de todo homem. Viram de perto seus primeiros passos na escola e não disfarçaram o orgulho ao vê-lo alcançar o segundo lugar em um concurso literário, já aos nove anos, em um evento patrociando pela Tribuna da Imprensa e que contou com Manuel Bandeira e Dinah de Queiroz como juizes.

Viram Paulo César aprovado em concurso para o Colégio Militar de Belo Horizonte e para um ginásio em São João Del Rey, para completar, mais tarde, o cruso ginasil no Rio. Ao longo de cada estação daqueles anos de infância do filho, Cristovam e Lais Maria observavam o surgimento do seu espírito indagador e independente.

Notaram que se preparou sozinho para concurso do Banco do Brasil, para onde foi admitido aos 20 anos, após o serviço militar, e como começou a trabalhar no banco, em Paranaguá, e a sonhar com a chance de estudar Economia, o que veio fazer pouco depois na Universidade do Estado da Guanabara. Em 1970, no ano seguinte de estudos, tornou-se diretor social do diretório acadêmico e passou a envolver-se diretamente na política.

Cristovam e Lais Maria não sabiam, à época, que Paulo César havia ingressado nas fileiras da ALN.

Em 1971, receberam do filho um longo abraço muito carinhoso e souberam que ele saía de casa porque “não tinha o direito de trazer problemas para eles”. Passaram então a vê-lo somente no final de cada mês, para nunca deixar de cultivar o eterno afeto que os unia.

Vinte e nove de janeiro de 1972 foi o dia da última visita aos pais. Poderiam saber que nunca mais estariam juntos? Cristovam e Lais já não o viram mais. Jamais reveriam o filho, no qual viam brotar um homem indonformado com as desigualdades, revoltado com a miséria que o cercava, decidido a buscar soluções, a todo sacrifício pessoal, para esse imenso problama. Percebiam que na defesa dos seus ideais, no porte de seu caráter de cristal, Paulo César chegaria a dar a própria vida.

A inauguração da Praça Paulo César Botelho Massa inclui-se na concretização de um dos objetivos do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ. Na ocasião, sua professora Helly Leiras falou dos seus olhos claros e dos seus cabelos anelados que via sob sua janela quando o menino Paulo Cesar ia ao cinema com os pais aos domingos.

Falou do moço consciente e maduro e de sua grave opção pela luta revolucionária. Lembrou que Paulo César disse: “Eu sei que estou plantando uma semente que não verei crescer, mas outros verão”. Não morre quem deu a vida por um idela, disse Helly, ao mostrar que estamos presentes a primeira brotação do que foi plantado.

Já temos uma Praça Paulo César onde as crianças poderão brincar sob a sombra dessa árvore de liberdade que o sangue de Paulo Cesar Botelho Massa ajudou a nutrir.

Certa vez, no Chile, um camponês teve sua gleba de terra tomada por latifundiário; foi se queixar e recebeu visita ilustre de representantes do Governo que lhe garantiram, bem engomados, que a Justiça cuidaria do caso. “De que partido é a Justiça?”, ele perguntou aos visitantes.

Esse é o caso em todas as bordas do mundo onde os valores do dinheiro e do pode rautoritário apodrecem as consciências e onde as bases da cidadania ainda vão sair do chão – primeiro, talo fino de grama, para logo romper as crostas do passado feito terremoto.

O Projeto Direito Achado na Rua é um admirável exemplo de mobilização social para defesa dos direitos configurados da cidadania, dos direitos humanos e da justiça social. Implantado na Prefeitura Municipal de Ipatinga, em outubro de 1991, pelos advogados Luis Henrique Ribeiro, Maria José da Silva de Andrade, Layla Ferreira Pinto e Osmar de Andrade, o coordenador da equipe, o projeto visa estimular as organizações civis a utilizar os espaços públicos do Poder Judiciário, exigindo-lhe a garantia efetiva do exercício das liberdades públicas, dos direitos individuais e sociais; objetiva esclarecer a natureza da organização do serviço público de administração da justiça em nossa sociedade; e propiciar a formação de agentes da justiça entre as classes oprimidas, habilitando-os para sustentar a luta jurídica no âmbito dos seus movimentos.

Como trabalha o Projeto Direito Achado na Rua com as cartas que lhe são postas nas mões? Como faz valer seus critérios no meio elitista, autoritário e quese sempre comprometidos com as classes dominantes que caracteriza os mecanismos da justiça brasileira? Mediante reuniões com todas as associações comunitárias, para discutir questões ligadas aos direitos humanos e cidadania, e orientar suas lideranças para o desempenho de atividades jurídicas não formais, como as ações coletivas; debates com a comunidades, tratando de evidenciar os problemas locais de forma participante; provocação do Ministério Público para a fiscalização do sistema carcerário; denúnciaa todas as autoridades, com a conseqüente flagrância de instalações de tortura na cadeia pública de Ipatinga; representação de 14 pessoas vítimas do crime de tortura praticado pela Polícia Civil e pedidos de prisão preventiva de todas as autoridades criminosas envolvidas, direta ou indiretamente, com o delito de tortura e abuso de poder.

Na noite de 12 de maio de 1992, uma blitz da Polícia Militar de Minas Gerais culminou em tiros no desaparecimento do jovem Nélson Ferreira Júnior, o Juninho. A equipe do Projeto realizou atos públicos exigindo ação concreta na investigação do caso que teve, dentre outras conseqüências, o afastamento do major responsável pelo inquérito policial-militar e do Primeiro Promotor de Justiça de Ipatinga, por ter sido considerado suspeito no trato das questões de tortura.

Todas as atividades que envolveram policiais, civis ou militares, tiveram como resposta ameaças que chegam a levar alguns membros da equipe a correr risco de vida.

Membros do Projeto Direito Achado na Rua, aceitem a Medalha Chico Mendes de Resistência; é a nossa homenagem à importância profunda do seu trabalho. Contem com a nossa solidariedade, com a nossa admiração e com a nossa eterna amizade.

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